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30/04/2013 - 09:10

O significado de uma crise de poderes

Os governantes brasileiros e os mandatários do povo no Brasil têm o vezo de minimizar as crises políticas. É o peso da história, de traumas passados, sobre a realidade política contemporânea. Afinal, as crises institucionais do passado (por exemplo, a República paralela do Galeão, os antecedentes de 1937 e de 1964) injetam razões suficientes para o temor das consequências. Em todas essas hipóteses, sem enumerar outras, sofreu a democracia e sofreram as pessoas, desde os líderes até os mais humildes.

Não foi outro o motivo pelo qual o jovem ministro do STF, Dias Tófolli, foi ao Legislativo como bombeiro. Algo insólito na tradição universal do Poder Judiciário. A Justiça é um poder inerte (só age quando provocada por alguém - "nemo iudex sine actore"), que profere decisões que não precisam de justificativas alheias às fundamentações de suas decisões. O inconformismo das partes tem lugar para desaguar na gama de recursos à disposição das partes. Uma decisão monocrática ou unipessoal de um Ministro do STF está sempre sujeita à revisão pelo colegiado, desde que interposto o recurso de agravo regimental, para que a composição essencial de uma Corte - seu colegiado máximo, manteja ou reveja a decisão de um d e seus componentes. E podemos registrar que os Ministros do STF, consciente de que são a Suprema Corte, não havendo outra instituição superior que possa rever seus julgados, dão a máxima atenção aos agravos regimentais, especialmente nas questões políticas relevantes. E inúmeros foram os julgamentos dos ministros em que o colegiado não ratificou liminares e outras decisões emanadas de um de seus pares. O Presidente do Senado já anunciou que o recurso está para ser interposto.

Assim, a presença do Ministro Dias Tófolli no Parlamento Nacional, não sabemos se como emissário de seus colegas ou simplesmente "sponte propria", em nada colaborou no sentido da respeitabilidade de um Poder que só deve justificar - sob pena de nulidade - suas decisões nos próprios autos. E quando o Ministro se apressa em dizer ao povo brasileiro que não há crise institucional, é porque há. O mesmo se diga das declarações do Presidente do Senado, Renan Calheiros. Dizer, simplesmente, que as instituições estão em funcionamento, não significa que os três poderes estão a conviver harmonicamente, e tampouco que esses poderes estejam funcionando bem.

O denominado sistema de "freios e contrapesos", ideia magistral que medrou no inconsciente político e ganhou solidez doutrinária nas obras de John Locke e do Barão de Montesquieu no século XVIII, consiste em que os três poderes devem ser independentes e harmônicos entre si, para o bom funcionamento de um governo. Mas todos sabemos que é rara uma harmonia inabalável, até mesmo entre os eleitos pela graça divina, como sustentava Santo Agostinho, que celebraram os melhores casamentos. Sempre há momentos de turbulência, e isso se deve ao fato de que - felizmente - as ideias e os interesses humanos não são iguais e não compomos uma sociedade de robôs. O que importa - e nesse passo podemos recorrer a um conceito da medicina - é que as patologias sejam superadas e o organismo físico e mental reconquiste seu equilíbrio natural, a homeóstase.

Nesta quadra política, não há ameaças, pelo menos no horizonte visível, de que uma crise entre os poderes possa conduzir a uma ruptura da democracia brasileira. Sua solidez, fixada a duras penas e grandes mobilizações populares, reside num Estado de Direito Democrático e constitucionalizado. Destarte, as turbulências que acontecem na relação entre os poderes deveriam ser reconhecidas, inclusive como pressuposto para que seus respectivos membros reavaliem suas condutas e, antes de agir, tenham em mente a força universal e histórica que emana do art. 2º de nossa Constituição. Transposta a turbulência, essa gigante aeronave retoma seu vôo em céu de brigadeiro. Jogar os conflitos para baixo do tapete é que não faz mais sentido em nosso momento político.< span style="font-size: 13pt; font-family: Calibri;">

Temos um Índice de Democracia organizado pelo jornal "The Economist", cujos últimos dados são de 2011, destinado a avaliar o estado das democracias em 167 países. Os valores avaliados são o processo eleitoral e democrático, as liberdades civís, o funcionamento do governo, a participação política e a cultura política do povo. Desse modo, as democracias são consideradas como "democracias plenas", "democraciais imperfeitas" e "regimes híbridos". E também se destina a dar o devido lugar às ditaduras. A democracia vencedora foi a da Noruega, que emplacou nota de 9,8, de zero a dez. E, como não poderia deixar de ser, a Coréia do Norte foi a primeira colocada dentre as ditaduras, com nota de 1,08.

No âmbito dos países lusófonos, por incrível que possa parecer, Cabo Verde conquistou a melhor nota democrática, ficando em 26º lugar; Portugal obteve o 27º; Timor Leste ficou em 42º; o Brasil em 45º; Moçambique em 100º; Angola em 133º e a Guiné Bissau no 157º lugar, entre os 167 países pesquisados. A América Latina e o Caribe obtiveram a média de 6,5º, uma nota melhor que a de uma década passada, porém que ainda demonstra o quanto há de ser feito no caminho da democracia em nosso continente.

O Brasil pontuou com brilho nos requisitos de processo político, pluralismo e liberdades cívis, com as notas de 9,58 e 9,12, sem nada dever, portanto, aos primeiros da fila. No requisito funcionamento de governo caiu para 7,5, na posição de 19º colocado. E descambou nos requisitos de participação política e cultura política, com a nota de 4,38, inferior ao de ditaduras como o Bahrein e a Guiné Equatorial. Uma crise entre os três poderes conduziria ao rebaixamento da avaliação no requisito funcionamento de governo. No entanto, essa queda será ainda maior se praticarmos, como o estão a fazer nossos representantes do Legislativo e do Judiciário, a política do avestruz.

O legislativo pode editar duas normas manifestamente inconstitucionais. Uma, que sobrepõe seus poderes ao do Supremo Tribunal Federal, numa democracia em que o documento fundamental que a orienta é a Constituição Federal e cujos dizeres, devidamente interpretados, emanam da Suprema Corte; outra, casuística, oportunista, no melhor estilo da ditadura que enterramos, cerceando novas agremiações partidárias, para que o partido da ordem logre reeleger a Presidenta. Isso, contudo, ainda que manifestamente inconstitucional, "desde Deus", como disse o Ministro Gilmar Mendes, não autoriza o judiciário a invadir o "iter" das decisões parlamentares. Após o processo legislativo, com a sanção e a publicação da lei inconstitucional, o Supremo pode, numa sessão marcada com absoluta prioridade sobre os demai s processos, repor as normas capengas ao limbo de onde provieram. Aí sim, as instituições governamentais estarão funcionando a contento e justificando, pelo menos, a nota média que obtiveram naquela avaliação entre 167 países do mundo.

.Por: Amadeu Roberto Garrido de Paula, advogado.

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