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03/05/2013 - 07:55

Foro privilegiado

Um tiro no pé. Deputados, senadores, toda a classe política sentia-se aliviada com seu direito ao foro por prerrogativa de funções, um privilégio em relação aos comuns dos brasileiros mortais. Os Deputados federais contavam com o Supremo Tribunal Federal e os estaduais com os tribunais regionais.

Creio que hoje seus nobres corações palpitam ao pensar nesse tema. A ação penal 470, ou o "processo do mensalão", foi emblemática a propósito do assunto. José Dirceu, intempestivamente, ainda alega, em grau de embargos de declaração ou nos de infringência, que deveria começar a ser processado em primeira instância. Os co-réus que tinham mandato parlamentar o levaram, por arrastamento, às barras da Suprema Corte.

Uma guinada de 180 graus na consciência dos que, temerariamente, consideravam o STF como uma instância de impunidade. O argumento de Dirceu, primeiramente, aumentaria inimaginavelmente as chances de prescrição da pretensão punitiva do Estado em relação a vários crimes pelos quais foi condenado. Em segundo lugar, ainda que não se consumasse a prescrição, se a ação penal se iniciasse em primeira instância, certamente dezenas de anos decorreriam na tramitação processo.

Nesse tempo, como versejava Luis Vaz de Camões, "Mudam-se os tempos/Mudam-se as contades/Muda-se o ser/ Muda-se a confiança/Todo o mundo é composto de mudanças/Tomando sempre novas qualidades”. Bem por isso, os criminalistas, em regra, não manifestam nenhuma pressa no andamento dos processos, considerado ainda o fato de o réu permanecer em liberdade até o transito em julgado da sentença condenatória.

E há mais um aspecto processual de extrema relevância. Como se viu, os réus obtiveram 4 votos favoráveis no capítulo da decisão concernente à formação de quadrilha. Com efeito, trata-se de um tema árduo. Formação de quadrilha ocorre quando 4 ou mais agentes se organizam em caráter permanente, com o escopo exclusivo de praticar atos criminosos de vária natureza: furto, roubo, estelionato, corrupção, lavagem de dinheiro etc, etc; pouco importa a tipificação do ato praticado. Forma-se uma corporação criminosa. Nesse ponto é que se instaurou a divergência, visto que os 4 votos vencidos entenderam que não se deu, no caso, essa construção de um esquema voltado exclusivamente à prática de crimes. Pode-se dizer que a subsunç&at ilde;o (enquadramento) do fato à norma incriminadora, na hipótese de formação de quadrilha, reside numa zona grégia, e a solução depende de intensa cultura e experiência jurídica. A minoria vencida tem argumentos poderosos, partindo-se da distinção entre o crime de formação de quadrilha e o crime praticado em circunstância de co-autoria (plúrimos criminosos). Não podemos ignorar, a bem da verdade, que foi banalizada, no Brasil, a tipificação de ações criminosas praticadas por mais de 4 agentes como formação de quadrilha. As autoridades policiais, à vista de um procedimento tido como delituoso em que mais de 4 foram envolvidos, não têm dúvidas em dar como caracterizado o crime, e o indiciamento se dá, também, sob esse ângulo, ainda que um dos 4 seja a secretária servidora de café numa reunião de 3.

Ora, muito embora não se coloque em dúvida o notável saber jurídico de todos os Ministros do Supremo que participaram do julgamento da referida ação penal, se o processo tivesse início em primeira instância, o debate sobre esse ponto seria muito mais rico: o representante do Ministério Público e os advogados da defensoria, primeiramente, exporiam seus argumentos ao juiz singular primário, e este emitiria seu pronunciamento. Em grau de apelação, as argumentações seriam reiteradas, e provavelmente acrescidas de argumentos novos que exsurgem naturalmente sob a dialógica dos debates, e o Tribunal regional firmaria seu entendimento. Depois disso, ainda o processo repetir-se-ia junto ao Superior Tribunal de Justiça, inclusive com a possibilidade de confrontar-se analiticamente decisões judicia is de Tribunais diferentes para uniformização jurisprudencial. E o STF seria a derradeira instância, para verificação de eventuais aspectos constitucionais, raramente presentes em ações penais, no tangente ao fundo das matérias.

Esse intenso debate, reproduzido em várias instâncias, é de extrema relevância para o conhecimento dos aspectos processuais, tanto os de direito como os componentes da denominada matéria de fato. É como que os argumentos processuais a passar por um funil e se aperfeiçoa a inteligência jurídica em face do caso posto, de tal sorte que, ao longo da tramitação, muitos argumentos acabam sendo desprezados, outros valorizados, e o debate fica amarrado a pontos bem claros e fundamentais. Todos esses procedimentos, que muitos não compreendem, são relevantes para o êxito do processo, evitando-se seu fracasso sob os aspectos de fato e de direito.Em suma, ganha a justiça, com abstração do problema brasileiro concernente a uma inadmissível morosidade.

A doutrina e a jurisprudência sobre a formação de quadrilha seriam esquadrinhadas, eventualmente a ponto de se ter uma conclusão diversa da que manifestou a ilustrada maioria do STF. Entretanto, os poderosos réus contavam com o que consideravam uma probabilidade - a de controlar o STF, foro privilegiado, até porque a maioria dos Ministros foi nomeada pelo Presidente da República, vinculado ao partido da ordem a quem pertencem e que foi o palco institucional das malfeitorias. O equívoco foi manifesto e trágico para os réus: a maioria dos Ministros, inclusive os nomeados pelo atual governo, não se vergaram a pressões e orientaram-se no sentido de lançar veneno fatal à praga da corrupção que assola nosso país. E os recursos que, no momento, podem ser interpostos, abrem uma via estreitíssima, definitiva e não demorada. O resultado que a sociedade espera, ainda este ano, é o cumprimento das penas pelos condenados.

A probabilidade de tudo ficar como se encontra é muito grande, inobstante o esforço que estão a fazer os cultos e experientes advogados de defesa. E o choro é inútil. Se os parlamentares adquirirem consciência clara sobre o tema, que lhes interessa na órbita privada, não se tenha dúvida de que logo teremos a propositura de uma emenda constitucional extintiva do foro por prerrogativa de função em relação a eles.

Nossa independente Suprema Corte demonstrou não ser um presépio das vaquinhas e as esperanças dos poderosos representantes do voto em conduzir por cabresto seus ministros se revelou uma ideia falsa, agregada de um efeito bumerangue, que se voltou contra alguns de seus mais ilustres pares.

.Por: Amadeu Garrido,advogado da Garrido de Paula Advocacia.

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