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06/11/2007 - 11:04

Os Sem-Estado

Setenta em cada cem brasileiros sentem-se inseguros quando voltam para casa. A estatística integra o Relatório Global sobre Assentamentos Humanos das Nações Unidas. O documento, lançado em Monterrey, México, celebrando o Dia Mundial do Habitat (1º de outubro), coloca o Brasil em primeiro lugar no triste ranking internacional do medo, à frente das nações africanas, latino-americanas e até mesmo as do Oriente Médio, região cronicamente conflagrada.

O novo estudo é mais uma evidência de como o brasileiro sente-se abandonado pelo Estado, cada vez mais ávido em arrecadar impostos e menos eficiente na prestação de serviços à população. O País vive o auge de uma cultura política em que a democracia é subvertida pela prevalência dos interesses da minoria incrustada no poder. O fisiologismo garante tranqüila maioria ao governo na Câmara dos Deputados e tem sido suficiente para submeter o Senado, onde há maior resistência, aos caprichos do Palácio do Planalto. Que o episódio Renan Calheiros potencialize o brio dos senadores...

Na verdade, estabeleceu-se uma estranha República, na qual o Estado coloca-se frontalmente em oposição à sociedade, como se fora ele o fim de tudo e não o meio para que os indivíduos tenham respaldo institucional e possam usufruir as prerrogativas da cidadania, como pressupõe a filosofia democrática. A Nação parece viver sob um totalitarismo disfarçado, já que o governo consegue aprovar tudo o que deseja, à revelia dos interesses dos setores produtivos, entidades de classe, ong´s, sindicatos e o universo civil em geral.

Os brasileiros estão órfãos do Poder Legislativo, configurando-se grave ruptura no sistema democrático. Tal distorção é ainda mais grave se considerado o fato de o “rolo compressor” do Executivo ser imensamente poderoso na Câmara dos Deputados, cuja missão constitucional mais importante é justamente a de representar de modo direto o interesse dos eleitores — e não do governo — na elaboração e votação de leis, bem como na fiscalização. A maioria parlamentar governista, entretanto, ignora esses preceitos e exagera no sectarismo.

O melhor exemplo dessa distorção é a aprovação em primeiro turno, na Câmara dos Deputados, da continuidade da CPMF, com alíquota de 0,38%, até 2011. Como se trata de emenda constitucional, sua aprovação exige maioria absoluta (o que tem sido uma barbada para o governo...) e votação em dois turnos. Pergunta-se: alguém arrisca apostar algum dinheiro na possibilidade de a Câmara rejeitar a proposta no segundo turno? Resta, então, a esperança de que o Senado consiga barrar a cobrança de um tributo que economistas, especialistas e estudos de abalizadas entidades já demonstraram com clareza ser desnecessário. Afinal, a União desfruta de excedentes de quase R$ 50 bilhões na receita tributária, enquanto a CPMF retirará da sociedade cerca de R$ 35 bilhões, em 2007. Assim, sem a sua cobrança ainda haveria gordura de caixa de R$ 15 bilhões.

O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) mostra que os 0,38% da CPMF são divididos da seguinte maneira: 0,20% é a alíquota da saúde; 0,10%, da Previdência Social; e 0,08%, do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. No entanto, a saúde e os demais segmentos da seguridade social têm outras fontes de financiamento: Cofins, Contribuição Previdenciária, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido e dotações específicas previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Pode-se aludir, então, que, a partir da criação da CPMF, num mero exercício contábil, o governo transferiu parte expressiva dos recursos orçamentários da rubrica “Seguridade Social” para outras áreas. Dessa maneira, o imposto “provisório” não aumentou de maneira expressiva o dinheiro da saúde.

Na verdade, o Executivo, inclusive por meio da Desvinculação de Receitas da União (DRU), sub-repticiamente votada junto com a CPMF, manipula o dinheiro que arrecada ao léu dos interesses maiores da Nação. Tais manobras, sob a complacência e cumplicidade do Parlamento, em especial a Câmara dos Deputados, explicam o porquê do surgimento de uma insólita “minoria” de 190 milhões de brasileiros, os Sem-Estado. É todo um povo que, abandonado pelo poder público, teme exercitar o direito sagrado de ir e vir, como mostra o estudo da ONU, e vislumbra o futuro próximo com justificado ceticismo.

. Por: Alfried Karl Plöger, presidente da Abigraf Regional São Paulo (Associação Brasileira da Indústria Gráfica) e vice-presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca).

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