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22/05/2013 - 08:53

O mercado da moda, a “escravidão contemporânea” e a iniciativa do Estado de São Paulo

O Tribunal Regional Federal da3? Região nesta semana organizou o seminário: “O enfrentamento à escravidão contemporânea”.

De início talvez o leitor estranhe a formulação de palestras sobre direito do trabalho nos painéis e sendo desenvolvida na Justiça Federal não especializada na seara trabalhista. É justo que assim seja.

A matéria discutida diz respeito ao alucinado crescimento no mercado – e não só da moda – na utilização de mão de obra em condições análogas à escravidão, situação em que o ser humano é ignorado frente à possibilidade de maior ganho financeiro.

Pretendemos aqui não fazer uma reflexão dotada de paixões humanísticas, mas de uma forma racional avaliar o contexto econômico, o contexto legal, e especialmente uma avaliação das responsabilidades envolvidas.

Grandes grifes mundiais vem sendo multadas, e tem visto seus investimentos na consolidação de mercado se perderem por contratarem “empresas” que não respeitam as mínimas condições de emprego.

As empresas terceirizadas muitas vezes contratam funcionários que recebem quantias incompatíveis com o trabalho desempenhado; com escorchantes jornadas de trabalho; precárias condições de alimentação e muito vezes tem sua liberdade cerceada pelo empregador.

De um lado as grandes grifes alegam não saber de tais fatos, que são diariamente comprovados pelas fiscalizações. De outro, muitos defendem que há um “dever de saber” na medida em que na maioria das vezes trata-se de confecções que prestam serviço a um único contratante, e que a solidariedade ou subsidiariedade atinente a terceirização exige tal tipo de cuidado.

São muitos os direitos em discussão e tentaremos ser sucintos para não correr o risco de divagarmos a ponto de não concluir a reflexão.

Há muito que a gravidade da situação exposta já transbordou à especialização da justiça trabalhista. Não se está somente a apurar fatos relacionados às relações de trabalho, mas, estamos a refletir sobre condições análogas a de escravidão, tráfico de pessoas, cárcere privado, todas questões que embora de possível avaliação concreta na justiça do trabalho, ganham cada vez mais contornos do direitos das gentes, uma vez que tem se tornado prática mundialmente conhecida, basta uma singela verificação das condições de trabalho em países pobres a produzir para as maiores marcas mundiais.

A globalização fez emergir marcas mundiais. Dificilmente se vê um adolescente utilizar marca que não seja mundialmente conhecida. Nascem aí dois fenômenos de proporção transnacional: a distribuição mundial das mercadorias, e, a necessidade de planejamento de custos, que visam diminuir as despesas de produção e assim aumentar a aferição de lucros.

A singela transcrição de pensamento dá conta da existência de um mercado comum, não em moldes econômicos – que implicariam em uma análise de Estados que comunguem de mesmas ferramentas econômicas – mas, em termos de consumo. A gama consumidora deseja mundialmente os mesmos produtos, e as diferenças de custos obrigam as empresas a uma avaliação mundial de riscos para assim conseguir ser lucrativa em seu mercado.

Um dos maiores entraves para o crescimento da indústria da moda sempre foi o custo da mão de obra. Embora muito do processo de industrialização deste ramo seja automatizado, é sem dúvida um dos remanescentes na necessidade de atuação braçal para produção.

A solução para o problema do custo de mão de obra não pode passar pelo desrespeito aos seres humanos e direitos atinentes a esta condição.

O Brasil infelizmente tem sido celeiro de tais práticas, envolvidas na impunidade e frouxidão legislativa que irrita até os mais compassivos espectadores da vida cotidiana; os avanços – que não podem ser ignorados – são ínfimos em nosso sentir. Tais avanços são como passos de tartaruga – sem a intenção de ofensa ao referido animal, pois com certeza é deveras mais rápido.

Tratemos de alguns aspectos legais: Há muito alertamos uma “humanização do direito”, fenômeno que não foi criado pelo subscritor, longe disso, é discutido há muito por renomados autores pelo mundo, sendo fruto da maturação dos direitos humanos como condutos irradiadores da proteção das minorias ao longo de décadas.

A Constituição Federal traz em número bastante significativo vedação à prática de contratação de trabalho “similar” à escravidão. São muitos os dispositivos e todos eles trazem como motivação a manutenção da dignidade da pessoa humana como princípio maior.

A dignidade da pessoa humana é de fato o norte que nos leva a afirmar que a matéria deixou de ser um problema meramente trabalhista, passando a ter aptidão técnica em outras searas na medida em que se discutem direitos humanos, crimes, prejuízos para ordem social e econômica, etc.

O seminário inaugura uma salutar discussão, e pretende soluções.

A solução, em meu sentir não pode ter como mote uma “demonização” das grifes, mesmo porque não incomum haver o trabalho análogo à condição de escravo em fábricas que atuam exclusivamente na falsificação, na contrafação de materiais de marcas famosas.

No caso vivenciado no Brasil há uma grande quantidade de autuações em “oficinas” de costura que tem em sua maioria bolivianos e asiáticos, que trabalham jornadas desumanas, e, em condição de penúria, e este não foi o sentido da terceirização que é um instituto que embora com alguns desvios de finalidade é de forma geral dotado de sucesso em terras brasileiras.

O Estado de São Paulo, em ação exemplar do governador Geraldo Alckmin regulamentou por meio de decreto nesta segunda-feira (13/05), a Lei 14.946 de iniciativa do Deputado Carlos Bezerra.

A lei traz é muito bem intencionada, porém nossa missão é a de avaliação técnica; e alguns entraves legais a tornam passível de discussão.

Em seu artigo 1º a lei determina que “será cassada a eficácia da inscrição no cadastro de contribuintes do imposto sobre operações relativas (....) que comercializarem produtos em cuja fabricação tenha havido, em qualquer de suas etapas de industrialização, condutas que configurem redução de pessoa a condição análoga à de escravo.”

Pois bem, em meu sentir o ordenamento jurídico não contempla espaço para ações que não resguardem o direito de defesa. Assim, por ser princípio constitucionalmente consagrado, não pode haver tal tipo de interrupção sem que seja oportunizada a defesa; inclusive pelo fato da cassação de registro ser um ato administrativo e como tal deve respeito a oportunidade de defesa.

Outra implicação legal é o fato de uma norma estadual “impedir” por via lateral a livre iniciativa, que é princípio constitucionalmente consagrado. Igualmente, sendo atingido o princípio da continuidade da empresa, sendo discutível que legislação estadual possa versar sobre a matéria federal em comento.

Outro ponto nodal é utilizar-se de regra tributária – e o impedimento de cadastro para recolhimento de imposto é evidentemente uma medida acessória à obrigação de exação –com caráter punitivo, especialmente em atos que exorbitem a esfera tributária. Em situações análogas o Supremo Tribunal Federal já se manifestou contrário a este tipo de prática.

A moralidade da lei é inconteste, porém sua legalidade e harmonia com o sistema jurídico é discutível. Inconteste também é o fato de que políticas de fiscalização em âmbito estadual precisam complementar o árduo trabalho do Ministério Público do Trabalho e das Delegacias Regionais do Trabalho para coibir esta nefasta prática.

A fiscalização apurada poderá retirar do mercado empresas que praticam as vexatórias e criminosas práticas, que de trabalhistas nada tem. Transformam parques fabris em verdadeiras “senzalas contemporâneas”, sendo o ser humano aviltado em sua essência.

A empresa que se presta a tal prática trai o Estado que lhe concede empreender, contudo com respeito aos limites sociais da empresa. Além disso, pratica simulação de atos, que como sabido causam a nulidade do ato jurídico, inclusive de constituição da empresa, na medida em que desrespeita o objeto social declinado no contrato social, e visa claramente fraudar imperativos constitucionais previstos na Carta da República, este em nosso sentir sendo o caminho mais curto para extirpar a nefasta prática que tem assolado cada vez mais nosso país.

.Artigo escrito por Aílton Soares De Oliveira, advogado e sócio do GDO Advogados e especialista em direito Tributário pela PUC de São Paulo.

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