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25/05/2013 - 09:16

O mundo não conhece seus pobres

Observações do diretor-geral assistente da FAO em Roma, Jomo Kwanme Sundaram, ao Jornal Valor, em publicação do dia 23 de maio, questiona, com absoluta razão, a metodologia consubstanciada em frios dados estatísticos para a verificação da fome no mundo, fundados em critérios de ordem monetária.

Há três décadas, o estudo está a cargo do Banco Mundial. Sundaram questiona sua metodologia e propõe acertadamente uma séria mudança epistemológica. No início de 2012, Robert Zoellick, presidente da instituição, em fim de mandato, anunciou que tinham sido atingidas as metas do milênio. O articulista coloca em dúvida, com razão, o critério empregado: um ou dois dólares e algumas frações por dia e por pessoa para determinar a indigência ou a pobreza.

Um erro de método. Pobreza se afere à luz da verificação das reais qualidades de vida de cada grupo social nas mais diversas sociedades e países. Será pobre alguém que tenha celular, porém defeque a céu aberto, como recentemente denunciou o jornalista Washington Novais em O Estado?

Verificar se a moradia é refratária às agressões naturais, se o povo veste roupas dignas, se faz as alimentações diárias necessárias, se tem saneamento básico, se não está sujeito a doenças endêmicas e provenientes de ambientes insalubres, qual o índice de mortalidade infantil e de idosos, se a sociedade é de castas ou propicia a mutações evolutivas etc, esse o novo método que consideramos adequado.

A moeda é um mero instrumento de aquisição de bens, não raro mal empregado, inclusive na aquisição de armas e substâncias entorpecentes, não simboliza a garantia de vida humana qualificada, e mais ainda a moeda tão escassa, nos limites da indigência ou da miséria. Tal aferição do Banco Mundial em nada representa e não nos dá uma visão correta do mundo atual, em que cerca de metade da população carece de pelo menos alguns dos valores que propiciariam sua dignidade plena. A conclusão é de que a ONU está pautada por ótimas intenções e nada mais.

É certo que sua preocupação em medir a miséria é louvável, mas sem um método correto é inútil. O que dizer de um Brasil que não tem mais de 60% dos lares com água encanada e saneamento básico e cujos habitantes são considerados de "classe média", os quais, em países como os EUA, estariam bem próximos da linha de pobreza? De um equipamento de saúde pública precário, em que muitos males e óbitos poderiam ser facilmente evitados? Um povo que sofre no interior de transportes coletivos precários por três horas para ir e vir do trabalho diariamente não é um povo vitimado pelo sofrimento, pela restrição de sua liberdade de ir e vir e pela pobreza? Ambientes urbanos compostos por imensas favelas não é um ambiente pobre? Pelos critérios atuais, favelado s podem ser incluídos na classe média baixa ou média média. Tudo isso nos parece um grande engodo, uma enorme hipocrisia. Um africano que tem um computador pode ser considerado de classe média, mas o utiliza sob uma árvore que o protege de um sol escaldante.

Na outra ponta, temos um número reduzidíssimo de milionários, multimilionários e bilionários. Nada contra a riqueza, as naturais discrepâncias sócio-econômicas entre os indivíduos, até porque a igualdade absoluta já demonstrou ser utópica. Mas tudo contra as injustiças. Não falamos de injustiça social, porque no conceito de justiça, desde as mais priscas eras do direito, já se encontra imbricado o social. Não há justiça que não seja social. Essa discrepância enorme entre classes sociais é um dos mais sérios elementos predatórios da vida no planeta, sem falar da violência cotidiana que o atormenta. Se pensássemos em outro planeta dotado de vida inteligente, pensaríamos num povo racional e justo ou numa população a exemplo do que habita a terra? Por esta periferia cósmica, habita uma gente que já deu demonstrações de extrema inteligência, por um lado, mas, por outro, paradoxalmente cava o seu próprio fim, ao mostrar-se incapaz de remover as mazelas que embrutecem metade da população mundial.

A ONU, o Banco Mundial, o FMI e todas as organizações internacionais e nacionais preocupadas com o destino do "homo sapiens" sobre a terra a longo prazo têm de rever urgentemente seus conceitos e propulsionar políticas efetivas de combate à miséria, que, diga-se, não passa pelo simples assistencialismo, mas exige formulações que imprimam equidade e racionalidade na convivência entre homens que conseguiram dispor sua inteligência para realizar conquistas inimágineis em outros campos das relações humanas, e dirijam a reversão dos bens naturais para dar aos seres humanos condições razoáveis, não simplesmente mínimas, de viver em integração com este planeta raro no universo.

.Por: Dr. Amadeu Garrido, advogado.

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