Página Inicial
PORTAL MÍDIA KIT BOLETIM TV FATOR BRASIL PageRank
Busca: OK
CANAIS

08/06/2013 - 08:21

Estudo analisa os “mulas” na fronteira Brasil-Paraguai

Qual o funcionamento do trabalho dos jovens, explorados como “mulas”, que se envolvem com o transporte de drogas na região fronteiriça entre o Brasil e o Paraguai? A assistente social e pesquisadora Andréa Pires Rocha buscou responder esta questão no seu trabalho de doutorado defendido pela Faculdade de Ciência Humanas e Sociais da Unesp, Câmpus de Franca.

Com o foco no grupo de meninos e meninas que tem sua força de trabalho explorada pelo tráfico e os que são ao mesmo tempo trabalhadores e usuários da droga, a pesquisadora conta que a maioria destes jovens se envolve com o narcotráfico como forma de obter uma renda para satisfazer necessidades materiais objetivas (roupas, lazer, diversão) ou subjetivas como reconhecimento e poder entre o grupo ou para o próprio consumo.

“Parto do pressuposto de que o tráfico de drogas oferece emprego e os jovens se submetem às contradições presentes no cotidiano deste trabalho. Falo em contradições considerando que o trabalho no narcotráfico remunera muito melhor que alguns trabalhos formais ou informais e, ao mesmo tempo, os submete a relações que são reguladas pelo medo, violência e riscos”, explica.

De acordo com ela, temos que tomar muito cuidado quando dizemos que a maioria dos jovens em situação de vulnerabilidade está envolvida com o narcotráfico. “Esse tipo de informação é generalizante e errônea”. Para ela, essa é uma parcela dos adolescentes que vivem em situação de vulnerabilidade social, que residem em territórios de pobreza e carentes da efetivação dos direitos sociais, e que tem o narcotráfico como uma opção de trabalho.

A pesquisadora conta que esse grupo de adolescentes trabalhadores do tráfico que recebem sanções - como medidas socioeducativas restritivas ou privativas de liberdade – são os mesmos que sofreram privações dos direitos sociais desde à infância. “São aqueles que o Estado não olhou quando faltou vaga na creche e a mãe teve que deixar sozinho; ou que a escola expulsou; ou ainda, não foram cuidados pela saúde pública”, diz.

Andréa destaca que a proibição não cessa o uso e que o negócio das drogas sempre existirá. As substâncias psicoativas proibidas são mercadorias que dependem de trabalho para a produção, circulação e venda. Para ela, o discurso proibicionista demoniza os jovens pobres envolvidos com o tráfico colocando-os como inimigos sociais. A proibição faz com que o mercado de trabalho seja regulado por relações violentas. Entretanto, a transação só se sustenta pela simbiose da legalidade com a ilegalidade.

Segundo ela, não há um “Estado paralelo”, como muitos procuram afirmar, pois a ilegalidade existe intimamente vinculada com a legalidade. “A proibição só faz agregar valor a essas mercadorias, envolvem instâncias do legal e ilegal e, neste contexto os adolescentes que são explorados no tráfico de drogas são apenas o elo mais fraco da corrente”, explica.

A forma como vivem os “mulas do tráfico” se difere bastante da realidade dos adolescentes que atuam na venda a varejo. Os “mulas” não oferecem riscos para outras pessoas, não portam armas de fogo (a não ser que faça parte da carga para entrega), não resistem a apreensão.

O maior risco que correm durante as viagens é de serem apreendidos. Para eles, carregar “muamba” é normal, porém paga pouco. Já transportar drogas traz maior remuneração. Andréa destaca que, “o curioso neste contexto é que os adolescentes consideram o trabalho no carregamento do contrabando como “bico honesto” e o trabalho no tráfico como "crime”.

Em sua pesquisa, Andréa diagnosticou que uma das recompensas obtidas com o trabalho é a experiência de viajar, conhecer novo lugares, dormir em hotel, comer em restaurantes. Outra questão revelada pelo trabalho está na apreensão após a denúncia. “Alguns documentos que investiguei, os adolescentes foram apreendidos pela polícia após denúncia com informações detalhadas“, diz. Segundo ela, muitos adolescentes foram apreendidos como “iscas” para distrair a polícia, pois enquanto há a apreensão de um ou dois adolescentes com drogas em ônibus de viagem, há a passagem de automóveis ou caminhões com cargas muito mais elevadas.

De forma geral, diz a pesquisadora, posso dizer que a exploração da força de trabalho de adolescentes como “mulas” do tráfico proveniente da fronteira Brasil-Paraguai se materializa de duas maneiras: transporte de cargas de drogas proibidas para pequenas redes de narcotráfico ou contratação para serem utilizados como “iscas” que distraem a polícia e facilitam que as grandes redes efetivem o transporte de cargas elevadas.

Para o estudo, a pesquisadora entrevistou 17 adolescentes que já atuaram (ou atuam) como “mulas”. Entre eles, alguns em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto e outros em privação de liberdade.

Como funciona o trabalho do “mula”? Os adolescentes são contratados por intermediários que pagam a viagem, a alimentação e a estadia. No estudo, os adolescentes relataram que o valor pago depende de diversos fatores, especialmente, a distância e o tipo de droga transportada. Recebem entre R$ 500 e R$ 1.000 reais por viagem.

Muitas vezes a entrega é feita na própria rodoviária a que se destinam. Alguns casos, diz a estudiosa, afirmaram que contam com o apoio dos motoristas de ônibus ou com a corrupção policial.

Os adolescentes relataram prestar serviço para “diferentes patrões” e prestam serviços para várias redes ao mesmo tempo. “Observei que o mercado de substância psicoativas proibidas na fronteira Brasil–Paraguai não é homogêneo como a mídia ou alguns estudiosos costumam afirmar”, explica.

“Este mercado é formado por grupos de agenciadores, como qualquer outro mercado capitalista e é muito fácil conseguir trabalho de “mula””, disse a pesquisadora. Tanto no caso da contratação para que droga seja entregue em algum lugar ou para que o adolescente seja apreendido como “isca”, é exigido o sigilo absoluto, na condição de acabar morto caso o esquema seja entregue.

Andréa conta que não quis fazer uma análise que vitimize os usuários de drogas das classes médias e altas e demonize jovens pobres trabalhadores do narcotráfico, mesmo quando estes também são usuários. “Quero mostrar como o proibicionismo privilegia um grupo e criminaliza outro”.

“O problema do narcotráfico é resolvido a partir do encarceramento de quem está na ponta do iceberg. No caso dos adolescentes a situação é mais complicada ainda, pois a maioria dos meninos e meninas pobres que são apreendidos com drogas acaba sendo privada de liberdade, porém não é visto o quanto são submetidos a riscos e deveriam ser alvos de políticas sociais efetivas e não de polícia violenta”, conclui.

Enviar Imprimir


© Copyright 2006 - 2024 Fator Brasil. Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Tribeira