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19/07/2013 - 09:51

O sentido da visita papal

Um "país cordial" como o Brasil não pode sequer imaginar a ocorrência de um incidente com a visita papal. Imerso num inferno astral equiparável às crises mais sérias de nossa história é natural que o governo brasileiro tome todas as providências possíveis para que em sua coluna de débito do presente balanço político não se acrescente algo que falta para o insuportável.

Por força das sincronias que marcam os labirintos da história, o papa vem ao Brasil num momento atípico de nossa história. As movimentações inesperadas de um povo que se tinha como pacífico ou, mais precisamente, conformado com os constantes agravos impostos à sua vida social, deram azo a um terreno escarpado, por onde deverá deambular o representante da Igreja Católica, assim como o Messias não nos veio visitar numa região de paz e felicidade, mas num terreno inóspito, tanto sob o aspecto geográfico como sob a ótica política.

O povo judeu estava sob a opressão do império romano; muitos se conformavam, sob a analgesia dos patriarcas religiosos e seus ensinamentos que conduziam à vida eterna depois da morte, fundada na fé dos humanos que não podiam conformar-se com as iniquidades de uma existência terrena tosca e reprimida; outros esboçavam reações armadas tíbias e ineficazes ante à força poderosa do exército dominador; e ainda se viam os insurgentes do tipo Barrabás, que no Brasil de hoje povoam um campo cada vez maior e agressivo da criminalidade pura e simples.

Somente nesse clima tinha sentido a presença do filho de Deus, para salvar uma população combalida pelas carências materiais e pelas incertezas do dia e do amanhã. Sua pregação incessante, seus discursos metafóricos renitentes, o debate com os sábios e a política não inserida no confronto formal (dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus), nos leva à comparação da indignação recente que repudiou ações organizadas, institucionais e partidarizadas.

O domingo de ramos foi o palco de uma ampla movimentação periférica, cujas bandeiras eram as folhas fornecidas pelo vento; desde então os caminhantes das manifestações de rua têm como paradigma algo para empunhar e a voz para emitir sons que refletem seus anseios, ao largo de exposições racionais. O homem que entrou em Jerusalém sobre um jumento e não sobre um cavalo, para denotar a natureza pacífica da manifestação, não se conteve ao ver os vendilhões que faziam da crença pública, no templo, um instrumento de suas cobiças pessoais, que corrompiam os valores que pregava. Paradoxalmente, partiu para o único ato de força de toda sua vida, o que provavelmente lhe rendeu os acontecimentos subsequentes.

Efetivamente, os donos da prata, desafiados, trataram de inverter as convicções daquele povo indignado. Não foi difícil, provavelmente com alguns estímulos do tipo de seus bens terrestres. O povo se voltou contra o Homem que havia cumprido o papel dos comunicadores internautas de nossa era. Em uma semana, o apoio se transformou numa contrariedade ensandecida e os ramos em pedras contundentes.

Como sempre, o governo esperou para ver como ficava. Em face da mudança dos revoltosos, foi fácil tomar partido para restalecer a ordem e o "status quo" ameaçado: a sorte daquele que determinaria as balizas cronológicas de nossos séculos foi remetida a um plebiscito, no qual não deu outra: o desafiante sábio de uma ordem injusta foi considerado mais periculoso que um criminoso vulgar e animalesco.

"Mutatis mutandis", seu representante franciscano vem a nosso país num momento em que também não há conformidade entre o poder e o povo, cujos membros são mais próximos de súditos do que de cidadãos, dadas as manobras que diariamente empobrecem nossa democracia, não obstante regida por uma avançada carta constitucional. Tanto hoje como ontem, grassa no seio comum o ardor de um forte descontentamento, cujas causas e soluções são as mais heterogêneas possíveis.

O poder marcado pelo cinismo perfilha sua gendarmaria para defender o sucessor o representante da igreja do crucificado de uma turba de potenciais violentos, assassinos, terroristas ou seja lá o que for. É certo que qualquer autoridade tem a obrigação de tomar as medidas protetivas. No entanto, os jovens e adultos das ruas não precisavam das lições do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes. Todos sabem que o sofrimento que levou as massas em todo o Brasil não é obra do Papa Francisco. E sabem bem quais são suas causas. O papa ouvirá o justo clamor de um povo, depois de dois séculos, ainda maltratado como aquele pisoteado pelas botas romanas. E será respeitado e tido como um símbolo de esperança.

. Por: Amadeu Garrido, advogado.

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