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20/08/2013 - 08:26

O húmus de sangue

A mais antiga civilização protagoniza dolorosa tragédia humana, com cadáveres empilhados em ambientes deteriorados pelo horror da guerra civil e o odor característico da putrefação física, moral e política.

O sangue jorra das veias dos membros da Irmandade Muçulmana, que, por mais de cinquenta anos, sobreviveu no Egito corajosamente e com invulgar habilidade pelas sombras das catacumbas, depois de lançadas à clandestinidade pelos governos despóticos e militares de Gamal Abdel Nasser, Anuar Sadat e Hosny Mubarak, desde os idos de 1954.

Não obstante perseguida, com seus mortos, feridos e aprisionados, a Irmandade soube resistir. Foi criando laços fortes de solidariedade na sociedade islâmica. Não foi um movimento de oposição clandestino e militarizado em confronto com um governo armado, com alguns militantes recolhidos a aparelhos e travando uma luta inglória. Plantou raízes fundas no seio de seu povo e de seus adeptos.

E foi para a luta política aberta, democrática e nas urnas, com a criação do Partido Liberdade e Justiça. Ao mesmo tempo, criou instituições de caridade e assistência social, sediadas em mesquitas e universidades. E conquistou a vitória eleitoral, com a substituição, legítima e segundo os modelos ocidentais das liberdades públicas, de Mubarak.

Porém, os militares acostumados ao poder jamais se conformaram e passaram um ano do governo dos irmãos muçulmanos preparando o golpe de 3 de julho. De certo modo, foram favorecidos pela Irmandade, exímia no recrutamento popular e nas ações não governamentais, porém inábeis no manuseio do poder, sobretudo em razão de sua origem em uma organização clandestina, em que a incomunicabilidade de setores estanques era requisito de sobrevivência, enquanto no esquema de um governo regular leva à inoperância e à carência de créditos políticos.

Lamentavelmente, se a primeira civilização da história não está em seus estertores, encontra-se em uma encruzilhada em que o húmus das contradições se acumulou e fez cessar a fluência das águas do Nilo. O recrudescimento dos conflitos é o que há de mais provável.

O governo acaba de decretar a dissolução da irmandade, como se um ato normativo de império fosse capaz de abalar uma corporação hoje ainda mais robusta e revestida de uma legítima vitória eleitoral. A vida fora do reconhecimento formal do Estado é o meio natural da Irmandade Muçulmana.

Desde o golpe de estado de 3 de julho foram mortos mais de 1000 pessoas pelas forças militares. Entre os mortos sucumbiu Ammar, filho de seu líder supremo, Mohamed Mahie. Posteriormente, Asma, a filha mais velha do Presidente do Partido Liberdade e Justiça, Mohamed Beltaghi. O Presidente deposto, Mohamed Morsi, está em local incerto e não sabido. Não é preciso dizer mais nada para evidenciar que o clima nunca esteve tão adverso a um acordo de paz.

As forças da ordem fazem um cerco cerrado aos irmãos islamistas, todavia estes são pilotos de fuga. Congelaram seus recursos financeiros, mas não há dúvida de que eles serão recompostos, a curto ou médio prazo.

É possível que não exista no mundo especialistas do sofrimento e da sobrevivência adversa mais aptos que os integrantes da Irmandade. Daí se segue que não haverá paz nem capitulação e o Egito permanecerá como uma terra estremecida por muito, muito tempo.

A professora Carrie Wickham, da Universidade Americana de Emory, que há vinte e três anos estuda a Irmandade, aponta seus pontos positivos: a crença e a pregação da liberdade, da legitimidade de representação popular e da democracia, em contraposição aos fardados que oprimem o povo egípcio há mais de meio século, tendo como referência os ayatolás e talibanes, para quem o importante não são aqueles valores, mas a obediência cega à sharia (lei islâmica incontrastável).

. Por: Dr. Amadeu Garrido, advogado.

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