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04/09/2013 - 08:09

Os delírios do Ministério da Cultura

As agências de moda recebem apoio do Ministério da Cultura pela Lei Rouanet; do mesmo modo, como pontua Vladimir Safatle em artigo na Folha de S. Paulo ("O preço da cultura"), Oktoberfasts, torcidas do Palmeiras, musicais, festas gastronômicas e agora festivais de moda. Visão enviesada da cultura, para dizer o mínimo, e das finalidades do MinC e do dinheiro do povo destinado a promovê-la.

Um povo não consegue alinhar-se como sociedade organizada e democrática se, primeiramente, tem graves dificuldades educacionais, como em nosso caso; e, como complemento à educação, cultura, que envolve conhecimentos, métodos corretos de compreensão dos fenômenos e, sobretudo, visão crítica dos acontecimentos. Este é o componente do edifício cultural que menos interessa aos governos opressores e ainda aos que se dizem, se querem e se proclamam democráticos, sem que o sejam em parte razoável e tampouco em sua plenitude.

Da cultura participam, em seu cume, a filosofia, aperfeiçoamento racional da mitologia, com suas lendas, seus deuses, seus critérios e justiça e punição, suas concepções de amor e glória, valores e desvalores que marcavam a aventura passageira do homem sobre este planeta; no interior da filosofia e dela ganhando progressiva autonomia, a matemática e as demais ciências exatas; a literatura, arte da linguagem, que, por sua vez, é uma milagrosa criação de símbolos gerados pelas várias raças humanas que permitiu suas várias formulações sociais e a sobrevivência humana; as denominadas artes plásticas, projeções em cores e em traços provenientes das profundezas da inteligência humana para retratar o homem e o mundo que o cerca.

É certo que o Ministério da Cultura não deve se restringir à promoção ortoxa dessas manifestações do espírito que não correspondem ao estágio educacional de nossa coletividade, distanciado de sua percepção e próximo de simplificações compreensíveis. Entretanto, os exemplos citados não se inserem nem mesmo nesse conceito flexível e popular - ou popularesco - do povo brasileiro.

O que ressuma da conduta do MinC relatada e observada por Vladimir Safatle é que o aludido Ministério age com vistas ao implemento de promoções economicamente lucrativas, mal disfarçando a ideia predominante no atual governo de que criaremos uma sociedade civilizada simplesmente por meio do crescimento econômico, como se este fosse um departamento estanque e bastasse para que um povo, como num passe de mágica, passasse a viver melhor, mais feliz, existencialmente ativo.

O constitucionalismo moderno e pós-moderno concebe a pessoa humana em duas dimensões: a física a existencial. Sob o primeiro aspecto, o Estado é responsável pelo angariamento de condições de evitar a fome e proporcionar os meios materiais de subsistência; no segundo, o Estado deve tratar da espiritualidade da nação.

Como ensina o constitucionalista londrino Waine Morrison, "A existência social compreende pelo menos dois aspectos diversos: o aspecto físico e o existencial. Para lutar contra a fome física ou biológica, os seres humanos precisam abrigar-se dos elementos, comer, beber, reproduzir-se etc. Mas a sobrevivência biológica não constituiu a totalidade da existência: os seres humanos também se deparam com a questão da sobrevivência existencial e da morte existencial. O sexo é necessário para a sobrevivência biológica, o que já não é o caso do amor. Amar significa viver em uma estrutura diferente do mero sobreviver, e amar pode significar que a morte é de menor importância." ("Filosofia do Direito").

Como nos versos memoráveis do poeta alemão Holderlin: "Concedei-me só mais um verão, ó Poderosas,
E só mais um verão para aprimor meu canto.
Para que então, saciado do mais doce dos jogos,
De bom grado possa morrer meu coração.
A alma que, em vida, não alcançou seu direito divino,
Não terá repouso no reino dos mortos.
Mas se um dia me for dado conseguir,
O que tenho de sagrado no coração, o poema,
Bem-vinda seja a calma do reino das sombras!
Estarei feliz ainda que não tenha, ali,
Minha lira por companheira.
Terei vivido uma vez como os deuses,
E de mais não preciso.”

O pessoal do Ministério da Cultura não deve ter nenhuma afinidade com as Poderosas, deusas gregas do nascimento, da vida e da morte, para assimilar a mensagem do poeta. Não será concedido a nenhum poeta nem mais um verão e um outono, se a política atual não for radicalmente modificada, com a eliminação cada vez mais completa e eficaz do desperdício e do atrito na fruição humana dos bens da existência - em resumo, se não edificar-se naquele âmbito uma engenharia social cada vez mais eficiente (Roscoe Pond, "Introduction to the Philosophy of Law, 1954:47).

. Por: Dr. Amadeu Garrido, advogado.

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