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21/11/2007 - 08:30

Elas que amavam tanto a Revolução

Conto duas histórias que se encontraram. Foi na Livraria da Conde, no Leblon, Rio de Janeiro, o lançamento do livro Batismo de Fogo da antropóloga Artionka Capiberibe. Foi nesse evento, depois de muitas luas, que também se reencontrou um grupo de mulheres, todas ex-exiladas, com um elo em comum: minha companheira Janete. Foram tantos os beijos e abraços que até parecia o dia da volta do exílio.

A mãe é a Janete, mas elas são todas meio madrinhas da autora. Iza, Lavinia e Maria do Carmo são madrinhas, por assim dizer, porquê a conhecem de menininha. É essa antiguidade que lhes dá o direito de receber esse título.

Essas mulheres aportaram na vida convencidas de que aqui chegaram para mudar o mundo. Lá pelos anos de chumbo, pela metade dos anos sessenta e começo dos setenta, sonhavam com liberdade, democracia e socialismo. Então decidiram se engajar para dar um chega pra lá na ditadura, foram à luta, tanto fizeram que terminaram cutucando o cão com vara curta. Conclusão, deu no que deu: prisão, tortura e exílio.

Iza foi a primeira a deixar o Brasil. Militante da Ação Popular antes do golpe de sessenta e quatro, agitava no Movimento de Cultura Popular da UNE, em seguida na resistência democrática. Até que um dia, quando a barra pesou muito, atravessou fronteiras e foi parar na outra ponta gelada do planeta. Foi generosamente acolhida na província de Quebec no Canadá. Pouco depois, a autora de Batismo de fogo, ainda em fraldas, chegaria por lá.

Maria do Carmo foi um pouco depois. Agitava no movimento estudantil. Assim como Iza, seguia as orientações do guru Betinho, líder da AP, a Ação Popular. Quando os "hôme" apertaram o cerco, ela se mandou para o Chile de Allende, o Chile do asilo contra a opressão. Por lá, Artionka já dava os primeiros passos. Nosso encontro foi em uma festa na casa de Nazaré Rocha, outra madrinha, por assim dizer, que já se foi, deixando uma enorme saudade.

Lavínia, se não me engano, era chegada ao MR-8. Pensei em telefonar pra confirmar, mas isso me parece de menos. Ela também andou cega pelo continente, erguendo estranhas catedrais, primeiro no Chile, depois Costa Rica. Foi em Santiago, na Calle República, onde morava, que aconteceu o nosso primeiro encontro. Ela foi tia, por assim dizer, dos gêmeos recém nascidos Camilo e Luciana, irmãos da autora. Sua mãe Julieta, avó, por assim dizer, os presenteou com um berço duplo.

Muito cedo a Janete começou na escolinha de política do velho militante comunista, camarada Francisco das Chagas, o Chaguinha, que ajuizava a cabeça da moçada de Macapá, cidade esquecida no meio do mundo, lá do outro lado do Rio Amazonas. Ainda adolescente, radicalizou seu inconformismo engajando-se na luta armada ao lado de Carlos Marighella. Janete deixou a prisão num dia de outubro de 1970 e a nossa filha, autora de Batismo de Fogo, veio ao mundo no dia seguinte. Depois veio a longa travessia, a fuga pelo Rio Amazonas até a Bolívia, em seguida o Peru, depois o Chile, daí então para o Canadá e antes da volta definitiva uma passagem por Moçambique.

Ufa! Que trajetórias! As quatro cobriram o ponto. Apesar do engarrafamento das sextas-feiras, com um pouco de atraso, o encontro marcado aconteceu sem queda, na paz possível do Brasil democrático de nossos dias.

A livraria parecia pequena para caber tanta felicidade, em torno da autora elas comemoraram a aparição do livro, festejaram o encontro e a liberdade que ajudaram a conquistar. Elas ousaram. Elas venceram. Merecem alimento para a alma: aplausos.

. Por: João Alberto Capiberibe – e-mail: [email protected]

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