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11/09/2013 - 11:02

Mensalão: a irreversibilidade do julgamento

O julgamento do mensalão e suas vicissitudes posteriores tiveram a virtude de introjetar na consciência popular perplexidades que conduzem a questões de filosofia e, especificamente, de filosofia do direito.

Em geral, a sociedade protesta com o que considera insegurança jurídica e impunidade. Não se ajusta ao senso do cidadão comum a circunstância de alguém ser acusado escancaradamente pela mídia, por testemunhas ouvidas por entrevistas jornalísticas, por evidências aparentes e, não obstante, permanecer em liberdade ou não reparar o dano. Trata-se de percepção empírica.

No meio acadêmico, é secular e recorrente o debate sobre a natureza das disciplinas jurídicas. Formariam uma ciência ou seriam mera técnica e, além disso, impulsionada por meras forças de argumentação de advogados, membros do ministério público e juízes - leigos ou togados?

A primeira erronia está em que a ciência é exata e superior à técnica e, portanto, tem um "status" que a dignifica em escala superior.

Na verdade, as ciências da natureza, em estágio que consideramos no atual momento histórico extremamente avançado, são essencialmente especulativas. Quer isso dizer que o homem se esforça por desvendar os segredos da natureza e só adquire certeza quanto às suas conclusões depois que estas são testadas na prática e produzem resultados concretos à vida humana, com o auxílio de laboratórios e outros equipamentos de certificação. Tais resultados podem ser positivos ou negativos, sob o ponto de vista ético, como se pode inferir das experiências nucleares.

Já as técnicas humanas carregam em si, se não uma dose de grande certeza, de correção de seus postulados, absoluta segurança quanto à sua indispensabilidade à vida humana - necessariamente social. Se a existência só pode ser concebida quando postos em cena pelo menos dois ou mais indivíduos - Rubinson Crusoe numa ilha deserta é manifesta utopia e, ainda assim, Daniel Defoe não pôde dispensar a figura de Sexta-Feira e as primeiras manifestações dos institutos jurídicos da união estável e da doação das roupas que Crusoe entregou a seu índio amigo. É dizer, uma clara e induvidosa técnica de regência das relações humanas jamais pode ser desprezada, ainda que nas sociedades mais toscas.

Especulam-se os eventos químicos, físicos, biológicos etc, porquanto não há nenhuma certeza apriorística a seu respeito. Não são fatos criados pelo homem e, portanto, como se afirma em medicina, devem ser investigados segundo uma metodologia de erro e acerto. Já no que concerne aos eventos criados pelo homem, este tem plena certeza de sua essência - pela razão simples de que os criou. Há tempos o fenômeno não passou despercebido do filósofo Hobbes, cuja epistemologia distinguia dois tipos de ideias: "ectípicas" e "arquetípicas". "As ectípicas são ideias gerais da substância, enquanto as arquetípicas são produzidas pelo homem" (Ian Shapiro, "Os fundamentos morais da política", p. 15). E pros segue o autor citado: "Essa distinção criou uma radical separação entre conhecimento natural e conhecimento conven cional, fundamentada numa distinção entre as essências "nominais" e "reais". Das substâncias cujas essências depende do mundo exterior (como as árvores e os animais), o homem só pode conhecer as essências nominais. A verdadeira essência delas só está ao alcance do criador da substância, Deus. No caso das arquetípicas, contudo, as essências nominal e real são sinônimas, de modo que o homem pode, por definição, conhecer as verdadeiras essências." (idem, ibidem).

Dessa certeza que nos proporciona o direito, obviamente sujeito à ideal verificação dos fatos comprovados e interpretração da regra jurídica, os condenados no processo do mensalão tiraram embargos declaratórios, rejeitados porquanto o julgamento foi criterioso, assentado em milhares de páginas autuadas e devidamente interpretado pela maioria do STF. E corrigidas algumas imprecisões técnicas, apontadas pelos advogados e reconhecidas pelos Ministros, tudo no âmbito da perfeita possibilidade de conhecimento seguro. No caso dos próximos embargos infringentes, a nação brasileira, por meio de seu legislador processual, convenciou suprimir esse tipo de recurso, então cabível quando os julgamentos eram proferidos por maioria de votos e não por unanimidade.

Logo, nada mais há a ser indagado no julgamento do mensalão, salvo se incorrermos no equívoco de transformar uma técnica criada para permitir a subsistência da vida social e lançar as regras que permitem a convivência do homem na "lata de lixo da especulação", como A.J.Ayer argumentou de modo dramático em "Language, Truth, and Logic", em 1936.

. Por: Amadeu Garrido, advogado.

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