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17/09/2013 - 11:32

Uma tragédia em nossa democracia

Em face da ação penal 470, que tramita no Supremo Tribunal Federal, é possível afirmar-se que nenhum outro processo judicial, na história brasileira, fez surgir tantas indagações a respeito do direito, da justiça, da Constituição e do respeito à vontade de um povo no interior de um regime democrático e constitucionalizado. É extremamente difícil a expressão dessa vontade, sob a forma de inconformismo coletivo, em relação a fatos envoltos numa nuvem de complexidade que levou os presumidamente melhores juízes do País - os ministros do STF - a um empate sob o cabimento de um recurso. Porém, não se trata de um simples problema técnico. Para entender-se o "ser" e o "dever-ser" neste caso do mensalão, há que se ter ideia profunda do que seja, mais do que o direito, a velha, a estratégica, a ardilosa política, a arte de cuidar da "polis" que, não raro, se degenera em politicagem.

O que se passa atualmente no STF decorre de uma série de coincidências malsinadas que auxiliaram a debilitar um sistema democrático mambembe, uma república canhestra, um estado palafita, assentado num pântano, correspondente a uma completa desordem jurídica. Faltam ou sobram normas jurídicas, mas, como são elaboradas ou deixam de o ser sem preocupações com o equilíbrio de um sistema harmonioso, em muitas hipóteses, para usar a linguagem do Ministro Marco Aurélio Mello, "o sistema não fecha".

Algo que deveria ser simples, claro, objetivo e ao alcance da compreensão média popular, torna-se um labirinto do qual não conseguem sair nem mesmo os ministros, de "notório saber jurídico e ilibada reputação". O primeiro requisito se transforma num esgrima hermético, num jogo de contas de vidro, num embate de supostas erudições, que remete o povo, cuja felicidade é o destinatário daquelas normas, à ansiedade do viver ou sobreviver num mundo incompreensível; o segundo pressuposto da condição de ministro do STF é percebido como mera retórica, em face das nomeações feitas por um grupo ao qual pertencem réus de uma ação penal em processamento.

Em resumo, as considerações teóricas são incompreensíveis pelo povo e a honestidade dos juízes é posta sob generalizada suspeição. Num país em que a redução da pena para menos de oito anos é considerada vitória da defesa, porque não haverá nenhum cumprimento em regime fechado e a progressividade logo tornará o decreto condenatório uma manifestação estatal indolor, este povo de Deus, que se havia enchido de esperanças cívicas quando do primeiro julgamento e ficado exultante diante de pronunciamentos fortes e indignados dos julgadores em torno da corrupção que corrói nossas entranhas institucionais de extremos a extremos, volta a ser a população triste, embrutecida por não poder confiar em seus governantes - considerados os três poderes da República.

Entre as coincidências malsinadas, que só puderam ocorrer, como dito, numa república pantanosa, devemos lembrar, primeiramente, as aposentadorias compulsórias (excrescência) ocorridas durante os governos do PT, que permitiu ao Presidente Lula nomear 6 novos ministros (Antonio Cesar Peluso, Carlos Ayres Britto,Joaquim Barbosa (se arrependimento matasse...), Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Dias Toffoli) e sua sucessora mais 4 (Luiz Fux, Rosa Weber, Teori Zavaski e Luis Roberto Barroso) num total de 10 entre 11 componentes da Corte. O mundo do Dr. Pangloss permitiu ao grupo que empalma o poder o privilégio de mandar para a oficina mecânica o "sistema de freios e contrapesos". E essas nomeações, talvez, sejam os atos mais importantes de um Presidente no regime democrático. Isso foi dito por Ronald Reagan, na iminência de uma nomeação para a Corte Suprema norte-americana . E Barack Obama, que conta com sua mocidade e o ímpeto de não deixar, de uma forma ou de outra, o exercício do poder, já declarou que postulará uma vaga para o mencionado Tribunal de cúpula.

Coincidência malsinada que apanhou o exercício do mandato dos Ministros Cézar Peluso e César Britto em plena tramitação da ação penal 470 e depois de o primeiro ter emitido seu voto em relação a parte dos acusados e o segundo de modo exauriente. Foram para casa por terem atingido os setenta anos de idade e ficarem sujeito à presunção de que seus neurônios, ou parte deles, enfraqueceram de tal modo que se tornaram inabilitados para a continuidade no cargo.

Desta circunstância inevitável resultou que seus votos, a parte do julgado enfrentada por quatro votos vencidos (formação de quadrilha), se aceito pelo decano Celso de Mello o cabimento dos infringentes, pelo andar da carruagem, provavelmente cairão como um castelo de areia, não obstante os extremados esforços daqueles insignes juristas. É natural a reforma de uma sentença por um órgão superior: a hierarquia predomina e a sentença se torna uma peça sem nenhuma eficácia, como se não tivesse sido elaborada. Entretanto, no caso em pauta os votos mencionados não serão revistos por autoridades superiores, mas por agentes mais novos, escolhidos a dedo no bojo de inúmeras negociações, que sucederam os prolatores dos votos condenatórios nos mesmos cargos.

Uma comparação: a maioria absoluta do STF não admite embargos infringentes nas ações de inconstitucionalidade. Para simplificar: uma lei absurdamente inconstitucional, julgada constitucional, contra quatro votos, continuará "ornamentando" nosso ordenamento jurídico; já condenados por crimes repugnantes têm direito ao recurso. Uma lei inconstitucional poderá continuar prejudicando milhões de brasileiros, mas onze acusados poderão respirar aliviados. E mais ainda: estes últimos poderiam ajuizar ação de revisão criminal, enquanto o julgamento da ação de inconstitucionalidade, ainda que seja violadora de inúmeros dispositivos constitucionais e de muitas leis, não está sujeito a ação rescisória.

A mudança da decisão condenatória, que, como dito, por reduzir penas a menos de oito anos, será uma memorável vitória da ilustre defesa, afastará os mais importantes acusados do temido ambiente do cárcere por todos os momentos do dia. Mas, posta as circunstâncias acima versadas, não há nenhum homem de bom senso e princípios morais que não sinta um arrepio em suas entranhas psicológicas e uma vontade irrefreável de dirigir-se a um aeroporto internacional - sem passagem de volta.

.Por: Amadeu Garrido, advogado.

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