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20/09/2013 - 12:22

A comédia humana

O voto do Ministro Celso de Mello era esperado. No fundo, um desastre jurídico, revestido de verniz de erudição. Ele sabe muito bem que há leis constitucionais que são inconstitucionais. O raciocínio parece coisa de louco, mas o Supremo e o Ministro os adotam às largas, ao declarar a inconstitucionalidade de emendas constitucionais. É uma crítica lógica ao nominalismo jurídico. Não pode ser considerado constitucional algo que não tem lógica no sistema jurídico e que, portanto, não pode ser havido como norma e, tampouco, como norma constitucional.

A garatuja, constante, segundo Ministros do STF, da Constituição de 1988, de que o regimento do Supremo passou a ser lei ordinária, é um entendimento pedestre, como dizia o ex-Ministro Sepúlveda Pertence. Lei ordinária é regra oriunda de iniciativa do Executivo ou do Legislativo, discutida no âmbito das Casas de Lei, aprovada, promulgada, submetida a sanção ou veto, este voltando ao Legislativo com a possibilidade de ser derrubado, e destinada a reger a vida de todos (força "erga omnes"). Qual a semelhança entre regras "interna corporis" de um Tribunal, feitas para reger seus procedimentos internos, por seus próprios integrantes, sob a iniciativa de qualquer um deles e aprovada a quatro paredes? Obviamente, nenhuma.

Destarte, uma Corte Suprema séria, salvo patológico ou conveniente autoritarismo, jamais poderia ver seu próprio regimento interno como lei ordinária. O tema pode servir de estudos para os primeiranistas de direito, na disciplina Introdução do Estudo do Direito. O Supremo, por ser o gendarme da Constituição, não raro (e há precedentes) se considera, sem mais nem menos, acima de leis ordinárias. Ocorre que nenhuma instituição está acima das leis do país. Os dois outros poderes estariam sujeitos às leis e o Supremo somente à Constituição.

Se a disposição do regimento interno do Supremo não é lei ordinária, se os recursos nos processos judiciais devem estar na lei e seguir uma disciplina homogênea para todos os brasileiros, se a lei é da competência da União (art. 22, I, da Carta), para que todos se submetam ao devido processo legal, como bem observou o irreprochável voto vencido da insigne Ministra Carmém Lúcia, como admitir-se que, entre todos os Tribunais do país o único que ainda admita a figura dos embargos infringentes, revogado por lei, seja o Supremo Tribunal Federal? Ao fazê-lo estamos arranhando um princípio constitucional maior e fundamental, aquele comezinho e de todos conhecido, repetidos em todas as Cartas, inclusive nas autoritárias da história brasileira, de que somos todos iguais perante a lei (isonomia).

Em direito, as palavras devem ter sentido preciso, correto e induvidoso. Devido processo legal não significa o processo devido pelo Estado a seus jurisdicionados. Significa o processo não contaminado por vícios, logicamente estruturado e válido para todos. Com a vênia do decano, não foi observado. Se temos "recursos regimentais", como o agravo regimental, são apenas instrumentos para cumprimento da lei processual. Um tribunal é necessariamente um órgão colegiado; na hipótese de o seguimento de um recurso, para apreciação do coletivo, ter sido barrado por uma decisão pessoal (monocrática) de um Ministro, a parte pode insistir em seu direito de ver seu recur so apreciado pelos órgãos coletivos da Corte (o que ocorreu ontem, em q ue foram apreciados embargos regimentais). Isso não quer dizer que recursos processuais podem ser criados por regimentos, mas que estes devem zelar para que todos os recursos legais sejam devidamente verificados pelas autoridades às quais são primariamente dirigidos.

A mídia, os operadores do direito e grande parte da população não tinham dificuldades para supor de antemão o voto do decano. Sua derrapagem fora anunciada. A morte do julgamento anterior (no capítulo da formação de quadrilha) podia ser prevista no voto do Ministro Celso de Mello. As esperanças eram vãs e melhor seria seguir a conduta de Balzac, que em seu leito de morte diz confiar num único médico, um seu personagem: Horache Bianchon.

Morreu no dia seguinte e sua câmara mortuária foi conduzida por Alexandre Dumas, o Ministro Barouche e Victor Hugo. Este pronunciou, à beira de sua tumba, para uma França compungida, uma elegia ao autor da Comédia Humana. Lendo-o, os brasileiros ganhariam mais do que acompanhando os votos do Supremo Tribunal Federal.

.Por: Dr. Amadeu Garrido de Paula, advogado.

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