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31/01/2014 - 08:46

Uma solução para o superendividamento

A estabilização da moeda, o pleno emprego e a facilidade de crédito ampliaram o poder de compra não apenas das classes C e D dos brasileiros, mas a da população como um todo. Desde equipamentos eletrônicos de última geração até veículos novos e o sonho da casa própria se tornaram uma realidade presente na vida do cidadão brasileiro.

Porém, tão certo como o crédito passou a fazer parte do imaginário comum do brasileiro, a consequência também passou fazer parte da rotina de milhares de pessoas: o superendividamento. Praticamente na mesma proporção que se consegue o crédito, a população vem se endividando cada vez mais, seja de uma forma ativa – gastando mais que pode – seja de uma forma passiva, na qual fenômenos alheios à vontade do tomador do crédito levam à falta de pagamento.

Assim, trocando em miúdos, o superendividamento nada mais é do que o comprometimento do devedor com uma série de compromissos de pagamento, cujo atraso em qualquer das parcelas aumenta a dívida numa proporção muito maior do que a de seus ganhos. Essa famosa bola de neve faz com que o devedor acabe tomando novos empréstimos (os chamados “papagaios”), com o propósito de pagar parte das dívidas antigas. Havendo uma única inadimplência nos cadastros de maus pagadores, o crédito global do devedor é suspenso em cascada, impedindo-o de adquirir novos empréstimos ou comprar à prestação. Seus cartões de crédito são cancelados, seu cheque especial é rescindido e não há alternativa para a obtenção de empréstimos a não ser junto a parentes ou no mercado informal (com agiotas).

A situação pode levar o devedor a ser réu num sem número de processos judiciais, que disputam entre si o patrimônio familiar do devedor, e praticamente eterniza seu nome e CPF com o carimbo de “mau pagador” por muitos anos, e até décadas.

O tema é motivo de preocupação em todas as esferas, e as possíveis formas de se evitar ou amenizar o superendividamento vêm sendo discutidas inclusive no âmbito legislativo; todavia, sem uma solução mais concreta que não seja, a título sugestivo, a renegociação das dívidas na forma de mutirões. E como evitar, com os instrumentos legais atuais, a eternização do superendividamento? Existe um prazo concreto para que a pessoa endividada veja uma “luz no fim do túnel”?

Um caminho que sempre existiu ou que existe desde épocas em que nem se cogitava o tema do superendividamento, mas é pouco difundido, é o ajuizamento, pelo superendividado pessoa física, de uma ação declaratória de insolvência civil. Essa ação está prevista expressamente no Código de Processo Civil, com todos os requisitos e procedimentos nos artigos 748 e seguintes.

O pedido de declaração de insolvência pode ser requerido pelo próprio devedor, além do credor quirografário e do inventariante devedor falecido. O único requisito extrínseco é que as dívidas excedam o valor da totalidade de bens do devedor.

Se acolhido o pleito do superendividado, o juiz proferirá uma sentença decretando sua insolvência, a qual terá as seguintes consequências iniciais: o vencimento antecipado de suas dívidas; a arrecadação de todos os seus bens suscetíveis de penhora, quer os atuais, quer os adquiridos no curso do processo e a execução por concurso universal dos seus credores. Após isso, o juiz responsável nomeará um administrador da massa de bens e procederá com a decretação de que todas as execuções individuais contra o devedor, inclusive trabalhistas e com exceção das fiscais, sejam remetidas ao juízo da insolvência.

Num primeiro momento, já se verifica uma grande vantagem ao superendividado, de ver todas as suas dívidas (vencidas e a vencer) tratadas num único processo, e as execuções contra ele, para a cobrança de dívidas, tramitando perante um único juízo – o da insolvência. E também há uma estabilidade jurídica atrelada ao evento, não apenas para o devedor, como também para os credores, que terão seus direitos de preferência resguardados e o conhecimento sobre todo o patrimônio disponível.

Importante precedente foi proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, quanto à reunião dos processos de execução perante o juízo da insolvência, em setembro de 2013, no Conflito de Competência Nº 130.471. Foi decidido que o juízo da insolvência deveria reunir não só as ações de cobrança cíveis e bancárias movidas contra o devedor, mas também as ações trabalhistas.

Vale lembrar que o salário da pessoa é impenhorável, podendo viver normalmente até a extinção de suas obrigações decorrentes da insolvência judicial declarada. Caso não seja um assalariado, pode, inclusive, solicitar que se faça uma reserva mensal dos frutos de seus bens, a título de pensão, até que se proceda a liquidação de todos os bens no decorrer do procedimento.

A declaração de insolvência civil acarreta na extinção das obrigações do devedor decorrido o prazo de cinco anos, contados a partir do encerramento do processo de insolvência, ficando este obrigado pelo saldo em aberto, após liquidada a massa, somente até a concretização de tal prazo de cinco anos.

Veja-se que não se trata de uma forma de burlar o pagamento aos credores, tanto que a Lei expressamente prevê o procedimento, o qual acarreta inclusive na arrecadação de todos os bens do devedor presentes e futuros, respeitado o prazo mencionado. Mas sim uma forma de estancar a eternização das dívidas e o consequente, por muitas vezes, fim da vida da pessoa como cidadão.

Desta forma, até que os incessantes debates sobre o superendividamento se convertam em medidas efetivas, a insolvência se apresenta como uma alternativa, de acordo com os mecanismos legais atuais, cujo escopo é evitar, com um prazo bem delineado, a eternização do superendividamento, favorecendo tanto credores como os próprios devedores.

. Por: Gustavo César Terra Teixeira, formado em Direito pela Universidade São Judas Tadeu, especializado em Processo Civil pela Escola Superior de Advocacia da OAB, em Administração de Contencioso de Massa pela GVe e Diretor Técnico de Direito Bancário, Cível e do Consumidor da Dantas, Lee, Brock & Camargo Advogados.

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