Página Inicial
PORTAL MÍDIA KIT BOLETIM TV FATOR BRASIL PageRank
Busca: OK
CANAIS

05/02/2014 - 08:25

Contracultura e o jeito “beat” de ser

Um som envolvente na vitrola, com ritmos sensuais do jazz bop de Charlie Parker e Thelonious Monk davam a tônica do frenetismo dos pensamentos de um seleto grupo de pessoas que, mais do que contrários à guerra do Vietnã e o conservadorismo sufocante de uma sociedade americana capitalista, preocupada com a corrida armamentista, paranoica com a Guerra Fria e a sensação de insegurança do pós-guerra e preconceituosa, vivenciaram um marcante episódio para os Estados Unidos, a grande depressão de 1929. Os anos que se seguiram foram difíceis e na década de 50 o momento era de caos porque os direitos civis eram as principais revindicações dos negros, liderados por Martin Luther King, principal nome da luta contra o racismo nos Estados Unidos e que proferiu., talvez, uma das mais famosas frases da história americana ao iniciar seu famoso discurso “I´m have a dream”. Estes embates estouraram nos anos 60 e foram o estopim de movimentos de liberdade sexual e emancipação, como no caso dos homossexuais e das mulheres. É neste contexto que jovens vão contra o conformismo social, questionam os conceitos de seus pais, as desigualdades e transformam suas angústias em ações de oposição e contrariam tudo que ali está exposto. A contravenção é a maneira de romper com a hipocrisia e a alienação.

Esta é a geração beat, com uma efervescência peculiar de mentes inquietas que anseiam por descobertas e desejam mudanças. Através de experimentações com o sexo e as drogas, os beatniks se interessavam pelo desregramento dos sentidos e possibilidades ilimitadas de serem eles mesmos, muito embora, para isso, seus comportamentos refletiam os autores que liam.

“Estou fodido” (I´m beat), dizia Herbert Huncke, amigo de Jack Kerouac, jovem marinheiro e ex-jogador de rugby em Columbia e considerado o precursor da geração beat, que adotou a expressão em seus escritos, daí o nome que consagraria o movimento, a“beat generation”. Beat, a expressão para manter os “olhos abertos”, a “percepção”, a transformação do caos, da indignação por algo novo. Uma visão que surge marginalizada aos padrões sociais e que foram no caminho oposto ao sonho americano. Junto com William Burroughs, Allen Ginsberg, Lucien Carr e depois com a chegada do famigerado Neal Cassady, esta geração viria a influenciar diretamente a contracultura.

A contracultura que mais do que rebeldia, possuía propósitos de mudar o mundo, ideias e que originou o movimento hippie e festival de Woodstock, o tropicalismo, os punks e toda cultura underground e por ai vai. A contracultura foi na direção oposta ao que era imposto pela política, aos modelos, a mídia e toda cultura massificante e ditadora, defendendo o anticonsumismo. Tudo passa a ser questionado, principalmente no que se refere às injustiças sociais e tendo o jovem como seu interlocutor.

Foi a geração beat que semeou uma linguagem contraventora e de uma linguagem poética que não tinha pretensões de ser intelectualizada ou de assumir papéis e funções de revolucionários. Os beatniks queriam ser e existir, tão somente. A vasta produção literária era a máxima do grupo. Uma escrita visceral e intensa, os contos são autobiográficos e relatam suas experiências pessoais. Talvez, de todas as obras beatniks, a mais emblemática foi “On the Road” (Pé na estrada), de Jack Kerouac, que foi o criador do estilo “mochileiro”. O livro conta a história de dois amigos, Sal Paradise (Jack Kerouac) e Dean Moriarty (Neal cassady) que cruzam os Estados Unidos na rota 66, com descidas constantes ao México e por fim a cidade de São Francisco, protagonizando verdadeiras aventuras. Histórias regadas de muito álcool, sexo e liberdade. O livro foi escrito em apenas três semanas e uma série de grandes folhas de papel manteiga e depois coladas com fita, tudo isso para não ter de trocar de folha a todo o momento, tamanha era sua inquietude literária. Em 2012, o livro virou filme pelas mãos do diretor brasileiro Walter Salles e conta no elenco participações de Kristen Stewart (Crepúsculo), Alice Braga (Eu sou a lenda), Kirsten Dunst (Homem-Aranha) e Viggo Mortensen (O Senhor dos anéis).

Outras obras e que também foram expoentes do movimento beat são o profético “Howl” (O uivo e outros poemas) e que beatificou Allen Ginsberg como o grande poeta de sua geração. Homossexual, judeu, drogado e acima de tudo, um visionário, Ginsberg uiva e grita contra o preconceito sexual e racial, a barbárie da guerra, a escravidão materialista e à repressão, buscando catalizar toda sua energia na liberdade de expressão. “Kill Your Darlings” é um filme que conta a história de como se aproximaram os poetas beats, entre eles, Ginsberg, interpretada por Daniel Radcliffe. No Brasil, o filme foi apresentado no Festinal do Rio em 2013 com o título “Versos de um Crime”. O livro “Naked Lunch” foi um verdadeiro açoite na sociedade, ressaltando uma atmosfera cruel e agressiva, sem crivos, o leitor é apresentado a uma vida “junkie” na qual entorpece e contamina a leitura. William S. Burroughs que se livrou das drogas aos 45 anos, transita entre sua loucura de delírios e alucinações por conta do uso dos entopercentes, uma violência na descrição das cenas e, principalmente, às severas críticas políticas. Adaptado pelo cineasta David Cronemberg, a obra foi inspiração para o filme “Mistérios e paixões”, em 1991. Não teríamos conhecimentos dos autores beats se não fosse a coragem de enfrentar a censura do editor Lawrence Ferlinghetti, responsável por publicar os livros através da editora City Lights. Ainda vivo, aos 94 anos, Ferlinghetti é o maior expoente vivo desta geração.

A geração beat ficou conhecida em 1952, quando John Clellon Holmes, novelista e amigo de Kerouac, publicou um romance sobre a Geração Beat, intitulado, “Go” e com um manifesto no jornal The New York Times: "This Is the Beat Generation". A turma era grande e não se resumia a estes citados até então. Gary Snyder, Carl Solomon, Barbara Guest, Denise Levertov, Frank O’Hara, John Ashbery e Keneth Patchen, são alguns outros nomes. Gregory Corso, o quarto integrante dos poetas beats e pouco lembrado quando se fala dessa geração, possuía poemas intensos e arrebatadores, tanto quanto os outros mais conhecidos.

Apenas mentes ávidas e idealistas, pessoas que não tinham nenhuma vaidade e que para revolucionar diziam e mostravam realmente suas ideias, sem se esconder, se omitir ou invadir o espaço alheio eram considerado um beat. Os beatniks invadiam as mentes insatisfeitas, que, assim como a deles, adotavam um movimento parecido com uma onda gigante que passava por cima da hipocrisia, do preconceito e das injustiças. Como toda manifestação popular, as intenções, comportamentos transgressores e suas concepções de vida podem até ser questionadas, mas a contracultura e muitas outras manifestações sociais se ergueram diante da coragem, do brilhantismo e a audácia destes jovens que nunca almejaram fama ou seguidores. Não queriam criar seitas, tampouco doutrinar ninguém ou convencer. Deram seu recado e mostraram que manifestações se constroem através de ideologias.

. Por: Breno Rosostolato, psicólogo e professor da Faculdade Santa Marcelina – FASM.

Enviar Imprimir


© Copyright 2006 - 2024 Fator Brasil. Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Tribeira