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07/02/2014 - 08:06

A pendente decisão do E.P.A. e o futuro do etanol nos EUA

No Brasil, a produção e o consumo em larga escala de etanol combustível de biomassa tem sido antes de tudo um programa de desenvolvimento econômico e social. A renda criada com o cultivo e o processamento da cana-de-açúcar e a sua distribuição, através do elevado contingente de emprego formal direto e indireto a ela relacionado, foi a móla propulsora da criação e desenvolvimento de pólos de expansão em todas as regiões em que prosperou nos últimos 38 anos, desde a criação do Programa Nacional do Álcool. A diversificação na direção do etanol absorveu e incorporou à força de trabalho, em condições formais-legais, um expressivo volume de mão-de-obra liberado pela migração dos anos 70s e 80s, e mais recentemente vem requalificando esta mão-de-obra para atividades relacionadas à moto-mecanização.

Não se aplicam ao Brasil as alegações de que o etanol de biomassa não conseguiu atingir escala suficiente para se tornar relevante. Em 1989, o etanol utilizado apenas como combustível já havia substituído 56,9% da gasolina consumida no país, uma marca que colocou o Brasil na vanguarda mundial da substituição em larga escala de combustiveis fósseis convencionais. Por conta da falta de uma política coerente ao longo do tempo para a área de combustíveis líquidos no Brasil, este percentual se retraiu para 34,5% na média parcial de janeiro a setembro de 2013 (percentuais calculados em gasolina equivalente), mas ainda assim representa até hoje o maior programa mundial de substituição de energia fóssil por energia limpa e renovável.

Desde 1975, o volume de gasolina substituída ultrapassou 2,3 bilhões de barris, o que é considerável tendo em conta que as reservas brasileiras provadas de petróleo e condensados somam 15,3 bilhões de barris, incluindo as reservas do Pré-Sal. A gasolina substituída avaliada a preço do mercado internacional, atualizada para dezembro de 2012, representa uma economia de 279,6 bilhões de dólares, ou ¾ das reservas internacionais de divisas, de 375 bilhões de dólares em novembro de 2013.

Não se aplicam ao etanol de cana produzido no Brasil, de primeira ou segunda geração, as alegações de que compete com a produção de alimentos, ou que esteja relacionado ao desmatamento da Amazonia.

O etanol de cana associado à tecnologia automotiva do veículo flex desenvolvida no Brasil é a aplicação mais próxima do conceito de ZEV – Zero Emmission Vehicle (ou veículo de emissão zero), inicialmente formulado por ambientalistas e especialistas em energia da Califórnia. O etanol de cana produzido com tecnologia moderna e eficiente é o que o mundo busca como solução energética para mobilidade. É ambientalmente muito superior ao gás fóssil, seja o gás natural veicular ou o gás de xisto purificado e utilizado como combustível para transporte ou usado na geração elétrica, e a todas as formas de eletricidade que não sejam de fonte renovável.

O etanol de biomassa, e principalmente o de cana, é o complemento-substituto mais indicado para elevar a octanagem da gasolina. O etanol substitui os compostos aromáticos contidos na gasolina. A gasolina típica do mundo contém 25% a 40% de aromáticos em sua composição, com o objetivo de elevar os níveis de octanagem. Os aromáticos são os componentes mais caros, tóxicos e intensivos em carbono dentre os hidrocarbonetos que compõem a gasolina.

Há um século atrás, cientistas da Ford e da GM descobriram que o etanol era superior ao chumbo tetra-etila e aos aromáticos, tanto na sua capacidade de elevar a octanagem quanto em proteção à saúde, mas as refinarias de petróleo preferiram usar o chumbo e os aromáticos.

Com a Lei do Ar Limpo de 1990, o Congresso dos EUA baniu o uso do chumbo tetra-etila e determinou ao EPA reduzir o teor de aromáticos até o “máximo nível possível”. O EPA tem até hoje o dever legal de reduzir a “toxicidade de fontes móveis... ao maior nível possível ... de ser atingido” (Clean Air Act, § 202(l)). A indústria automobilística norte-americana tem solicitado que o EPA oriente a politica norte-americana na direção do uso mais intensivo de combustíveis de baixo carbono e de maior octanagem.

Segundo uma das principais montadoras internacionais operando nos EUA, em depoimento emitido em julho de 2013, “a octanagem é a característica isolada mais importante da gasolina para determinação do desenho dos motores”. Por este motivo, as montadoras norte-americanas apóiam o uso de misturas mais elevadas de etanol na gasolina (MLEBs, mid-level ethanol blends), entre 25% e 30% de etanol na mistura combustível, o que permitiria atingir a meta de 36 bilhões de galões por ano (136,3 bilhões de litros) requerida pelo Energy Independence and Security Act (EISA) de 2007, e que definiu o Padrão de Combustíveis Renováveis (RFS), atualmente em vigor.

A adoção de uma mistura de etanol na gasolina no mesmo nível sendo utilizado no Brasil há décadas -- de 25% em volume -- permitiria reduzir drasticamente a emissão de poluentes, reduziria a emissão de gases do efeito estufa e outros agentes de mudanças climáticas, facilitaria a obtenção de ganhos na performance de motores, aumentaria a eficiencia no uso de combustiveis reduzindo o seu custo para os motoristas, e reduziria a dependencia por petróleo importado, caro e poluente.

Em níveis mais elevados, o etanol substitui compostos aromáticos da gasolina, relacionados a desordens no sangue, imunotoxicidade, e outros efeitos danosos à saúde. Os aromáticos que podem ser substituídos por proporções mais elevadas de etanol produzem a emissão de partículas ultra-finas (UFPs) e de hidrocarbonetos policíclico-aromáticos (PAHs), na forma de aerosóis organicos secundários (SOAs) -- o etanol não produz SOAs.

Estudos médicos indicam que partículas ultra-finas, e em particular o material particulado 2.5 (MP2.5), estão relacionadas a milhares de mortes todos os anos, além de serem responsáveis pelo aumento de hospitalizações, problemas respiratórios, batimentos cardíacos alterados, doenças do coração e do pulmão, e cancer. O etanol, de outro lado, não produz nenhuma emissão de MP2.5 e outros aerosóis organicos secundários.

As partículas ultra-finas (UFPs) são geradas pela queima incompleta dos aromáticos, e aquelas com menos de 100 nanometros tem sido relacionadas a asma e outras complicações respiratórias, doenças cardiovasculares, nascimentos prematuros, cancer, degeneração do DNA, autismo e desordens cerebrais.

Assim como as UFPs, os hidrocarbonetos policíclico-aromáticos (PAHs) são sub-produto da queima dos aromáticos de alta-destilação. Os aromáticos produzem (PAHs) de elevado peso molecular, que são mais tóxicos e persistentes no meio ambiente do que outros PAHs. Estudos indicam que a exposição a PAHs durante a gestação causa baixo peso e altura de recém-nascidos, e comprometimento do desenvolvimento cognitivo até os 3 anos de idade.

Etanol é praticamente isento de enxofre, enquanto a redução dos limites de enxofre na gasolina e no diesel tem sido uma meta permanente, o que aumenta o seu valor para as refinarias de petróleo.

Por suas vantagens ambientais, pelo significativo impacto para o desenvolvimento economico das regiões onde é produzido gerando grande efeito multiplicador na geração de riqueza e prosperidade, e por sua capacidade de gerar energia alternativa em larga escala sem apresentar rupturas em outros sistemas de produção, a produção de etanol deve ser encarada como atividade estratégica a ser preservada, estimulada e valorizada.

A energia de biomassa oferece a solução para as questões mais fundamentais que afligem a humanidade: a geração de emprego e renda, e de energia de forma distribuída e sustentável. É uma estratégia de desenvolvimento relevante não só para o Brasil, mas também para um ról extenso de países em desenvolvimento, com capacidade de replicar o modelo brasileiro.

Com esta visão, desde meados da década passada a industria brasileira investiu vultosos recursos na expansão de sua capacidade de produção e em logística de distribuição. Nos últimos 10 anos, entre 2003 e 2013, a moagem de cana-de-açúcar cresceu mais de 285 milhões de toneladas, em preparação a projeções de aumento de demanda tanto no mercado interno, quanto externo de etanol, principalmente nos EUA. Foi construído e inaugurado o maior sistema integrado dutoviário para o transporte dedicado de etanol do interior do Brasil para o porto (LOGUM), com investimento bilionário, visando a exportação.

Nos EUA, assiste-se neste momento uma consulta pública, iniciada pela Agencia de Proteção ao Meio Ambiente, com o propósito de validar a sua intenção de reduzir as metas definidas para o Padrão de Combustíveis Renováveis (RFS), na lei aprovada no Congresso norte-americano em 2007. A possível revisão das metas contraria toda a ciencia acumulada comprovando os benefícios do uso de misturas mais elevadas de etanol na gasolina. Ao contrário, o EPA tem a oportunidade de adotar medidas que viabilizem o uso de misturas de etanol mais elevadas na gasolina, estendendo a licença para o cumprimento do limite de pressão de vapor para estas misturas mais elevadas, aproveitando a menor pressão de vapor do etanol puro em relação à gasolina.

A possível redução das metas aprovadas em lei tem como origem as enormes pressões da indústria do petróleo dos EUA, incomodada com o avanço no consumo de biocombustíveis no momento em que o consumo de gasolina está em queda devido aos ganhos de eficiência de motores atingidos naquele país e à substituição atingida pelo etanol e o biodiesel. O que deveria ser considerada uma vitória da política energética e ambiental dos EUA, caso o EPA ceda às poderosas pressões políticas que sofre atualmente, corre o risco de se transformar em derrota e retrocesso para o setor que mais contribuiu para a bem-sucedida estratégia implementada até agora. Entre 2000 e 2007, o consumo de anual de gasolina cresceu de 130,23 para 142,35 bilhões de galões, mas desde então esse consumo retrocedeu para 133,78 bilhões de galões, em 2013. No mesmo período de 2000 a 2013, o consumo de etanol nos EUA cresceu 12 bilhões de galões, passando de 1,71 para 13,73 bilhões de galões.

O preço do etanol inferior ao preço de mercado da gasolina, tanto no Brasil como nos EUA, coloca por terra todas as ilações sobre eventuais danos à economia ou ao meio ambiente. Uma reversão da meta original do RFS terá impactos negativos profundos para a produção agrícola dos EUA, e para a produção de etanol e de cana, e o desenvolvimento no interior do Brasil. Afeta não somente a produção de cana, mas também a de milho e soja, já que nos EUA o etanol é produzido a partir do milho.

Por esse motivo devem ser repudiadas quaisquer iniciativas na direção de uma redução das metas originais estabelecidas pelo EISA (Energy Independence and Security Act) de 2007.

O programa de adição de etanol nos níveis utilizados no Brasil é uma referencia a ser considerada pelo EPA para os EUA, por suas vantagens energéticas, ambientais, e de ganhos de eficiencia dos motores veiculares. O EPA precisa cumprir o seu mandato de reduzir a toxicidade de fontes móveis ao maior nível possível de ser atingido, e isso poderá ser logrado facilmente com a adoção de misturas mais elevadas de etanol na gasolina.

Este é um momento histórico em que o EPA precisa ter a coragem de adotar para os aromáticos a mesma enfase que teve com a substituição do chumbo-tetra-etila. É o momento em que a timidez não deve se sobrepor ao interesse maior da população afetada com a poluição causada pela emissão de gases advindos da queima de aromáticos e outros componentes tóxicos contidos nos combustíveis fósseis. Está colocada mais uma vez a oportunidade de se optar pelo desenvolvimento economico descentralizado, sustentável e ambientalmente seguro, com geração de emprego e renda, de elevado efeito multiplicador na economia.

. Por: Plinio Mário Nastari, atual presidente da Datagro, é mestre e doutor em economia agrícola, foi presidente do Conselho da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), e membro de várias comissões técnicas de governo relacionadas a energia, meio ambiente e desregulamentação. Assessorou o governo nas disputas comerciais de etanol, açúcar, bananas e pneus, junto à Corte Internacional do Comércio e à Organização Mundial do Comércio.

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