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28/02/2014 - 08:02

Massa aberta e fechada

Pesquisa recente do Datafolha, aponta que a sociedade brasileira está mais cautelosa em apoiar os protestos de rua que têm ocorrido principalmente em algumas capitais brasileiras. Vários fatores podem ser elencados para explicar este recuo da sociedade brasileira.

Em primeiro lugar, sem sombra de dúvida, aparece a questão da violência. Os embates violentos, transmitidos em tempo real, entre as forças do Estado e os manifestantes, serviram para desmascarar os mitos da cordialidade e do pacifismo, como elementos inerentes à construção identitária dos brasileiros.

A violência só tem o seu glamour quando vista de longe, fruto de certas produções cinematográficas, ou da cobertura midiática de enfrentamentos em países distantes, mas no dia a dia das pessoas, onde o sangue jorra no chão da realidade, ela simplesmente revela nossa face mais monstruosa e animalesca, que comporta atitudes ignóbeis e uma maldade, que geralmente não gostamos de reconhecer. Além disso, o que se tem aprendido com os protestos, é que inevitavelmente, quando ocorrem os enfrentamentos, surgirão as vítimas colaterais, a saber, pessoas inocentes que pagam um alto preço em função do descontrole da violência, como foi o caso do cinegrafista da Band, Santiago Andrade.

Um segundo fator, é que as pessoas envolvidas direta ou indiretamente nos protestos, começaram a perceber que estes não oferecem o resultado esperado na velocidade desejada. O governo, por exemplo, percebeu que pode dar sua interpretação particular aos protestos e transformou uma agenda enorme e lícita de reclamações, em alguns poucos pontos que viram peças publicitárias, que em alguns casos, mantém certa relação com pontos levantados pela população, mas que estão longe de saciar a sede de justiça e de respeito dessa população sofrida. Esta situação gera uma dupla certeza em todos os atores sociais envolvidos; no governo, fica a sensação de que ele é um atento interlocutor dos movimentos de protesto, o que de fato, não representa a realidade.

A hermenêutica do governo não consegue captar a essência das reivindicações e, portanto, não consegue atendê-las rapidamente. Na outra ponta, estão os manifestantes, que ficam com a sensação de que há uma demora proposital por parte do governo em atender suas reivindicações. Na visão da população, o governo é um procrastinador, que usa o tempo e a burocracia como armas políticas, com a finalidade de não atender às necessidades reais das pessoas. Em outras palavras, protestar é bom e justo, mas não traz os resultados esperados com a velocidade ansiada pela população, e isso vai causando uma certa desmotivação na sociedade, e colocando em dúvida a eficácia dos protestos.

Em último lugar, pode ser apontada como causa para a redução do apoio da sociedade brasileira aos protestos, a constatação de que os movimentos estão sendo conduzidos por grupos políticos e ativistas profissionais. Precisamos lembrar que em junho de 2013, quando começaram os protestos, por mais que eles tenham sido fomentados inicialmente por grupos políticos, logo após, com a adesão de um contingente maior de pessoas, os grupos políticos, de esquerda e de direita, foram gradativamente sendo repelidos. Talvez, o momento mais importante das manifestações no ano passado, foi quando a massa numa atitude anárquica (no melhor sentido da palavra), se autodeclarava enfadada com absolutamente todo o campo político brasileiro.

Vale ressaltar que todo o espectro político da nação, tanto da esquerda como da direita, foram reprovados pela população naquele momento, significando que todos tinham que corrigir suas rotas políticas. Naquele momento, ocorreu o que o Nobel de Literatura, Elias Canetti, classificou como o fenômeno da massa aberta. Numa atitude natural nasce a massa aberta, que ao adquirir existência, tem na ânsia de crescer sua primeira e suprema qualidade, desejando abarcar tudo o que estiver ao seu alcance, mas tão subitamente quanto nasce, a massa também se desintegra, tornando-se massa fechada, que renuncia ao crescimento, visando, sobretudo a durabilidade por ter encontrado uma limitação espacial, uma fronteira real.

No Brasil, a sensação que temos é que já passamos da fase da massa aberta para a massa fechada, e o problema deste tipo de organização é que ele perde o contato com a realidade, tornando-se vítima das suas próprias limitações. Parece que os movimentos de protesto encontraram estas limitações em função da violência, da letargia governamental e do viés ideológico adquirido, e isto explicaria a perda significativa de apoio às manifestações. Contudo, vale salientar que dependendo da qualidade do fermento, a massa poderá voltar a crescer. Fiquemos atentos!

. Por: Gerson Leite de Moraes, Doutor em filosofia pela UNICAMP e Professor de Ética na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campus Campinas.

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