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14/03/2014 - 08:53

Gigante inacabado: estado de polícia e Estado de direito

Não existe Estado de direito sem seu lado obscuro (sem sua sombra), que é o estado de polícia. Formam uma díade (um par) inseparável. O poder de punir, de castigar (potestas puniendi) faz parte do estado de polícia. É um dos seus braços. Outro braço do estado de polícia consiste no poder de decretar guerras ou invadir países (é o que a Rússia fez em março de 2014: invadiu a Ucrânia e a Crimeia, sem nenhuma autorização internacional). Tanto o poder de punir como o de declarar guerras constitui um ato político (veja Zaffaroni: 2001, p. 49). O poder de punir é um fenômeno antes de tudo político, ou seja, extrajurídico (ele existe fora do mundo jurídico, que o delimita ou o controla, mas não o fundamenta). O conceito de pena (de castigo) não é um conceito jurídico, sim, político. Tobias Barreto dizia: "Quem busca o fundamento jurídico da pena deve buscar, também, se é que já não o achou, o fundamento jurídico da guerra".

Com isso se concebe que o conjunto normativo que forma o Estado de direito não foi criado para fundamentar o castigo (que não depende de fundamento jurídico, por se tratar de um fato da realidade), sim, para delimitá-lo, regrá-lo, contê-lo, segurá-lo. Com Estado de direito ou sem ele, é indiscutível a existência do estado de polícia (que gera o poder de punir, de controlar, de vigiar, de conformar a realidade etc.). O Brasil foi descoberto em 1500. Aqui não vigorava nenhum Estado de direito, como o concebemos hoje. Mas já havia penas e castigos impostos pelos índios (sobre eles mesmos) ou pelos primeiros habitantes portugueses do Novo Mundo. O castigo (que é um mal, uma distribuição de dor e sofrimento) existe por si só (porque decorrente do estado de polícia). Mesmo antes da construção dos Estados de direito modernos (Inglaterra no século XVII, por exemplo; Constituição da Virgínia - 1776 -, Revolução Francesa e sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão - 1779), já existia castigo (pena). É um fato histórico ou pré-histórico, derivado do estado de polícia.

Sempre que o estado de polícia atua sem seguir os padrões e os limites fixados pelo Estado de direito (nacional e internacional), ele se revela monstruoso. Esse monstro (do estado de polícia violador das regras do Estado de direito) é uma hidra de 50 cabeças, com cem mãos (hecatônquiro ou centimano) e cem pés (centopéico). Em síntese: é uma hidra hecatônquira e centopeica. Cuja existência é incontestável. Uma realidade insuperável. Todo Estado de direito traz dentro de si (em seu ventre) algo estranho a ele mesmo, ou seja, ao direito (é o estado de polícia quando em posição de antagonismo com o ordenamento jurídico válido).

Nos países de capitalismo evoluído, distributivo e civilizado (Noruega, Dinamarca, Coreia do Sul, Holanda, Bélgica, Áustria, Finlândia, Islândia etc.) o monstro hectônquito e centopeico já foi razoavelmente domesticado (o que não significa que ele não possa mostrar suas garras em qualquer momento). Nos países mais atrasados ou mais desiguais (comunistas, como a Coreia do Norte e Cuba; de capitalismo selvagem, como o Brasil, ou de capitalismo exageradamente desigual, como os EUA) o monstro do poder punitivo atua com controles frouxos (veja a situação deplorável dos nossos presídios descontrolados), tendo pouca ou nenhuma aderência ao Estado de direito.

. Por: Luiz Flávio Gomes, 56, jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Estou no professorLFG.com.br

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