Página Inicial
PORTAL MÍDIA KIT BOLETIM TV FATOR BRASIL PageRank
Busca: OK
CANAIS

15/04/2014 - 13:21

Delimitação da (I)Legitimidade da cláusula res sperata

Atraídos pelo bom momento econômico, os empresários têm cada vez mais voltado os olhos à construção de centros de compra. Se, antes, vivíamos em um cenário maniqueísta em que coabitavam ou grandes e raros shoppings centers ou lojas individualizadas, atualmente é comum nos depararmos com pequenos e médios centros de compra, principalmente em regiões de alta exploração econômica.

Pequenos e médios centros de compra que sentem-se shoppings center e formalizam seus negócios como tal, muito embora, não raro, travestem-se indevidamente.

É o caso da inserção de cláusula res sperata nos contratos de locação de salas comerciais de centros de compra que não promovem o tenant mix ou investimentos “âncoras”.

O presente artigo, assim, colima por delinear, sucintamente, a legitimidade da instituição dessa cláusula, de modo a evitar confusões conceituais, deixando claro que shoppings center não é mero aglomerado de salas comerciais em um único imóvel.

Para que um centro de compra seja considerado um shopping center faz-se necessário que o empresário planeje e organize a distribuição do espaço, locando-os “para pessoas interessadas em explorar determinadas atividades econômicas predefinidas”[1], atentando-se ao oferecimento ao consumidor de uma variada gama de produtos e organizando a própria competição interna.

Esse planejamento é chamado pela doutrina e jurisprudência de tenant mix e sem ele não há que se falar em shopping center.

O tenant mix aufere aos lojistas, invariavelmente, um considerável benefício, pois os consumidores são atraídos pela organização do shopping center que, pela distribuição planejada, atenderá às suas múltiplas necessidades. Os lojistas, dessarte, beneficiam-se com a clientela definido do shopping center.

Acresça-se a esse trabalho, desenvolvido pelo empresário em prol dessa atratividade, os investimentos feitos por ele em publicidade, estruturação, segurança, enfim, gastos com a implantação do negócio.

O empresário, pois, teve custos consideráveis para tornar atrativo o espaço comercial, de modo que a mera receita do aluguel ou da venda da loja comercial não é suficiente para adequadamente remunerá-lo.

Surge, então, a cláusula res sperata.

A cláusula res sperata é peculiar a esse tipo de contrato de lojas em centros de compra e equivale a um pagamento feito pelo lojista ao empreendedor, que remunera esse último pelos investimentos feitos na montagem do empreendimento, cujas facilidades e tenant mix de lojas atrai, como visto, grande quantidade de propensos consumidores, beneficiando cada lojista que é parte integrante do centro de vendas.

A res sperata é, de fato, um pagamento que o lojista faz ao empreendedor, para ter o direito de ingressar no centro de vendas e beneficiar-se de sua estrutura, facilidades, organização, etc.

Com efeito.

Não há, a princípio, qualquer ilegalidade em sua cobrança. Pelo contrário, ela remunera um esforço legítimo e relevante do empresário em prol de todos os envolvidos no estabelecimento.

Entrementes, na prática, os pequenos e médios centros de compra, como mencionado no início deste estudo, sentem-se shoppings center pelo simples acúmulo de lojas comerciais e, assim, inserem em seus contratos de locação empresarial a cláusula res sperata.

Não raro, vendem as salas comerciais para quem quer que seja e, em muitos casos, tais salas são adquiridas por especuladores, comprometendo a própria inauguração do centro e inviabilizando a exploração de qualquer atividade econômica, dando ao centro não um aspecto de shopping center, mas sim de cemitério.

Em casos tais, a inserção é ilegítima e merecerá consequências drásticas, como se verá no tópico seguinte.

Que fique claro: a simples aglomeração de lojas comerciais não configura um shopping center. Pode se tratar de galeria ou de imóvel comercial simples, mas shopping center não será. Para ser shopping se faz necessário a presença de uma série de fatores, entre os quais, e talvez o principal deles, o tenant mix.

Só se pode, assim, inserir no contrato de locação empresarial a cláusula res sperata quando, no caso concreto, existir planejamento e organização espacial, de marketing e estrutural. Em outras palavras, só é legítima a inserção da cláusula quando existir alguma ação do empreendedor que agregue atratividade ao centro de compra, de modo a tornar possível a sua remuneração pelo ganho que o lojista tem de se instalar no respectivo estabelecimento.

Se não há esse planejamento, essa organização, a inserção dessa cláusula importa enriquecimento sem causa, pois que se está cobrando por um serviço não desempenhado.

A título de reforço argumentativo, do que aqui se afirma, colacionemos alguns julgados[2] do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás que abordaram a questão:

Apelação Cível. Ação de Rescisão de Contrato de Locação c/c Restituição de Importâncias Pagas. (...) IV- Devolução das importâncias pagas a título de res sperata. Possibilidade. Evidenciando-se que o empreendimento denominado “XXX” em nada se assemelha a um shopping center sendo, na verdade, um espaço destinado a feiras e eventos, mostra-se abusiva a cobrança da res sperata, exigível nos contratos de locação firmados com os shopping centers e que tem por finalidade remunerar os empreendedores destes centros comerciais em relação à estrutura disponibilizada, bem como quanto aos gastos para a implantação do negócio, além de pressupor a facilitação na captação de clientes, oportunizada pelas comodidades oferecidas aos consumidores por estes locais. Desta feita, embora o apelante tenha dado causa à rescisão da avença, os valores por ele desembolsados a título de res sperata devem lhe ser restituídos, com o acréscimo dos consectários legais. V- Honorários advocatícios. Corolário da procedência do pedido inicial é a condenação da requerida/apelada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação. Apelação Cível conhecida e provida. Sentença cassada. Aplicação do §3º do art. 515, do CPC. Agravo retido conhecido, mas desprovido. (TJGO, 2ª Câmara Cível, Apelação nº 200892108100, Rel. Des. Carlos Alberto Franca, Julgado em 24/04/2012)

Apelação Cível. Ação de Res­tituição de Importâncias Pagas C/C Indenização por Danos Morais. Ino­corrência de Julgamento Extra Pe­tita. Locação de Espaço Comercial Em Estabelecimento que, À Época Da Entabulação, Não Poderia Ser Con­ceituado Como Shopping Center. Res sperata: Ilicitude Da Contratação. Possibilidade de Restituição. (...) 2. Em se tratado de contrato de locação de espaço co­mercial firmado entre empreendedora de sho­pping center e lojista, lícita é a cobrança do pa­gamento de valor a título de res sperata. Toda­via, a mera concentração de lojas em um mes­mo local não é suficiente para a caracterização de um shopping center, compreendido como empreendimento peculiar, em que espaços co­merciais são alugados para empresários com determinados perfis, de modo que o complexo possa atender, de maneira organizada, às mais variadas necessidades dos consumidores que para ali se dirigem. 3. Assim, como o empreen­dimento da apelada, denominado “XXXX”, à época da entabulação dos contratos de locação, não poderia ser considerado um shopping center, indevida a cobrança, ao loca­tário, de valores a título de res sperata, uma vez que tal pactuação só é permitida quando o contrato versar sobre locação de espaço co­mercial em estabelecimentos daquela natureza. (...). Apelo parcialmente provido.

Note-se, pois, que a inserção ilegítima da cláusula res sperata importa na restituição do valor indevidamente pago, preservando-se o equilíbrio contratual e a justa contraprestação.

Faculta-se ao lojista, outrossim, pedir a resolução desse contrato, bem como a reparação pelas perdas e danos suportados.

Neste breve artigo, cuidou-se de, sucintamente, tratar a ilegitimidade da inserção da cláusula res sperata em contratos de centros de compra em que não tenha havido qualquer tipo de planejamento e organização do espaço.

A essência dessa cláusula é justamente remunerar o empresário pelo custo de seu trabalho em prol do estabelecimento, de modo a compartilhar os ganhos com a atratividade do shopping center organizado.

A presença de tais cláusulas em situações que não a autorizam importa na possibilidade da resolução do contrato, restituição dos valores pagos e reparação por danos eventualmente suportados.

Referências bibliográficas: Coelho, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. volume I. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

. Artigo escrito por Leonardo Honorato Costa, sócio e advogado do escritório GMPR – Gonçalves, Macedo, Paiva & Rassi Advogados.

Enviar Imprimir


© Copyright 2006 - 2024 Fator Brasil. Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Tribeira