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13/05/2014 - 11:39

Barbárie e vingança: causas e soluções

Não faz muito tempo, a sociedade brasileira se espantou com a crueldade de um bando de presos que, vivendo amontoados e sob condições medievais no Presídio de Pedrinhas (MA), jogava futebol com as cabeças de outros detentos que tinham sido decapitados durante uma rebelião.

Muito se debateu, muito se discutiu e, ao final, a “culpa” por tamanho ato de barbárie foi atribuída às péssimas condições do nosso sistema carcerário e ao descaso com o que o governo lida com essa questão. Entretanto, ao menos com relação à implementação de melhorias sensíveis no sistema prisional, pouco ou nada de concreto foi feito desde então.

Porém, se é certo que aqueles presos tiveram as péssimas condições carcerárias como “desculpa” para justificar tamanha barbárie, fato é que, de uns tempos para cá, a prática de atos igualmente bárbaros e cruéis contra seres humanos deixou de ser exclusividade de presos e bandidos.

De fato, para espanto e perplexidade de boa parte da sociedade, a prática de linchamentos, espancamentos, humilhações e desrespeito à dignidade humana por pessoas absolutamente comuns tem proliferado país afora.

Hoje, já não é mais preciso aguardar rebeliões em presídios para se presenciar atos de barbárie praticados por seres humanos contra seus semelhantes. Lamentavelmente, a ideia primitiva de que a “justiça é feita pelas próprias mãos” está ressurgindo com uma força incrível.

Recentemente, já presenciamos desde adolescentes infratores presos a um poste com um cadeado de bicicleta até a morte, por espancamento, de uma dona de casa que foi confundida com suposta aliciadora de menores. E, ao que parece, o fenômeno é endêmico. Infelizmente, a cada dia que passa, fica mais difícil recolocar o “inconsciente coletivo” nos eixos.

Sem tentar esgotar as causas do problema, mas, buscando auxiliar o seu entendimento, acredito que há três fatores básicos para explicar tamanho retrocesso no comportamento da nossa sociedade: . Perda dos freios morais;

. O descrédito da população nas Instituições (Poder Judiciário, polícias em geral);

. A ideia de que vivemos no “país da impunidade”.

Pois bem, a nossa Constituição Federal estabelece, logo no seu artigo 1º, que a “República Federativa do Brasil, (...), constitui-se em Estado Democrático de Direito”, ou seja, o sistema político brasileiro “rege-se por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais”.

Dentro dessas premissas, era de se esperar que nossos representantes políticos exercessem o poder que lhes é conferido por meio do voto popular para e pelo povo. No entanto, a partir do instante em que o cidadão percebe que o representante que escolheu exerce o poder apenas para si mesmo, é evidente que surgem o descrédito, a desconfiança e a revolta.

Ao ver que seus representantes não respeitam as leis como deveriam, o conceito de “moralidade pública” sucumbe, desaparece. Os freios morais simplesmente deixam de existir, afinal, sem aqui pretender generalizar (afinal, ainda existem bons políticos), se aquele que está lá para representar o povo não atua com honestidade, por que a população permanecerá honesta?

Soma-se a isso a morosidade dos processos, as dificuldades que a polícia judiciária encontra para resolver e apurar os crimes, a própria burocracia do nosso sistema jurídico e, pronto, temos uma situação absurda que chega a estimular o cidadão a praticar crimes. O brasileiro não acredita mais no Poder Judiciário e nem nas forças policiais. As Instituições de controle da ordem estão, para muitos, falidas, desacreditadas.

Prova disso é que, não raro, temos a notícia de que numa determinada comunidade, as pessoas acabam sentindo-se mais seguras ao lado dos traficantes que lá habitam do que com a presença ostensiva da polícia.

Nesse ponto, chega-se a terceira causa do ressurgimento da “justiça pelas próprias mãos”. É evidente que, caso as penas aplicadas fossem integralmente cumpridas, caso o criminoso sempre respondesse pelo crime que praticou, certamente que não teríamos a ideia de que vivemos no país da impunidade.

Ainda que essa ideia não seja, de fato, totalmente verdadeira (afinal, temos uma população carcerária de quase 500 mil presos), fato é que, enquanto a grande massa social continuar acreditando que o crime compensa e que ninguém é punido neste país, o controle da criminalidade e, infelizmente, a recuperação do respeito à ordem pública, serão cada vez mais difíceis.

Assim, o cidadão de bem eventualmente atingido pela prática de um crime não pensará duas vezes em responder, na mesma intensidade e sem nenhum pudor, com violência à violência que o vitimou. Afinal, esse cidadão estará apenas aplicando a “pena” que, segundo a sua íntima e torta convicção, o Estado será incapaz de aplicar.

O revide e a vingança – nem sempre proporcionais à ofensa sofrida – fazem parte do instinto humano. O Estado, visto como um “terceiro” alheio à discussão, que atua com imparcialidade e que é o único legitimado a exercer o “direito de punir”, surgiu, ao longo da evolução humana, justamente para tentar coibir esse instinto. Porém, a partir do momento em que o Estado e seus representantes perdem a credibilidade, é evidente que o cidadão voltará à fase da “justiça pelas próprias mãos”. Trata-se de um círculo vicioso perigoso, que coloca em risco o próprio Estado Democrático de Direito.

Cabe ao Poder Público recuperar a sua “boa imagem” e impor-se novamente à população. Contudo, não será mediante a invasão de morros, a criação de UPPs ou com violência que o Estado recuperará a sua credibilidade. De fato, o ressurgimento do Poder Público passa, num primeiro momento, pela implementação de políticas públicas eficientes para melhorar o sistema educacional do país, e, num segundo momento, pelo efetivo combate à corrupção e, principalmente, pela diminuição radical dos gastos públicos.

Em suma, se o Estado realmente pretende recuperar a sua credibilidade, é preciso, primeiro, reorganizar-se internamente e, mais do que isso, cortar na própria carne, doa a quem doer.

. Por: Euro Bento Maciel Filho, advogado criminalista, mestre em Direto Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e sócio do Escritório Euro Filho Advogados Associados – [email protected].

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