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17/05/2014 - 10:47

O excesso de otimismo nos projetos de infraestrutura no Brasil

Hélio Schwartsman publicou, no último domingo, um interessante artigo destacando o efeito denominado "falácia do planejamento", resultado de uma análise empírica de economia comportamental promovida por Daniel Kahneman e Amos Tversky desde a década de 1970. Em síntese, a falácia do planejamento é decorrente de um excesso de otimismo inerente ao ser humano: embora se tenha ciência de que, baseada na própria experiência, uma determinada atividade tomará mais tempo do que o previsto para ser concluída, há sempre um viés otimista no planejamento no sentido de que, dessa vez, a coisa será diferente - e melhor - do que antes. É aquela velha história: sei que para chegar da minha casa ao trabalho levo em média uma hora, mas vai que hoje o trânsito esteja bom e eu consiga levar apenas quarenta e cinco minutos?

Pois bem, ocorre que, no Brasil, esse excesso de otimismo é elevado ao quadrado - não sabemos se ingênua ou propositadamente. Em geral, sempre que são estabelecidos prazos para a conclusão de um projeto, plano ou programa, mas que sabidamente nunca são (e serão) cumpridos - isso sem falar dos orçamentos dos projetos, que soem ser subestimados no custo e superestimados na demanda. No nosso recém-publicado "Direito da Infraestrutura: perspectiva pública", há um capítulo ilustrativo no sentido de que a questão do sobrecusto e sobredimensionamento das infraestruturas é uma constante na história da humanidade, o que mostra que a falácia do planejamento é, na verdade, estrutural (e não conjuntural).

E se o problema é crônico nas obras de infraestrutura e serviços públicos, nos programas governamentais afetos ao setor não poderia ser diferente. A título de ilustração, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída em 2012, previa que os Municípios acabassem com os seus lixões até agosto de 2014 e os substituíssem por disposições ambientalmente adequadas. Em recente evento promovido pelo Instituto Lixo Zero Brasil e a VIEX Américas, percebe-se que pouco foi feito nesse sentido, tendo a esmagadora maioria dos Municípios não logrado cumprir o referido prazo.

Outro caso é o da iluminação pública: a Resolução nº 414 da ANEEL, de 2010, previa que os ativos relativos ao serviço seriam transferidos para gestão municipal até 31 de janeiro de 2014. Não tendo cumprido o referido prazo no último ano, os Municípios receberam uma extensão para até 31 de dezembro de 2014. Quem não duvida que, chegando o prazo fato, teremos uma nova extensão até 2015?

A expectativa agora é com a Política Nacional de Mobilidade Urbana: os Planos de Mobilidade Urbana deverão ser integrados aos planos diretores municipais até janeiro de 2015, sob pena de os Municípios ficarem impedidos de receberem recursos orçamentários federais destinados à mobilidade urbana. Estamos muito otimistas?

À primeira vista, pode parecer que a questão do excesso de otimismo é um problema de gestão municipal ineficiente. Porém, ao analisarmos o balanço realizado pela Deutsche Welle das obras de infraestrutura destinadas à Copa do Mundo de 2014, o excesso de otimismo ocorre em todas as esferas federativas: quem não se lembra do lendário Trem de Alta Velocidade (TAV) que estaria pronto para fluminenses conseguirem assistir à abertura da Copa em São Paulo, e paulistas assistirem à final do Mundial no Rio de Janeiro? Atento a isso, alguns internautas já organizaram via facebook um evento comemorativo de sua fictícia inauguração para o próximo1º de junho de 2014.

O excesso de otimismo, no Brasil, não conduz a uma falácia do planejamento, mas sim a uma total ausência de planejamento: nesse ambiente de caos das políticas públicas, qualquer pequena realização concluída acaba sendo bem-vinda (e amplamente explorada na publicidade governamental). O exemplo dos estádios de futebol está aí para comprovar que, por detrás de um pretenso atendimento (com atrasos) ao calendário, o custo acabou sendo totalmente negligenciado, transformando as principais capitais do País em um verdadeiro Safári de elefantes brancos.

Da mesma forma que o subutilizado Ninho de Pássaros virou um monumento para atração turística no final dos tours para a Grande Muralha da China (muito embora para eventos esportivos deixe a desejar), talvez a Arena da Amazônia siga essa ideia e seja o último ponto de parada turística depois do famoso tour do Encontro das Águas. Para tentarmos contornar a sina do paquiderme albino no palco amazônico, vamos torcer para que o São Raimundo e o Nacional cheguem, em breve, à Série A do Campeonato Brasileiro - ou isso também seria um excesso de otimismo?

.Por: André Castro Carvalho, Mestre e doutor em Direito pela USP. Professor do curso de pós-graduação "lato sensu" da Direito GV.

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