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20/12/2007 - 08:05

Inflação chinesa (II): os fatos, ou o mais próximo que conseguimos chegar deles

Nosso texto anterior introduziu nossas principais idéias sobre a inflação chinesa. Hoje faremos o máximo para justificar com dados nossas visões sobre ciclos inflacionários. [...] Problemas com dados deixados de lado, os principais pontos são: • A atual alta cíclica da inflação pode ser claramente associada ao preço dos alimentos e não há evidência de contágio sobre outros bens.

• Há uma tendência estrutural de longo prazo de inflação gradualmente mais forte na maioria das categorias de bens. Mas não há razão para alarde. A “inflação base” (underlying inflation) entre 1999 e 2006 estava na faixa de 0 a 2%, nos próximos cinco anos deverá estar em torno de 3 a 5%.

• A inflação é mais baixa nas províncias mais ricas: isto é, as províncias com mais dinheiro observam menor pressão nos preços. Novamente, isso suporta a tese de que as variáveis do lado da oferta, e não uma demanda movida pela oferta de moeda, são os fatores determinantes da inflação na China.

• Os fatores que contribuem para a elevação dos preços dos alimentos (especialmente carne de porco) também contribuem para a realocação de pequenos agricultores, do campo para fábricas. Isso significa que mesmo que os preços na agricultura aumentem, os manufatores podem manter a demanda por salários – e então preços finais de bens – sob controle.

Crescimento lento - Agora à carne. Primeira pergunta: o governo está certo em dizer que o maior contribuidor para a inflação é o preço dos alimentos? Resposta: “Sim, mas...”Primeiro, o atual pico na inflação, como em 2004, é claramente associado a um pico nos preços dos alimentos e nada mais. Não há evidência de contágio para nenhum outro setor de bens comerciáveis.

Segundo, contudo, há uma clara tendência a longo prazo de uma modesta aceleração nesses preços. No início de 2003, o IPC para todas as categorias comerciáveis era negativo, assim como tem sido continuamente desde o final de 1998. Hoje, todas as categorias estão confortáveis no lado positivo, com exceção dos itens de vestuário que recentemente mergulharam de volta à deflação. A tendência geral é clara. As pressões sobre preços ainda não são severas, mas estão firmemente aumentando sobre amplo grupo de bens.

Essa tese mostra tendências em dois índices de preços de bens de investimentos: o índice de preços dos bens corporativos compilados pelo Banco Popular da China (PBoC na sigla em inglês) e o índice de preços em investimentos em ativos fixos (fixed-asset investment goods price index - FAI), do Escritório Nacional de Estatísticas (NBS na sigla em inglês). Esses (particularmente a série de bens corporativos, mais robusta) mostram tendência secular de aumento desde 2000 e crescimento cíclico durante os últimos 18 meses. A tendência secular encaixa-se na nossa tese de crescimento gradual das pressões sobre os preços.

Alguns leitores podem interpretar a recente alta como evidência de aceleração do aumento da inflação do IPC, mas nós não. Esses índices refletem preços de bens de investimento intermediários e há evidências abundantes de que o alto crescimento da produtividade permitiu que os produtores chineses absorvessem aumento de preços na produção, sem repassá-los aos consumidores. Nós acreditamos que essa habilidade está se erodindo vagarosamente, mas isso é uma tendência estrutural de longo-prazo, não cíclica.

Carne de porco e ovos - Agora observaremos as fontes da inflação no preço dos alimentos em mais detalhes. Estas demonstram claramente que a recente alta nos preços dos alimentos é quase totalmente atribuída a carne e ovos. Significativamente, os preços de grãos no varejo não têm sofrido muita pressão. No episódio inflacionário de 2004, grãos eram os principais líderes, mas os preços de carne, ovos e peixes também contribuíram substancialmente. Então, pelo que vemos, esse episódio inflacionário é mais limitado do que o surto de 2004. Essa evidência é difícil de ser enquadrada com a hipótese de uma dramática elevação na demanda agregada, que deveria se refletir numa pressão inflacionária mais ampla. Algo a ser ressaltado é que os preços de frutas e vegetais parecem altamente voláteis, extremamente sazonais (no caso dos vegetais) e não-correlatos com a inflação geral dos alimentos. Os preços dos vegetais tiveram aumento recentemente, mas evidências passadas sugerem que esse aumento terá pouca duração.

O rico fica mais rico...Outras evidências vêm dos dados provinciais de IPC. Começamos olhando para esses dados supondo que poderia haver grandes discrepâncias na inflação entre diferentes regiões. Isso provou não ser o caso: as cinco maiores regiões do país mostraram pouco desvio da média nacional. O que descobrimos, contudo, foi que a inflação possuía tendência de ser menor nas províncias mais ricas e maior nas províncias mais pobres. Esse padrão não é universal, mas é bastante consistente. O PIB médio per capita de províncias com inflação acima da média nacional no período de janeiro a julho de 2007 foi RMB 11.800; para províncias com inflação abaixo da média foi RMB 18.500. Províncias com IPC abaixo da média incluem Pequim, Xangai, Guangdong, Jiangsu, Fujian e Shandong. As províncias com as taxas inflacionárias mais altas foram Hunan, Qinghai, Guangxi e Sichuan, todas com PIB per capita de um quarto a um terço menor que a média nacional.

Essa descoberta não é consistente com a idéia de que a oferta crescente de dinheiro está gerando aceleração ampla na demanda agregada e, assim, na inflação. Se fosse assim, esperaríamos ver a inflação mais forte em áreas com maior entrada de dinheiro e mais fraca em áreas onde o dinheiro é mais escasso. Na verdade, vemos o oposto. Isso faz sentido se aceitarmos que restrições no lado da oferta de bens determinam o rumo atual da inflação. Em mercados costeiros bem-desenvolvidos, onde a produção está concentrada, as redes de fornecimento são robustas e os canais de distribuição são bem desenvolvidos, o comércio é relativamente livre de pressões e o fornecimento aumenta para cobrir a demanda. Nas províncias mais pobres do interior, onde o caso é o contrário, qualquer aumento na renda disponível – seja devido ao aumento dos preços agrícolas, subsídios do governo ou remessas de emigrantes (que pesquisas mostram que consistem em cerca de 60% do aumento nos rendimentos nas áreas rurais nos últimos dois anos) – gera demanda que não pode ser atendida facilmente graças à debilidade da estrutura de fornecimento local.

Outro fator é que cada província impõe sua própria cesta de IPC baseada nos padrões de consumo locais. Nas províncias mais pobres, o componente alimentar será maior e, portanto, torna o impacto do alto preço dos alimentos maior.

Algumas palavras sobre o preço do porco - Aceitando, como normalmente fazemos, a idéia de que a presente inflação é principalmente alimentícia, qual é a corrente causal? Existem dois fatores do lado da oferta. Um é a misteriosa doença da orelha-azul dos porcos, que dizimou rebanhos de suínos por todo o país e levou à duplicação do preço do porco no último ano. Exacerbando esse problema, houve grande aumento no preço de alimentos derivados do milho, levado pelo preço deste que aumentou 9% ano-a-ano no segundo semestre de 2006 e 15% ano-a-ano no primeiro semestre de 2007. Um grande culpado pelo preço do milho foi a demanda das usinas que produzem etanol a partir deste, as quais o governo agora ordenou que suspendessem a produção. Alta no preço de carne de porco rapidamente repercutiu em outros itens de carne e aves (particularmente no frango), uma vez que os consumidores passaram a substituir. A inflação do preço do ovo (que atingiu 35% em junho, mas aparenta ter chegado agora ao seu máximo) pode ter sido causada pelo aumento do abatimento de frango para venda da carne, mas é mais provável ser resultado de preços de ração mais altos.

Há, contudo, mais um elemento na história que não tem recebido muita atenção, mas é crucial para o entendimento da dinâmica inflacionária chinesa em geral. A criação de porcos, como muitas outras coisas na China, é altamente fragmentada, com milhares de pequenos produtores operando em baixos padrões de eficiência e higiene. Nessa década, os ciclos do preço do porco se tornaram mais curtos e bem definidos. No verão de 2004, o preço de mercado rural para carne de porco estava 40% acima anoa- ano; no verão seguinte, estava levemente mais baixo e no verão de 2006 estava mais de 30% inferior ao seu pico em 2004. Nessa época, o preço da ração de milho já começava a subir.

Isso colocou pequenos fazendeiros de porcos numa situação ruim. Enquanto isso, salários para trabalhadores migrantes nas fábricas – não somente nas áreas costeiras, mas cada vez mais nas províncias interioranas, como Jiangxi e Anhui – estavam crescendo. Uma pesquisa anual mostra que os salários dos trabalhadores rurais migrantes cresceram 11,5% em 2006, contra 6,5% e 2,8% nos dois anos anteriores. Em um bom ano, um fazendeiro que cria 200 porcos consegue render RMB 12.000 – cerca de RMB 1.000 por mês. (Em um ano ruim, rendimentos podem ser bem menores). Muitos fazendeiros possuem rebanhos muito menores que isso, e, consequentemente, menores rendimentos. Com a maioria das fábricas costeiras pagando no mínimo RMB 1.000 mensais, é racional para criadores de porcos de baixa escala que abandonem seus rebanhos e sigam para as fábricas, de forma a obter uma renda mais estável.

Ruim para as fazendas, bom para as fábricas - Acreditamos que o resultado é que, o alto preço da ração, a doença do porco e o crescimento dos salários aos trabalhadores migrantes contribuíram para redução do número de pequenos criadores de porcos. Isso provavelmente extenuará a pressão do lado da oferta no preço da carne de porco, dado que demorará um tempo para que produtores eficientes de grande escala ocupem o vácuo deixado por aqueles que estão saindo do mercado. Então, a alta excessiva dos preços da carne de porco pode continuar presente conosco por ainda mais um tempo.

O outro lado da moeda é que esses antigos fazendeiros somam-se à mão-de-obra manufatureira. Isso significa que o poder de barganha salarial ainda recai principalmente no lado dos empregadores, não dos trabalhadores, e que as indústrias não irão encarar falta de mão-de-obra enquanto continuarem a oferecer um salário nominal que esteja acima da renda rural. Mas eles podem manter o crescimento salarial no nível de crescimento da produtividade ou abaixo dele, o que significa que seus custos unitários com mão-de-obra ficarão estáveis ou cairão e eles, portanto, sofrerão pouca pressão para aumentar os preços aos consumidores.

Em outras palavras, os fatores que conspiram para o aumento dos preços da carne de porco também conspiram para manter os custos de mão-de-obra baixos. Isso significa que não há conexão entre altos preços de alimentos e altos preços para bens de consumo manufaturados. | Por: www.cebc.org.br | www.dragonomics.net || Por: Arthur Kroeber é editor-chefe da China Economic Quarterly e diretor da Dragonomics Research/CEBC

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