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China se abre para os bancos internacionais! Será mesmo?

A partir de 11 de dezembro de 2006 qualquer cidadão chinês, seja em Xangai, seja no Tibet, terá o direito de abrir uma conta corrente em moeda local, Renminbi (CNY), em uma agência de um banco estrangeiro na China. Esta data marca a conclusão, ao menos formalmente, do processo de abertura do mercado bancário chinês para os bancos internacionais. Com base no protocolo de entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), assinado em 2001, foi estabelecido um cronograma de abertura gradual do setor para os cinco anos seguintes, visando o acesso dos bancos internacionais ao mercado chinês, tanto em termos geográficos, quanto em termos de escopo operacional.

Dentro deste cronograma, em dezembro de 2001 foi permitido aos bancos estrangeiros atuar nas primeiras cidades chinesas – Xangai, Dalian, Tianjin e Shenzhen. Ao final de 2002, juntaram-se a estas outras quatro municipalidades.

Nos anos que se seguiram, mais 17 cidades foram incluídas na lista, entre elas Pequim e Xi’an. Da mesma forma, em dezembro de 2001, os bancos estrangeiros receberam autorização para desenvolver negócios em moeda estrangeira e em Renminbi com empresas estrangeiras instaladas na China. Em dezembro de 2003, a Comissão de Regulamentação Bancária Chinesa (CBRC), autoridade máxima responsável pelo controle da indústria bancária no país, autorizou os bancos estrangeiros a realizarem negócios em Renminbi com empresas chinesas. Finalmente, em 11 de dezembro de 2006, as últimas restrições geográficas e operacionais foram abolidas. Os bancos estrangeiros passaram, a partir de então, passaram a ter acesso pleno (ao menos teoricamente) a um mercado de US$ 4.15 trilhões em depósitos, e a poder realizar negócios com empresas e indivíduos chineses ou estrangeiros, em Renminbi ou em moeda estrangeira, e em qualquer parte do território chinês.

É importante analisar neste momento o impacto de todas estas mudanças sobre o cenário competitivo no mercado bancário chinês. Será o mercado bancário chinês dominado pelos bancos globais no médio prazo? Ou continuarão os bancos estrangeiros a encontrar um terreno acidentado para se desenvolver na China, um mercado dominado por bancos estatais gigantes, os quais individualmente chegam a ter mais de 30.000 agências e US$ 750 bilhões em ativos?

Em linhas gerais, o mercado bancário chinês pode ser dividido em quatro grandes grupos de bancos comerciais, além dos bancos de fomento, tais como o China Development Bank – CDB e o ChinaExim. O primeiro destes grupos representa pouco mais de 70% dos ativos bancários na China e inclui o Industrial and Commercial Bank of China – ICBC, o Bank of China – BoC, o China Construction Bank – CCB e o Agricultural Bank of China – ABC. Pelo tamanho e relevância, este grupo de bancos é chamado de quatro grandes. Destaque para o fato de que, individualmente, cada um dos quatro grandes bancos chineses é maior que todo o sistema financeiro brasileiro em praticamente todos os quesitos.

O segundo grupo é formado por 12 bancos de porte um pouco menor (para os padrões chineses), liderados pelo Bank of Communications – BoCom. São os chamados joint stock banks. O terceiro grupo é formado pelos bancos municipais e rurais, aproximadamente 120 instituições locais, tais como o Bank of Shanghai – BoS e o Bank of Beijing – BoB. E, finalmente, o grupo formado por cooperativas financeiras agrícolas, composto por mais de 25 mil instituições de pequeno porte, responsáveis pela coleta de depósitos e impostos e concessão de pequenos empréstimos de curto prazo. Contudo, na prática, apesar do grande número de participantes, o mercado bancário chinês é dominado pelos quatro grandes, em conjunto com três ou quatro joint-stocks de maior porte. Juntos, estes representam mais de 85% da atividade bancária chinesa e têm sua atuação acompanhada de perto pelo governo chinês. Vale ainda destacar que praticamente não existe banco privado chinês. Mesmo o Minsheng Bank, único banco chinês com controle privado formal, deve ser percebido de forma particular.

Já os bancos estrangeiros representam atualmente menos de 2% dos ativos bancários na China - O gigantismo dos bancos chineses não significa, contudo, saúde financeira. Apesar de divergirem em relação ao número absoluto, as estatísticas (oficiais ou não) mostram que o volume de créditos duvidosos, apesar de encontrar-se em trajetória declinante, é grande e capaz de causar problemas.

Neste sentido, a preocupação do governo chinês em promover melhorias no sistema financeiro nos últimos anos é evidente e se traduz em várias ações concretas que incluem estabelecimento de metas de melhoria e qualidade, com destaque para nível de inadimplência e adequação de capital. Outro ponto que tem merecido destaque é o desenvolvimento de novos produtos e o aumento do nível de automação. O uso de cheque e de cartão de crédito como meios de pagamento ainda é muito pouco difundido na China, e a maior parte das transações são processadas por meio da troca física de moeda.

Além de impor metas de melhoria e fiscalizar seu cumprimento, o governo chinês tem injetado capital nos bancos nacionais quando necessário. Entre 2004 e 2005, em preparação para a rodada de investimentos internacionais e abertura de capital, três dos quatro grandes bancos chineses receberam volumosos aportes de capital do governo chinês: US$ 22,5 bilhões para o Bank of China, US$ 22,5 bilhões para o China Construction Bank e U$ 15 bilhões para o Industrial and Commercial Bank of China. Adicionalmente, dois anos antes, grande volume de créditos duvidosos foram cindidos dos quatro grandes e alocados em empresas recém-criadas de recuperação de crédito, contribuindo de forma relevante para a redução do estoque de créditos duvidosos nestes bancos.

A atração de investimentos internacionais tem sido outra ação importante visando acelerar o processo de modernização dos bancos chineses. A partir de 2001, o governo chinês passou a incentivar abertamente os bancos chineses a formarem parcerias operacionais ou societárias com os bancos estrangeiros.

Neste sentido, os bancos comerciais chineses foram autorizados a vender até 25% de seu capital para bancos estrangeiros. Ao mesmo tempo, os bancos estrangeiros foram autorizados a adquirir, no máximo, 20% de participação em até dois bancos chineses. Estes limites são superiores ao mínimo de 15% estabelecido no acordo de entrada da China na OMC e indicam a intenção do governo chinês em utilizar a parceria com os bancos estrangeiros como catalisador do desenvolvimento das instituições chinesas. A verdade é que, mesmo que a injeção de capital seja importante, a entrada de novos recursos não é a razão principal para o governo chinês incentivar os seus bancos a cooperarem ou atraírem investimentos dos bancos estrangeiros. Na verdade, grande parte dos bancos chineses está muito mais interessada em aprender com a experiência dos seus colegas estrangeiros e melhorar suas próprias práticas bancárias.

Neste sentido, todos os maiores bancos chineses, com exceção do Agricultural Bank of China, já estabeleceram suas parcerias internacionais.

Outra ação importante para o desenvolvimento dos bancos chineses é o processo de abertura de capital dos mesmos em Hong Kong, mercado muito mais rigoroso em termos de práticas contábeis e governança corporativa. Nos últimos três anos, quatro dos cinco maiores bancos chineses passaram a ser listados em Hong Kong (e em Xangai), com destaque para a abertura de capital do Industrial and Commercial Bank of China em novembro deste ano. Nesta data o ICBC captou US$ 19,1 bilhões, com demanda superior a US$ 160 bilhões, na maior abertura de capital da história. Se a saúde financeira dos bancos chineses ainda não é comparável a de seus pares internacionais, os valores registrados na abertura de capital do ICBC (e demais bancos do país) não deixam dúvida do potencial. Em geral, tanto a formação de parcerias internacionais quanto à abertura de capital são movimentos que apontam para a busca de amadurecimento dos bancos chineses e para o aumento do comprometimento com práticas de mercado, transparência e governança corporativa.

Em suma, não há dúvida de que é feito um esforço muito grande para melhorar o perfil operacional e creditício dos bancos chineses. Os resultados práticos aparecem, e alguns poucos bancos chineses já trabalham com índices de créditos duvidosos e adequação de capital dentro das metas estabelecidas pelo governo chinês. Contudo, o mercado como um todo ainda demonstra pouca musculatura para competir abertamente com os bancos estrangeiros. O consenso entre os agentes é que, apesar do intenso esforço da China em promover uma limpeza no estoque de créditos duvidosos e introduzir melhores práticas bancárias, os bancos chineses, seja por influência política local, seja por falta de instrumentos adequados de avaliação de crédito, aparentemente constroem um novo relevante estoque de créditos duvidosos. Além disso, os bancos chineses continuam extremamente atrasados em termos de produtos bancários se comparados com os bancos internacionais. Portanto, não resta muita dúvida de que, neste momento, uma atuação mais efetiva dos bancos internacionais na China teria um efeito bastante negativo sobre os ainda operacionalmente frágeis bancos chineses.

O que esperar então, no curto e médio prazos, se por um lado os bancos do país ainda não estão preparados para a competição aberta com os bancos internacionais e, por outro, o protocolo de entrada da China na OMC estabelece a abertura plena do mercado chinês a partir do último dia 11?

Em 24 de novembro de 2006 a CBRC emitiu regulamentação relativa à atividade dos bancos estrangeiros na China a partir de 11 de dezembro de 2006. Em conformidade com o protocolo de entrada na OMC a China passou a autorizar a atuação dos bancos estrangeiros em todo o território chinês e em toda a gama de produtos e mercados. Contudo, neste caso, a forma não corresponde necessariamente ao conteúdo. Uma análise mais atenta da regulamentação deixa claro a intenção do governo chinês em retardar ao máximo a atuação plena dos bancos internacionais em seu território.

Segundo as normas emitidas pela CBRC, para a abertura de uma agência na China, a instituição financeira estrangeira terá que realizar capitalização mínima de CNY 200 milhões (aproximadamente US$ 26 milhões) e, ainda assim, só poderá aceitar depósitos individuais de correntistas no valor mínimo CNY 1 milhão (US$ 128.000). Na prática, esta legislação inviabiliza a atividade dos bancos estrangeiros através da simples abertura de agências. Outra alternativa para os bancos estrangeiros é incorporar uma subsidiária localmente na China, ao invés de apenas abrir uma agência. Neste caso, a injeção de capital mínima é de CNY 1 bilhão (US$ 128 milhões), com pelo menos CNY 100 milhões (US$ 12.8 milhões) por agência.

É Importante lembrar ainda que para tornar-se localmente constituído há implicações legais e tributárias (por exemplo, tributação sobre renda de 32%, e não de 15%) importantes para os bancos estrangeiros, além de significar um relevante aumento dos custos administrativos e requerer um maior aporte de capital, já mencionado acima. Neste caso, contudo, a regulamentação isenta o banco estrangeiro da exigência de apenas aceitar depósitos superiores a CNY 1 milhão.

Além disso, o banco estrangeiro constituído localmente pode oferecer serviços de cartão de crédito, um dos produtos vistos como de maior potencial na China pelos estrangeiros. As primeiras notícias dão conta que a CBRC recebeu pedido de autorização para constituição de 8 bancos internacionais.

Adicionalmente, deve-se lembrar que os bancos estrangeiros possuem estrutura ainda bastante reduzida na China continental. Os mais importantes bancos globais presentes na China contam com pouco mais de 20 agências cada um. Este número, se comparado com as 31.004 agências do Agricultural Bank of China e 18.764 do Industrial and Commercial Bank of China, mostra mais uma das barreiras que os bancos estrangeiros encontrarão para ocupar posição relevante no mercado chinês.

O apetite dos bancos internacionais por um mercado com mais de 600 milhões de correntistas é certamente grande, mas os “atrasos burocráticos” para abertura de novas agências devem ser levados em conta quando analisamos o potencial de competição dos bancos estrangeiros no mercado chinês nos próximos anos. Além disso, não se pode descartar o custo altamente proibitivo para desenvolver uma rede própria de milhares de agências, necessária para competir com os bancos chineses, estrutura comparável com o número total de agências bancárias existentes no Brasil. Finalmente, deve-se lembrar que o protocolo de entrada na OMC não impõe à China obrigação de expansão do limite de acesso dos bancos estrangeiros ao capital dos bancos chineses.

Tecnicamente falando, o limite de 25% de participação dos bancos estrangeiros no capital dos bancos chineses poderá permanecer para sempre, se assim a CBRC entender necessário.

Provavelmente, os bancos estrangeiros são apenas em parte bem-vindos à China. O sistema bancário chinês precisa ainda dar um grande salto em termos de produtos, de políticas de concessão de crédito e em termos de práticas e automação. Neste sentido, a parceria com as instituições financeiras internacionais é vista com grande simpatia pelos reguladores chineses.

Contudo, os bancos locais ainda estão menos preparados para enfrentar a competição direta dos bancos estrangeiros em seu próprio mercado, e o governo chinês está muito alerta a este fato e deve dificultar, de certa forma, que no curto e médio prazo se estabeleça um efetivo ambiente de competição livre. A velocidade de desenvolvimento e amadurecimento dos bancos chineses nos últimos anos deixa claro que este processo ainda demandará tempo e aos bancos estrangeiros não deverá ser concedido, na prática, grande liberdade de atuação na China enquanto os dirigentes não estiverem confiantes de que os bancos locais serão capazes de lidar com tamanho crescimento de competição.

Desta forma, é de se esperar que, em um ambiente formal de atuação livre, os bancos estrangeiros passem a enfrentar restrições adicionais, seja no campo administrativo, seja no campo “burocrático”. Neste sentido, mesmo vencida a última etapa formal de abertura, o mercado, especialmente o segmento de varejo, deverá continuar a ser dominado pelos bancos chineses por um longo tempo. Os bancos estrangeiros deverão continuar como catalisadores do desenvolvimento, mas permanecerão, por certo período, com papel secundário na China e atuação mais destacada em nichos específicos como o de cartão de crédito. No médio prazo, contudo, da união do conhecimento estrangeiro com a determinação e a força dos bancos chineses podem surgir novos players internacionais, agora talvez chineses. | . Por: Daniel Covre, do Itaú BBA.

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