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29/08/2014 - 10:22

Sócrates

Em época de eleições, o festival de besteiras é convertido em festival de mentiras. O compromisso com a verdade é o mais distante das propagandas eleitorais. Das promessas, uma parte ínfima será cumprida. As demais ficarão para as próximas eleições, não obstante a progressiva deterioração de nossos ouvidos.

Vivemos num mundo de faz de conta; que sabemos o que é o justo, o correto, o que são direitos humanos, o que é a verdade. Não mais buscamos esses conceitos. Cada um os tem, e jamais admitem que são preconceitos.

Tudo está sob nosso domínio intelectual. Afinal, se não somos donos da verdade, o que nos resta? As impressões primeiras são definitivas e inquestionáveis. A mídia sensacionalista que o diga. Nessa batida, poderíamos ensinar nas Faculdades de Direito tão-somente a dosimetria das penas. Todos os inicialmente apontados são culpados. As imagens do atual mundo tecnológico não mentem. O corrupto é corrupto, execrável. A denúncia desperta forte indignação. Todas as defesas são demagógicas.

Não sustentamos que o Brasil não esteja assolado na lama da corrupção. Entretanto, sem um método preciso de descobrimento da verdade não construiremos um país justo. Não só na vida pública, mas também na vida privada. Uma acusação, fundada em indícios superficiais, de traição na vigência da instituição do casamento, na maioria dos casos será tida como verdadeira. O cônjuge "vítima" não buscará a verdade, até porque não é tarefa fácil examinar uma defesa, sopesar seus fundamentos, balancear evidências, sem a imparcialidade de um árbitro. É muito mais fácil, num contexto de pobreza cultural, dar ao primeiro impulso os ares da verdade indelével e imperdoável. Não há explicações, justificativas, dirimentes, causas excludentes da culpa, tal como são expostas na genial criação jurídica da parte geral de nosso direito penal.

Vejamos a personagem de nosso título, o primeiro pensador do mundo. Nada tinha como certo. O que importava era a investigação: da natureza do homem, do mundo, da sociedade, do bem e do mal e, principalmente, daquilo que era tido como verdade. No ponto residia seu conflito fundamental com os sofistas, para quem as verdades sensoriamente perceptíveis só deveriam ser bem demonstradas, em eloquentes perorações. E mediante dinheiro.

Imaginem se aplicarmos a "maiêutica", o parto do pensamento, à campanha política. Não há salvação. Por isso, não podemos deixar de registrar que, se quisermos ter alguma crença política, renunciemos à verdade. Não se trata de propaganda do voto nulo, mas da tentativa de convencer-nos de que seremos, necessariamente, governados por mentirosos; cabe-nos a opção de prefererir os menos danosos às nossas preferências sociais, cívicas e aos nossos direitos individuais. Sem chorar, porque a tanto fomos levados pelo processo civilizatório, malgrado Sócrates, Platão, Aristóteles e tantos pensadores que procuraram dar sentido à vida humana em sociedade em seu processo evolutivo.

Na morte de Sócrates, punido por não aceitar os deuses atenienses e corromper a juventude ao inculcar-lhe senso crítico, seus amigos filosófos não conseguiam reprimir o choro e até mesmo a histeria, no que foram censurados pelo mestre, ao lembrar-lhes que, para evitar o clima, não havia convidado as mulheres para assistir sua execução. E, no último suspiro, limitou-se a lembrar que era necessário pagar o preço de um galo que havia comprado.

A vida sempre continua.

. Por: Amadeu Garrido de Paula, advogado especialista em Direito Constitucional, Civil, Tributário e Coletivo do Trabalho.

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