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02/10/2014 - 08:15

Somente condenação em ação penal pode restringir direitos políticos

Recentemente, o ministro Lewandowski negou liminar requerida por Jaqueline Roriz. Tratava-se de uma reclamação (RCL 18183 MC/DF) contra ato do Tribunal de Justiça do DF objetivando suspender os efeitos de um acórdão que a havia condenado pela prática de improbidade administrativa, incluindo a suspensão de seus direitos políticos. A tese estampada na ação era, em breve resumo, que o TJ-DF negou a aplicação da cláusula de reserva de plenário ao, por turma, não aplicar a previsão constante na CADH (Convenção Americana de Direitos Humanos), o Pacto de San José da Costa Rica, que estabelece de forma expressa que a suspensão de direitos políticos somente poderá se dar por meio de processo penal. O art. 23, 2, da CADH, é expresso ao determina que a lei somente poderá limitar o exercício dos direitos políticos por razões de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou por condenação, por juiz competente, em processo penal.

A liminar foi negada sem uma profunda análise, até por não ser momento adequado, do tema de fundo da discussão, qual seja: é válida a previsão de suspensão de direitos políticos constante da lei de improbidade administrativa (LIA) que tem inegável natureza cível (ADI 2.797, STF), frente a previsão constante na CADH de que esta suspensão somente poderá se dar por meio de processos penal? Diante deste claro conflito normativo, para se chegar a uma resposta, temos que nos socorrer aos métodos para a solução de antinomia entre normas.

É preciso lembrar que três são os métodos clássicos de resolução de conflitos de norma: hierárquico, cronológico e o de especialidade. E por esse três critérios clássicos de resolução de antinomias entre normas, a CADH se sobrepõe à LIA; a CADH hierarquicamente encontra-se entre a Constituição e as leis ordinárias; o Decreto de ratificação da CADH é posterior à LIA; e quanto ao critério da especialidade, no que tange os direitos políticos, a CADH é o instrumento de garantias mínimas, de diversos direitos e liberdades fundamentais, que também prevê as únicas hipóteses de limitações ao exercício dos direitos políticos, enquanto a LIA é instrumento genérico de punição dos agentes públicos . Não obstante tais conclusões, a própria CADH traz em seu corpo regras para sua interpretação. Também por essa análise, não há dúvida de que entre a previsão expressa da CADH que prevê uma única hipótese de restrição ao exercício dos direitos políticos em razão de condenação judicial (na esfera penal) e a LIA que traz também a previsão de suspensão desses direitos por decisão cível, é a CADH que deve ser aplicada. Essa regra, prevista na própria Convenção Americana (art. 29) atende ao princípio também já consagrado pelo STF (HC 90450/MG) consistente na aplicação da norma mais protetiva à pessoa, que mais protege o direito objeto da discussão (no caso, o livre exercício dos direitos políticos). Também por essa razão deve-se aplicar a CADH em detrimento a LIA pois, como já dito, a convenção estabelece, no que tange a restrição judicial ao exercício dos direitos políticos, apenas a hipótese penal.

É possível somar ainda aos argumentos o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos que, julgando um caso concreto (Caso López Mendoza vs. Venezuela), analisou o alcance do disposto no artigo 23.2 e entendeu que o texto do artigo é claro, objetivo e não comporta qualquer outra interpretação, ou seja, somente a condenação por processo penal pode restringir o exercício de direitos políticos. E mais, esclarece ainda que se fosse interesse dos países dar qualquer outro sentido ao texto bastaria utilizar termos como: “tal como” ou “entre outras”, mas preferiram utilizar o termo “exclusivamente”, o que limitou as hipóteses de restrição às exceções expressamente determinadas no texto. Vale destacar que a inclusão desta previsão referente à condenação exclusivamente em razão de processo criminal se deu por iniciativa do delegado brasileiro presente na conferência de 1969.

Mas ainda assim resta a análise da seguinte questão: como equalizar a previsão expressa do § 4º do art. 37 da Constituição de 88, que prevê a suspensão dos direitos políticos em razão da prática de atos de improbidade, com a CADH e a LIA? Para essa questão, o STF já nos forneceu a reposta quando da apreciação do tema da prisão civil de depositário infiel, objeto da Súmula Vinculante nº 25. A situação era muito parecida com a presente. Naquele caso, o STF ainda teve pelo menos um conflito a mais para resolver: a previsão da prisão civil no Novo Código Civil – lei posterior à CADH que a veda. No presente caso, todos os métodos de solução de conflitos levam, sem exceção, a mesma resposta. No RE nº 466343, o STF entendeu que “diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante”. E mais: “Nesse sentido, é possível concluir que, diante da supremacia da Constituição sobre os atos normativos internacionais, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (art. 5º, inciso LXVII) não foi revogada pelo ato de adesão do Brasil ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria, incluídos o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e o Decreto-Lei n° 911, de 1º de outubro de 1969”.

Dessa forma, em razão de todos os motivos expostos, é possível afirmar que a previsão contida no § 4º do art. 37 da Constituição de 88, que prevê a suspensão de direitos políticos em razão do ato de improbidade administrativa, deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante da CADH em relação ao texto infraconstitucional (artigo 12 da LIA) - que prevê a suspensão de direitos políticos nas ações cíveis de improbidade administrativa.

. Por: Eduardo Maffia Queiroz Nobre, especialista em Direito Eleitoral e sócio do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados.

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