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17/10/2014 - 08:29

O aumento de testamentos e a insegurança jurídica

Levantamento do Colégio Notarial de São Paulo demonstrou um aumento de 30% nos testamentos lavrados no Estado de São Paulo entre 2010 e 2013. Uma das razões apontadas é a mudança no perfil dos testadores, que seriam pessoas sem herdeiros deixando seus bens para entidades assistenciais. Porém, não é só isso que explica esse aumento.

Vale destacar as razões que estão impulsionando os testamentos e também vale esclarecer alguns aspectos conceituais importantes sobre do testamento, que se traduz na mais importante ferramenta para fazer valer a vontade do titular dos bens no que atine à livre determinação de quem vai herdar seu patrimônio após sua morte.

O primeiro parâmetro a ser esclarecido é que o titular do patrimônio só pode dispor em testamento quantos bens lhe aprouverem, caso não tenha em sua linha sucessória os chamados herdeiros necessários. São eles os ascendentes, os descendentes e cônjuge sobrevivente. Existindo qualquer um deles no momento da morte do testador, este só poderá dispor em testamento de metade da herança, sob pena de invalidade da disposição. Ou seja, na maioria das vezes o testamento só diz respeito à metade do acervo patrimonial do falecido.

A outra razão relevante a favorecer os testamentos é a atual insegurança jurídica no que toca às regras de sucessão. Havendo incerteza quanto aos herdeiros e a proporção em que o patrimônio será dividido, o titular se socorre do testamento para garantir que determinada pessoa não ficará à míngua ou a mercê de longa e incerta discussão judicial para receber o patrimônio.

O principal foco de insegurança jurídica que atormenta os titulares de patrimônio concerne aos direitos sucessórios do cônjuge (parte no casamento) ou companheiro (parte na união estável). Em relação à união estável, estabelece o artigo 1790 do Código Civil que o companheiro participará da sucessão somente quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da União estável, com condições próprias de atribuição de quotas dependendo dos demais herdeiros com os quais concorrer. Se forem filhos comuns, terão direito a uma cota equivalente a eles; se concorrerem com filhos de outro casamento, receberão apenas a metade do que lhes couber e; se com outros parentes sucessíveis, terão direito a um terço da herança.

Como o regime sucessório do companheiro sobrevivente é bem diferente daquele reservado ao cônjuge sobrevivente pelo artigo 1829 do Código Civil, e tanto o casamento quanto a união estável são considerados entidades familiares pela Constituição Federal, o tratamento diferenciado vem suscitando dúvidas quanto a constitucionalidade do regramento previsto no art. 1790. Há, inclusive, incidente de inconstitucionalidade dos incisos III e IV suscitada pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça em trâmite. Eventual julgamento de Tribunal Superior julgando inconstitucional referido artigo acabaria por trazer alterações drásticas no campo das sucessões.

Como se não bastasse, o regime sucessório aplicável ao cônjuge, que é regrado pelo artigo 1829 do Código Civil, também não está livre de séria controvérsia jurídica. A sucessão do cônjuge sobrevivente quando concorre com os descendentes do falecido é vinculada ao regime de bens eleito em vida. Assim, no regime de comunhão universal de bens, o cônjuge sobrevivente já é titular de metade dos bens do falecido, razão pela qual a lei determina que ele não é herdeiro. No regime de comunhão parcial, o cônjuge sobrevivente já é meeiro do patrimônio amealhado após o casamento, razão pela qual não é herdeiro deste patrimônio, mas tão somente dos bens particulares do falecido, concorrendo em igualdade com os descendentes. Por fim, no regime de separação convencional de bens, o cônjuge não tem meação, portanto concorre com os filhos com a totalidade da herança.

Pois bem, recentemente, decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça têm subvertido a interpretação até então tranquila do artigo 1829, estendendo para a sucessão a separação de bens escolhida como regime. Isso significa que, segundo o STJ, se o casamento foi em separação de bens, a interpretação sistemática da legislação aplicável preconiza que o cônjuge sobrevivente não deve receber nenhum bem do falecido, estendendo à sucessão o regime escolhido em vida.

Nessa mesma direção, aponta o STJ, em recente decisão, que no regime de comunhão parcial, além da meação tem o cônjuge direito à herança em relação a outra metade em concorrência com os filhos, mas fica de fora da divisão dos bens particulares. Ou seja, tudo ao contrário do que se extrai da literalidade do artigo 1829 e do que se vinha praticando até então.

A questão ainda está em aberto e, à clareza, é grande a insegurança jurídica sobre o tema. Como isso diz respeito às pessoas em tese mais caras ao titular do patrimônio, a saber, cônjuge, companheira e descendentes, muitos têm usado o testamento para livremente dispor da metade disponível do patrimônio para assegurar aquele que escolher que receba um quinhão da herança sem que interferência das controvérsias judiciais sobre o tema.

Espera-se que essa celeuma interpretativa acabe, seja por reforma da legislação ou por consolidação e vinculação da jurisprudência dos Tribunais Superiores. Enquanto isso resta ao titular do patrimônio que quiser garantir a alguém parte ou o todo disponível da herança utilizar o testamento, cujo número de formalizações também vem aumentando bastante.

. Por: Rodrigo Tubino Veloso, sócio fundador do escritório Tubino Veloso, Vitale, Bicalho e Dias Advogados e responsável pela área de Direito de Família e Contencioso Cível – [email protected]

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