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21/11/2014 - 07:27

Angústia dos escritores

Há no Brasil um desajuste entre propostas para a literatura e os interesses literários de leitores brasileiros. Embora se leia cada vez mais (em telas de celulares e computadores), escritores queixam-se da falta de apoio governamental à literatura brasileira e do desinteresse de leitores brasileiros em escritores profissionais.

Para a escritora carioca Nélida Piñón, o Brasil tornou-se um país “periférico” da literatura mundial. Na visão dela, isso ocorreu após o Brasil ter perdido escritores que emigraram devido à repressão do regime militar, e ter negligenciado o “boom” (prosperidade) da literatura latino-americana nos anos 1970. Nesse período, escritores hispano-americanos tornaram-se mundialmente famosos, principalmente pelas narrativas particulares da região.

Nélida Piñón afirma ainda que o reconhecimento de escritores brasileiros ocorreu somente enquanto eles estiveram exilados em países europeus. Apesar disso, para ela, muitos retornaram ao Brasil por amor à pátria, em troca da falta de reconhecimento de suas obras literárias. Quer dizer, deixaram de crescer profissionalmente na Europa, onde há incentivo maior à literatura.

Existe um fundamento nessa preocupação de retorno patriótico. No entanto, digo que há um círculo vicioso em que muitos escritores brasileiros fundamentam seus livros em histórias inspiradas por paisagens e marcos europeus (por exemplo, Paulo Coelho em O Alquimista), em vez de dedicar-se a contextos brasileiros, como fizeram escritores como Machado de Assis.

Ainda, Nélida Piñón espera que o Estado brasileiro financie escritores para que eles se desenvolvam sem exercer atividades complementares, financiar seu próprio trabalho nem trabalhar horas extras para sobreviver. Afinal, poucos vivem de literatura no Brasil. Não se pode esquecer, porém, que organizações promovem feiras de livros, sebos fazem promoções de livros e revistas usados, e os Centros de Estudos Brasileiros quase sempre divulgam o Brasil no exterior principalmente através de sua literatura. E há prêmios que, vez ou outra, enaltecem o papel do escritor. Estas são vias de estímulo à produção literária.

O problema é outro. Nélida Piñón negligencia o problema da incompatibilidade cultural e educacional que se deve à necessidade de investir na formação de crianças e jovens para que eles tomem gosto pela leitura. O raciocínio é lógico: se o brasileiro ler poucos livros, comprará poucos livros. Isso sem falar das vias alternativas de leituras de livros (suportes eletrônicos para leitura como o Kindle da Amazon, baixados da Internet em formatos eletrônicos, etc.). Consequentemente, escritores têm que promover seus trabalhos no exterior ou dedicar-se a outras atividades profissionais que complementem suas rendas.

Ninguém come vacas na Índia porque lá elas são sagradas. No Brasil, leitores não se codificam suficientemente – estou pensando aqui numa perspectiva sociológica de Bourdieu – para apreciar o melhor que escritores brasileiros produzem. Certamente, a literatura brasileira tem escritores de qualidade elevada e merece percorrer circuitos mundiais, em idiomas vários, para que façamos conhecer nossas realidades culturais e sociais.

Com isso, insisto que as políticas para a leitura no Brasil não descuidem as crianças e os jovens, que crescem como autodidatas do deslumbre tecnológico. Neste sentido, compartilho o mal-estar de Nélida Piñón com respeito ao desinteresse de brasileiros em literatura, e à angústia de escritores brasileiros que não têm seus trabalhos reconhecidos na altura de seu merecimento.

É preciso, portanto, aproximar as pontas educativas em vez de deixar que elas se distanciem no Brasil. Só assim a convergência digital levará à convergência educacional, onde se estimule o interesse de brasileiros em leituras que tragam algum crescimento educativo, ético e social. O resultado é que escritores teriam motivos para escrever profissionalmente e comemorar a literatura.

. Por: Bruno Peron [http://www.brunoperon.com.br].

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