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03/12/2014 - 09:00

Felicidades

A tal busca pela felicidade apresenta muitas contradições. Há quem diga que só com muito sofrimento alcançaremos a felicidade, o que já é quase uma contradição. Por outro lado, há quem anuncie a felicidade na compra de um sabonete, margarina, de celular, de automóvel… Felicidade para todos os bolsos, assim, fácil, simples.

Aí os provérbios e as suas variações também surgem, uns querendo falar sério, outros brincando com a suposta certeza típica dos ditos populares. Um deles é o clássico “dinheiro não traz felicidade”, que o bom humor de alguns transformou em “dinheiro não traz felicidade; manda buscar”.

A felicidade é, acredito, algo contextual – já eu tento explicar isso – e nem de longe está exclusivamente ligada ao dinheiro ou ao poder de comprar e comprar, ao contrário do que anunciam aos berros histéricos os garotos e garotas-propaganda pelas telas afora. Mas não quero aqui dizer que o tal dinheiro não seja importante, já que ele pode dar condições mínimas de dignidade às pessoas. Seria conformismo de minha parte dizer que não importa ser rico ou miserável, como se tanto fizesse, apenas aceitemos o mundo do jeito que ele é. Ainda acho a desigualdade econômica e social – bem como sua naturalização – uma das maiores obscenidades da história humana, superando infinitamente as obscenidades com as quais a gente costuma se incomodar. Mas ainda assim não vejo o dinheiro e a posse “do bom e do melhor” como os responsáveis exclusivos pela felicidade. Nesse caso, concordo com Aristóteles: o excesso pode significar um vício.

Mas, então, o que quero dizer com “a felicidades é algo contextual”? Por exemplo: em que situação alguém estaria mais feliz trocando todo o seu reino por um simples cavalo? Pois essa foi a situação do shakespeareano Ricardo III. Você garante que uma criança que ganhou seu milésimo brinquedo é mais feliz do que aquela que acabou de ganhar um, e que é o seu primeiro e único? Quem está mais feliz? Você acha que um milionário poder dirigir uma Ferrari se sentiria mais feliz do que aquele jovenzinho que, contando as economias mês a mês, comprou sua primeira lambreta? Quem se sente mais feliz: aquele que terminou sua tese de doutoramento ou o adulto que está se alfabetizando e terminou de ler seu primeiro livro inteiro? Conforto é bom, conhecimento é bom, não temos dúvida. Mas acho falacioso o argumento de que mais dinheiro e posses fariam a felicidade ter um sabor e uma qualidade diferentes, mais intensos, mais excitantes.

Sei que se pode objetar dizendo que “estar feliz” é diferente de “ser feliz”, ou que felicidade é diferente de um simples estado de alegria. E quem objetar isso terá razão, mas ainda assim, mesmo em se falando de “ser feliz”, que me parece um estado mais permanente e duradouro, acho que não é necessariamente o dinheiro o responsável direto por isso. Além do que, por paradoxal que possa parecer, acredito na frustração e em doses de tristeza como componentes de uma experiência de vida mais preparada para encarar esse percurso maluco do viver. Mas aí já é outro assunto.

. Por: Cezar Tridapalli, escritor, autor dos romances Pequena biografia de desejos e O beijo de Schiller, vencedor do Prêmio Minas Gerais de Literatura.

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