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18/01/2008 - 11:23

Desafios estruturais para o Brasil

O tratamento diferenciado de micro e pequenas empresas (MPE), ou de uma forma mais ampla de empreendimentos de pequeno porte, tem sido objeto de políticas públicas e de ações afirmativas dos governos de inúmeros países. Esse tratamento diferenciado deriva sua legitimidade não apenas da constatação da importância socioeconômica desse segmento, mas também do reconhecimento de que o mesmo sofre de desigualdades de acessos a direitos fundamentais e a instrumentos que o capacitem para uma inserção competitiva em economias cada vez mais abertas e globalizadas. Trata-se, portanto, do reconhecimento de que esse segmento enquadra-se no desafio da superação das desigualdades sociais e econômicas de cada país.

As micro e pequenas empresas constituem-se, de fato, na maioria dos agentes econômicos de países tanto desenvolvidos como em desenvolvimento, sendo responsáveis pela maior parte dos empregos e postos de trabalho, bem como por significativa parte da renda gerada.

De 1995 a 2000, os pequenos negócios de até 100 funcionários criaram 96% dos novos empregos no Brasil, segundo dados recentes da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS).

“Não haverá país competitivo e justo se mantivermos essas enormes diferenças entre grandes e pequenos”

Só na América Latina e Caribe, são mais de 60 milhões de empreendimentos de pequeno porte, contribuindo para uma melhor distribuição de renda e maior capilaridade das atividades empresariais. Essa capilaridade das atividades empresariais tem maior importância em países de dimensões continentais como o Brasil, que não pode prescindir de políticas de desenvolvimento territorial, sob pena de acentuar os efeitos negativos da concentração urbana e da metropolização.

Os empreendimentos de pequeno porte, incluindo a agricultura familiar, constituem-se na maioria produtiva, sobretudo nos municípios de pequeno porte, gerando oportunidades de trabalho e renda, fundamentais para a retenção do fluxo migratório. Vale lembrar que esses municípios, onde os pequenos empreendimentos são praticamente os únicos agentes econômicos, constituem 80% do total do 5.570 municípios brasileiros, 90% do território nacional e 30% da população. Nas grandes cidades e zonas metropolitanas, esses pequenos empreendimentos também representam cerca de 98% do total dos negócios ali existentes.

Os empreendimentos de pequeno porte vêm resistindo aos avanços da modernização, quando se imaginava seu desaparecimento. Ao invés de meros remanescentes do passado, os pequenos negócios podem ser encarados como arquitetos do futuro, no sentido de contribuírem para ampliar a competitividade sistêmica da economia nacional.

A desigualdade de acessos e a ausência de isonomia competitiva, no entanto, contribuem para que esses pequenos empreendimentos ainda apresentem elevada mortalidade nos três primeiros anos de existência, assim como um diferencial de produtividade vis-à-vis aos grandes e médios negócios, chegando a variar em até oito vezes, dependendo do setor ou região.

No passado recente e, sobretudo, nos anos do chamado milagre econômico, fomos capazes de crescer a taxas elevadas, apesar dos baixíssimos índices de desenvolvimento humano. Neste século, no entanto, numa economia baseada no conhecimento e com o Produto Interno Bruto com forte densidade imaterial (alto conteúdo tecnológico, design, produtos conceituais, etc.), não seremos capazes de repetir essa trajetória. Os desafios competitivos contemporâneos passam, cada vez mais, pelo conhecimento, onde a educação continuada e a capacidade inovativa são as chaves desse processo.

Crescemos até então com forte exclusão, mantendo desnecessários níveis de pobreza e, mais grave ainda, mantendo praticamente inalterados os indicadores de desigualdade de renda e acessos a direitos fundamentais. Para alguns segmentos essas desigualdades praticamente impedem a mobilidade social de grupos étnicos ou da população de afro-descendentes.

"Entende-se por ambiente favorável não apenas a presença de instituições de apoio e capacitação”

Esse crescimento de má qualidade produziu um cenário de fortes contrastes, que podemos chamar metaforicamente de arquipélago, onde a maior parte do PIB se concentra nas ilhas e a grande maioria dos excluídos, inclusive os negócios de pequeno porte, encontram-se no oceano, como sugere o Professor Ignacy Sachs no Relatório.

Seria um equívoco imaginar a retomada do crescimento, neste momento em que se discute um novo ciclo de desenvolvimento, se concentrássemos esforços apenas no arquipélago, onde estão os negócios de grande porte, mais competitivos, que já passaram pelo ajuste estrutural dos anos 90. Temos de ampliar também a produtividade e qualidade dos bens e serviços produzidos pelo segmento dos pequenos negócios, até por que esse gap constitui-se num potencial latente de crescimento de nossa economia.

Há, nesse sentido, um falso debate instalado no país sobre qual os melhores caminhos para atingi-los. Não se trata do simplismo de saber quem é desenvolvimentista ou não por defender uma postura mais ou menos ativa do Estado. O que está em jogo são os fundamentos da estabilidade macroeconômica conquistada, quais as “cláusulas pétreas” da política econômica vigente deveriam ser necessariamente mantidas numa eventual mudança da correlação de forças políticas que a mantém? Como alavancar o esforço de exportação e uma substituição inteligente e competitiva de importações, reduzindo o déficit na balança comercial e nossas vulnerabilidades externas? Qual reforma tributária que elimine as distorções, ponha fim à cumulatividade dos tributos que chega a onerar em dez pontos percentuais adicionais ao final de algumas cadeias produtivas? Como crescer reduzindo desigualdades, tornando o Brasil um país mais justo?

Diante dessas questões, concentrar todo o esforço do novo ciclo de desenvolvimento no arquipélago das grandes empresas seria condenar a imensa maioria à marginalidade e ao atraso, levando-os para fora do cenário econômico deste novo século. O desafio que temos é, portanto, o mesmo na área social. A diferença entre os mais ricos e mais pobres, de alguma forma, se replica na diferença entre os grandes e os pequenos negócios.

Grande esforço é necessário para remover os obstáculos que impedem o acesso isonômico aos empreendimentos de pequeno porte a serviços empresarias, incluindo aí o acesso ao crédito, à informação de qualidade (reconhecidamente uma das imperfeições do mercado).

Essa remoção dos obstáculos é a essência do chamado ambiente favorável que o Sebrae vem defendendo. E isso requer também um feixe de políticas públicas e de ações afirmativas para tornar viáveis, sustentáveis e competitivos esses pequenos negócios, com reflexos positivos sobre todo o tecido social e econômico. O Relatório organizado pelo Professor Sachs aponta para esses desafios de formulação política onde não cabem a inépcia e o laissez-faire.

. Por: José de Moraes Falcão é economista e engenheiro econômico pela Universidade Católica de Pernambuco, com especialização em Planejamento Regional e Uso do Solo, pela Universidade Técnica de Berlim, Alemanha, Análise Econômica de Mercado, pela Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, além de cursos com foco em Gestão de Negócios, pela Fundação Dom Cabral, Minas Gerais, e Insead, França. Atuou nas áreas de desenvolvimento regional, planejamento estratégico e na área de pequenos negócios. Colaboração neste texto de Vinícius Nobre Lages

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