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13/01/2015 - 08:07

De olho no mercado de milho para etanol

Em outubro passado, o então ministro da Agricultura Neri Geller fez declarações sobre ações do governo para contribuir com a expansão do etanol de milho no país. Segundo Geller, "o etanol de milho é importante para dar sustentabilidade econômica para as regiões mais distantes, onde ocorrem problemas maiores de escoamento da produção". Para viabilizar isso, a ideia do governo é financiar novas usinas com créditos abaixo da inflação.

Informações disponíveis indicam que o milho como matéria-prima para produção de etanol é rentável apenas com a saca custando até R$ 20,00. Deve-se ressaltar que esse valor é válido para usinas do tipo flex, que moem cana-de-açúcar e milho, com o cereal entrando como matéria-prima na entressafra da cana.

O problema é que se olharmos a média de preços da saca de milho nos estados brasileiros ao longo dos últimos quatro anos, apenas no estado do Mato Grosso este valor fica abaixo de R$ 20,00. Na verdade, na maior parte do país é muito difícil a saca de milho ser cotada sistematicamente abaixo do patamar considerado viável para a produção de etanol. Por isso, é natural pensar na produção de etanol somente no estado mato-grossense.

Do ponto de vista da noção do equilíbrio entre oferta e demanda, a consequência direta do aumento do consumo interno do milho (demanda) em uma dada região, mantendo-se tudo mais constante, é o aumento dos preços locais. Portanto, há que se questionar se um eventual aumento de preços do milho no Mato Grosso (via aumento do consumo do produto no estado para produção de etanol) poderia levar a acréscimos de preços que inviabilizassem a produção de etanol a partir do cereal no futuro neste estado. Para avaliar isso, pode-se fazer um exercício relativo ao mercado potencial de etanol de milho no Mato Grosso.

Em 2013, foram consumidos 626,2 milhões de litros de etanol no Mato Grosso (137,7 milhões de litros de etanol anidro e 488,5 milhões de etanol hidratado). Apenas uma pequena parte dessa quantidade foi suprida com etanol proveniente do milho. Nos primeiros seis meses de 2014, foram produzidos 11 milhões de litros de etanol hidratado no Mato Grosso, e para isto seriam necessárias 29.000 toneladas de milho.

Atualmente, existem apenas duas usinas flex no estado, uma em Campos de Júlio (Usimat) e outra em São José do Rio Claro (Libra), que moem cana de abril a novembro e milho nos meses subsequentes. Com base nesta situação, no momento, não é sensato considerar todo o consumo de etanol do Mato Grosso como sendo o tamanho do mercado potencial do milho para este fim. Num cenário otimista, pode-se considerar que 50% dessa quantidade, ou cerca de 313,1 milhões de litros, poderiam ser gerados a partir de milho como matéria-prima. Segundo um dos gestores da Usimat, Sergio Barbieri, com uma tonelada de milho pode-se produzir de 370 a 375 litros de etanol. Deste modo, considerando uma produtividade de 370 l/t de milho, seriam necessárias 846,2 mil toneladas de milho, o que é um valor relativamente pequeno frente ao excedente deste cereal no estado.

Na safra 2013/14, foram produzidos 18 milhões de toneladas de milho no Mato Grosso, sendo que o consumo estadual está na faixa de 3 milhões de toneladas. Ou seja, a demanda potencial de milho para etanol representaria menos de 6% do atual excedente mato-grossense. Pode-se concluir daí que, com a tecnologia disponível hoje, seriam necessárias algumas dezenas de usinas para produzir etanol a partir desta quantidade excedente de milho.

No momento, a dinâmica das exportações é mais importante na determinação do nível de preços da saca de milho no Mato Grosso do que um eventual impacto futuro do maior uso interno de milho para produção de etanol. Se por um lado a produção interna de etanol pouco impactaria os preços do milho na região, de outro o problema de escoamento do grande excedente deste cereal continuaria.

Poderíamos incorporar nas contas o mercado de etanol de outros estados adjacentes. Neste caso, o resultado seria o encarecimento do combustível pelo seu transporte e a demanda de uma infraestrutura logística própria, levando às mesmas reivindicações dos produtores de grãos.

Cabe discutir a eficácia da política que o governo quer utilizar. O financiamento de projetos com juros subsidiados é uma abordagem frequente na viabilização de negócios os quais o governo considera estratégicos. Entretanto, nem sempre este é um enfoque eficaz, pois muitas vezes ocorre de esta carteira de crédito ser pouco utilizada.

O problema muitas vezes está na sustentabilidade do negócio propriamente dito, que normalmente é mais importante do que o financiamento. É essencial que o negócio se pague, pois quando os empreendimentos são lucrativos não falta capital privado para financiá-los. Sempre há dinheiro para grandes negócios.

Nesse sentido, uma política de estímulo à produção de etanol a partir do milho será muito mais eficaz se estiver em consonância com a política do governo para a gasolina. O mercado de etanol nos últimos anos vem sendo minado pela política de preços da gasolina, e as dificuldades defrontadas por grandes grupos sucroalcooleiros refletem isso. O aumento recente da gasolina, apesar de ainda tímido, é uma boa sinalização para o mercado de etanol.

Por fim, é sensato considerar que o milho, ou mesmo o sorgo sacarino, entrando como matéria-prima na entressafra da cana pode ajudar na sustentabilidade do etanol enquanto negócio. Entretanto, este é um assunto que demanda cautela, pois o etanol de segunda geração, cuja tecnologia está chegando ao mercado, pode preencher esse nicho.

. Por: Rubens Augusto de Miranda, pesquisador da área de economia agrícola da Embrapa Milho e Sorgo. |CIMilho

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