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28/01/2015 - 07:51

EUA e Cuba: um aperto de mãos e relações bilaterais reatadas

A retomada das relações bilaterais entre Estados Unidos e Cuba foi anunciada exatamente um ano depois do aperto de mãos entre os presidentes Barack Obama e Raul Castro, ocorrido em dezembro de 2013, durante o funeral de Nelson Mandela. No anúncio, Barack Obama comunicou as principais iniciativas que marcaram a reaproximação entre os dois países, quais sejam: a libertação de Alan Gross, norte-americano preso em Cuba desde 2009; a troca de prisioneiros – 53 presos cubanos (identificados como presos políticos pelos Estados Unidos) por três cubanos restantes de um grupo de cinco presos nos Estados Unidos, os quais foram sentenciados por espionagem desde 1998; a abertura de embaixada em Havana; o aumento do teto permitido para o envio de remessas financeiras a Cuba.

Essas iniciativas, que na verdade simbolizam a retirada da designação de Cuba como um Estado que apoia o terrorismo, resultam de um acordo negociado secretamente por dezoito meses, em grande parte mediado pelo Canadá e encorajado pelo Papa Francisco, que organizou uma reunião final no Vaticano. Obama e o presidente de Cuba, Raul Castro, concordaram, por meio de uma ligação telefônica, a dar fim a uma “abordagem ultrapassada”, que, por aproximadamente cinco décadas, minou os interesses dos Estados Unidos e de Cuba.

A despeito da grandeza de tais iniciativas, que caracterizam um ponto de inflexão na política norte-americana em relação a Cuba, ainda não se contemplou o fim do embargo contra a economia cubana. Em razão disso, cabe questionar: por que não? Quais fatores poderiam mudar essa decisão? Na avaliação da Administração Obama, a política dura no que diz respeito a Cuba não atingiu os objetivos pretendidos. Ainda assim, normalizar as relações econômicas com tal país é um desafio, pois contraria os interesses de uma significativa parcela de ex-cidadãos cubanos, muito ativos politicamente e que preferem manter o estado atual. Além disso, os críticos à política de aproximação tendem a atribuir pouca relevância econômica a Cuba, pois seria um país pequeno, supostamente com pouco benefício econômico para os EUA, mesmo com o livre comércio e circulação de pessoas. Mas será mesmo?

Em primeiro lugar, há, sim, interesses econômicos de fortes setores dentro dos Estados Unidos. Logo após o anúncio da retomada das relações, manchetes e editoriais de todo o país mostraram o quanto Cuba é importante especialmente para os setores agrícola e portuário. O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos declarou que Cuba era um comprador top de produtos agrícolas norte-americanos antes dos Estados Unidos cortar os laços com a nação, em 1963. O país, localizado a cerca de 100 milhas ao largo da costa da Flórida, importa a maioria de seus alimentos, segundo estimativas do USDA. Daí a esperança dos produtores agrícolas em retomar esta participação no mercado cubano. Mesmo o estado do Texas, majoritariamente conservador, tem a ganhar com a iniciativa da Administração Obama.

Outra questão a ser considerada refere-se ao impacto da aproximação de vários países com Cuba, sobretudo da Rússia e da China, sobre as estratégias políticas e econômicas dos Estados Unidos.

Ao perder o suporte econômico da União Soviética, Cuba foi construindo suas próprias relações econômicas com uma série de países – Brasil, Canadá, China, Espanha, Holanda, Rússia, Venezuela –, colhendo resultados no comércio e em investimentos. Na última década, com o apoio de Hugo Chávez, a Venezuela se tornou o mais imbricado parceiro econômico de Cuba, promovendo a troca de petróleo por serviços médicos. Em 2012, os principais destinos das exportações cubanas foram: Venezuela, Holanda, Canadá e China. Além disso, Venezuela, China, Espanha, Brasil e Estados Unidos foram suas principais fontes de importação. Nesse contexto, merece atenção o incremento das relações com a Rússia e a China.

As relações russo-cubanas, que tinham diminuído significativamente com o fim da Guerra Fria, voltaram a se estreitar. Em 2008, o então presidente Dmitry Medvedev visitou Havana e, em 2009 e 2012, o presidente Raul Castro visitou a Rússia. Em 2014, por ocasião da Cúpula dos BRICS, no Brasil, o presidente Vladimir Putin também visitou Cuba. Pouco antes de chegar ao país, Putin assinou um acordo, eliminando 90% de US$ 32 bilhões de dívida cubana com a extinta União Soviética e parcelou o restante, correspondente a US $ 3,5 bilhões, por um período de 10 anos, os quais seriam revertidos em investimentos russos em Cuba.

Já as relações com a China, as quais se mantiveram distantes no período da Guerra Fria, também foram incrementadas nos últimos anos com promoção do comércio e investimentos. O presidente chinês Hu Jintao visitou Cuba em 2004 e em 2008; já o então vice-presidente Xi Jinping visitou Cuba em 2011 e, depois, Raul Castro retribuiu a visita em 2012, ocasião em que os dois países assinaram acordos de cooperação sobre questões econômicas e de investimentos. Na sequência, em 2014, também por ocasião da Cúpula dos BRICS, no Brasil, Xi Jinping, já no cargo de presidente, visitou novamente Cuba, e os dois presidentes assinaram 29 acordos de comércio, empréstimos, cooperação em pesquisa e desenvolvimento em fármacos, além de um acordo entre as duas estatais Cubapetróleo (Cupet) e Companhia Nacional de Petróleo da China. Xi, ao receber a medalha José Martí, a mais alta honraria cubana, disse: “Sendo China e Cuba países socialistas, nós estamos estreitamente unidos pelas mesmas missões, ideais e lutas”. Podemos adicionar outro elemento nesse contexto: a construção do canal bi-oceânico na Nicarágua por uma empresa chinesa, concorrendo com o Canal do Panamá, que poderá tornar o porto de águas profundas de Mariel um importante hub logístico e Cuba uma competitiva plataforma de exportações.

Vale lembrar que quando a Administração Obama assumiu o governo, em 2009, e o mundo atravessava o calor da crise financeira de 2007 e 2008, iniciou-se uma política de diálogo com o governo cubano, evidenciando esforços para melhorar as relações. Na Cúpula das Américas daquele ano, foi declarado: “os Estados Unidos buscam um novo começo com Cuba”. Logo, o anuncio da reaproximação foi o cume de um longo percurso de entendimento realizado longe dos holofotes.

Diante do exposto, cabe assinalar que a disposição para empreender uma agenda positiva pode indicar que a governo dos Estados Unidos esteja superando os preconceitos ideológicos e compreendendo o restabelecimento das relações com Cuba como uma peça no xadrez geopolítico mundial, competindo com a China e a Rússia não só pela manutenção de sua hegemonia na América Latina, mas também pelo controle dos conceitos, terminologias, regras e práticas dos processos econômicos globais.

. Por: Neusa Maria Pereira Bojikian, professora de Negociações Internacionais do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina.

. Por: Marcos Cordeiro Pires, coordenador geral e professor do Curso de Especialização em Negociações Econômicas e Operações Internacionais da Unesp. [Artigo já publicado no Estadão].

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