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13/02/2015 - 07:20

Após 10 anos, ainda há incompreensões na Lei de Recuperação Judicial

O artigo 64 da Lei 11.101/05 - Lei de Falências e Recuperação -, prescreve que durante “o procedimento de recuperação judicial, o devedor ou seus administradores serão mantidos na condução da atividade empresarial, sob fiscalização do Comitê, se houver, e do administrador judicial, salvo se qualquer deles”cometer qualquer das infrações previstas nos cinco primeiros incisos deste mesmo artigo ou se, conforme o Inciso VI “tiver seu afastamento previsto no plano de recuperação judicial”. Quando o legislador diz o devedor ou seus administradores está se referindo, por óbvio, às sociedades empresárias, pois só estas, e na conformidade com seus atos constitutivos, tem em seu quadro social, administradores.

Entretanto, se qualquer administrador do devedor sociedade empresária cometer qualquer das infrações previstas nos cinco primeiros incisos do art. 64 ou mesmo ter previsto o seu afastamento no plano de recuperação judicial (inciso VI), diz o § único deste mesmo art 64, de forma imperativa que: “verificada qualquer das hipóteses do caput deste artigo, o juiz destituirá o administrador, que será substituído na forma prevista nos atos constitutivos do devedor ou no plano de recuperação judicial”. Este art. 64 trata, portanto, do princípio ouassunto destituição e substituição do administrador societário.

A indispensável observação de que esta norma é cogente, ou seja, cometida qualquer das previsões dos incisos do art. 64, inclusive a do VI, a Lei, inexoravelmente, manda que o juiz destitua o infrator – o administrador. E mais, que a sua substituição decorrente da sua destituição, também dita a Lei que, necessariamente, será feita exclusivamente por uma das duas formas: a) a prevista nos atos constitutivos do devedor; ou, b) a prevista no plano de recuperação judicial. Não há, absolutamente, uma terceira forma de substituição do administrador. Também, por não ser norma dispositiva, não dá ao juiz do feito qualquer flexibilidade para ele decidir, nesta hipótese, o que lhe parecer melhor para a sociedade recuperanda.

Quanto ao outro destinatário das mesmas normas da Lei 11.101/05 - o devedor empresário (art. 1o) -, também será, durante o procedimento de recuperação judicial, mantido na condução da atividade empresarial, salvo se cometer ou infringir as mesmas regras previstas para o devedor sociedade empresária no caputdo art. 64, conforme nos explicita o art. 65, artigo este que trata exclusivamente do assuntoou princípio afastamento do empresário individual, pessoa natural, bem como daconvocação da assembleia geral de credores para deliberar sobre o nome do gestor judicial que assumirá a administração das suas atividades.

Não obstante a singularidade e o alvo específico clarificado em cada dispositivo acima analisado, deparamo-nos na grande maioria da doutrina brasileira e em diversos Tribunais de Justiça do país com entendimentos e julgamentos uniformes entre si, mas absolutamente contrários ao que diz a Lei, pois entendem que, quando se aplica o art. 64, há que se aplicar também o art. 65 da Lei 11.101/05, isto é, destituído o administrador da sociedade empresária, convoca-se assembleia geral de credores para a deliberação sobre o nome do gestor judicial; e, enquanto esta não se realiza, o administrador judicial exercerá cumulativamente suas funções com as do gestor judicial.

Desta forma, ao completar neste 9 de fevereiro de 2015 o seu décimo aniversário de criação, a Lei 11.101/05 – Lei de Recuperação e Falências, não terá, por certo, o refestelar digno de um instrumento legal que chegou, viu e venceu. Nem tanto pelos seus efeitos práticos sobre os seus destinatários, mas sim por esta sua relativa incompreensão de alguns dispositivos por quem pensa o direito e decide.

Tais incompreensões, ressalte-se, existentes desde a origem, chegam ao absurdo de se firmar posições doutrinárias desprovidas de qualquer lógica jurídica, até então não contestadas por ninguém. Ao contrário, vê-se a cada dia aumentar o número de seguidores e defensores, para a grande decepção do legislador. É que tais incompreensões da Lei nunca sofreram, segundo entendemos, qualquer enfrentamento, existindo, nos parece, uma certa comodidade por parte da grande maioria dos doutrinadores e dos julgadores que apenas repetem uma criação primeira e defendem seus pontos de vista com base nesta.

Assim, esta criação doutrinária lá nas origens da Lei 11.101/05, passou a ser, sob a nossa visão, a lei para seus seguidores e defensores, pois estes, ao invés de e quando da defesa dos seus pensamentos transcreverem os exatos termos da LRF, o fazem transcrevendo a literalidade do que escreveu esta doutrina, como se ela estivesse mesmo acima da Lei 11.101/05. Só que esta doutrina, ao transcrever o texto da Lei 11.101/05, inovou em sua redação, trazendo nela um sentido completamente diferente daquele que disse o legislador. E disso, nos parece, resultaram todos os erros, desacertos, e interpretações em desconformidade com determinados dispositivos da LRF.

Ora, a Lei, ao delegar as atribuições à Assembleia Geral de credores na Recuperação Judicial, incluiu a de “deliberar sobre o nome do gestor judicial quando do afastamento do devedor” (art. 35, I, e). De seu lado, entretanto, ao transcrever para comentar o ora citado dispositivo, essa corrente doutrinária, ao invés de fazê-lo exatamente como redigido na Lei 11.101/05, assim o fez: “eleger o gestor judicial, quando afastados os diretores da sociedade empresária requerente”.

Esta corrente doutrinária se equivocou, mas fez escola. Uma escola de como não aprender a aplicar corretamente os artigos 64 e 65 da Lei 11.101/05, pois, ao afirmar que os punidos com o afastamento seriam os diretores da sociedade empresária, contrariando a literalidade da Lei que diz “...quando do afastamento do devedor”, referindo-se, à obviedade, ao empresário individual, pessoa natural, levou atrás de si outros doutrinadores e muitos julgadores de muitos Tribunais de Justiça por este Brasil afora. Lamentavelmente!

O legislador, ao referir-se a afastamento do devedor, cuida tão somente do princípio ouassunto previsto no art. 65, ou seja, a punição que o empresário individual, pessoa natural, sofre por ter infringido qualquer das regras previstas no caput do art. 64, inclusive a prática do Inciso VI. E ainda, porque a deliberação da Assembleia Geral de Credores para a escolha do gestor judicial, só faz sentido quando do afastamento do empresário individual, que não tem substituto, é só, é, como diz a lei, o titular, não tendo sequer administrador para gerir seus negócios. Ele é afastado, estando implícito nesta palavra, o significado de temporariedade, pois o seu retorno ao comando das suas atividades é um imperativo natural, até mesmo porque ele não foi dela desapropriado.

Os seguidores e defensores desse pensamento, acreditamos, devem debitar aos seus equívocos interpretativos a falta de observância das regras ditadas pela Lei Complementar número 95, de 26 de fevereiro de 1988, que “dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do artigo 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos administrativos que menciona”.

Tratando da articulação e da redação das Leis, a partir do seu artigo 10, a Lei Complementar número 95/1998 diz em seus Incisos I e II, que a unidade básica de articulação será o artigo, e que este, desdobrar-se-á em parágrafos ou em incisos; os parágrafos em incisos, os incisos em alíneas e as alíneas em itens. Já o art. 11 determina que “as disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica...”, significando esta última que tem-se que “restringir o conteúdo de cada artigo da lei a um único assunto ou princípio”, e que se deve“expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida” (Inciso III, alíneas b e c).

Interessante as lições do Professor Sylvio Motta (é professor da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro (Emerj) e diretor do curso Companhia dos Módulos), extraídas de seu extraordinário artigo publicado no Boletim de Notícias Conjur, de 12 de junho de 2009, sob o título “Para entender a lei, é preciso saber como ela foi escrita”. Após estabelecer alguns parâmetros sobre técnicas de redação e interpretação legislativa e demonstrar, que formalmente, os textos legais serão articulados com observância de diversos principios, o Professor Sylvio Motta diz:

“Estabelecidos estes conceitos, convém entender como se deve estudar um artigo de uma lei. O artigo é a menor porção de uma lei que ainda guarda as suas características. Sendo assim, a forma correta de interpretar um artigo é concêntrica e não linear, ou seja, deve-se entender que o centro orbital de um artigo é o seu caput, tudo o circunstância: os parágrafos, incisos, alíneas e itens que porventura o integram. Assim, a interpretação exige certo grau de abstração do intérprete para que, em uma visão espacial mais acurada, compreenda que os parágrafos, por exemplo, são subdivisões do assunto do caput, enquanto os incisos são exemplificações do assunto do parágrafo ou do próprio caput; já as alíneas são enumerações (quase sempre taxativas) do conteúdo dos parágrafos; e, finalmente, os itens são enumerações do assunto que está na alínea. Dessa forma, a compreensão do artigo se torna mais fácil uma vez que o estudante já consegue entender quais foram os parâmetros formais que nortearam a sua redação”.

Por certo, os seguidores e defensores desta doutrina não obedeceram os mandamentos da LC 95/1998, e tampouco aprenderam as lições do Professor Sylvio Motta.

. Por; Renaldo Limiro, advogado, autor das obras jurídicas “Recuperação Judicial de Empresas”, da AB Editora, e “Manual do Supersimples”, da Editora Juruá, fundador do escritório de advocacia empresarial Renaldo Limiro Advogados Associados e membro da Acad Academia Goiana de Direito

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