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01/04/2015 - 09:39

Barebacking: direto na pele

Em qualquer conversa sobre sexo, é muito pertinente iniciar uma discussão, seja ela qual for - desde fetiches, até um modesto e eficiente ‘papai e mamãe’ -, considerando-se um princípio que vale tanto para as práticas, quanto para a vida: deve ser prazeroso, gostoso e o meu prazer não deve sucumbir, desqualificar, ameaçar, ou ser impositivo ao outro. Nas entrelinhas, sexo não deve ser goela abaixo, em sentido figurado. Até mesmo para um ‘escravo’, que, diante de seu dominador, fica à revelia de seus desejos, há um acordo.

O bareback é a prática de relações sexuais sem o uso de preservativo. O termo foi criado pelos cowboys (vaqueiros, em tradução livre) dos Estados Unidos e significa "montar sem sela". Baseados nas competições de montaria, alguns o fazem sem o equipamento, tendo contato direto com os pêlos do animal. Daí a referência ao ato ‘direto na carne’, sem métodos preventivos. Na década de 80, o hábito começou a ser difundido e, dez anos depois, já era considerado “popular”, revelando adeptos em outros países, fora da nação norteamericana.

Para reunir pessoas com o mesmo interesse, são promovidas diversas festas, também conhecidas como Barebacking Parties. Logo na entrada, existe a informação de que o preservativo não é admitido. No Brasil, tais eventos ainda são tímidos, mas começaram a atrair, cada vez mais, a atenção de quem gosta de “pele na pele”.

A principal encarregada de angariar convidados é a internet. Blogs foram surgindo para incentivar a prática e são usados como portais de comunicação para as “comemorações”. Acontece que, independentemente dos motivos que levam as pessoas a não usar camisinha, é impossível não trazer à tona a discussão sobre a contaminação do HIV.

A partir de tais eventos, teve início um movimento conhecido como “clube do carimbo”. Trata-se de pessoas autointituladas “carimbadoras”, que são as portadoras ou transmissoras do vírus. Inclusive, este é o principal propósito. Há páginas na internet que explicam os procedimentos e incentivam os praticantes mais antigos a buscarem novos membros.

Em festas de “conversão”, bug chasers (“procuradores do vírus”, em tradução adaptada) não possuem HIV, mas se dispõem ao sexo sem camisinha. O objetivo é encontrar um gift giver, ou carimbador, em português, para ser contaminado. Exatamente: os soropositivos “entregam” o presente, que seria o vírus. Festas de roleta-russa misturam positivos e negativos.

Inicialmente, qualquer reflexão sobre o assunto deve deixar de lado a hipocrisia. Além disso, devemos nos afastar de nossos próprios julgamentos, para não estagnar no imediatismo de demonizar ou glamourizar o barebacking.

Em primeiro lugar, não existe um termo para heterossexuais que não usam camisinha. Diga-se de passagem, o uso não é uma unanimidade. Aparentemente, quando o resultado final é uma gravidez indesejada e não a contaminação pelo HIV, a falta do preservativo é minimizada.

Em segundo, a escolha de transar sem camisinha é individual e os adeptos relatam uma sensação de liberdade plena, que vai desde a intensidade do prazer, até mesmo à autonomia de não sentir medo do HIV. Cabe um esclarecimento, porém: nem todo barebacker é “carimbador”.

Preferir se infectar a viver na expectativa ou na iminência de contrair a doença faz com que muitos abram mão dos cuidados e se permitam flertar com a possibilidade. Se nada acontecer, o sentimento é de triunfo. Um descompromisso que é resultado de uma equivocada concepção de minimizar os efeitos do vírus.

Ignorar os malefícios do HIV é alienar-se diante de uma dura realidade. Simplificar algo que merece atenção e conhecimento, pois se trata de uma doença limitadora e, mesmo com os avanços de medicamentos, ainda não se fala em cura.

Casos como o dos “carimbadores”, ou a imagem destrutiva por trás das festas de barebacking, agravam e estigmatizam ainda mais os soropositivos. Vale recordar que eles já sofrem muito preconceito por sua sorologia. A desinformação e a polêmica são ingredientes suficientes para a sociedade alimentar seus monstros.

Fato é que, apesar de tudo, a autonomia deve ser respeitada. Os praticantes, sabendo da proposta do barebacking, se entregam às suas fantasias. O que está por trás disso? Provavelmente, vai além do nosso julgamento. E é muito difícil nos abstermos dele, uma vez que, naturalmente, é fácil atribuir ao outro o que não aceitamos em nós mesmos.

. Por: Breno Rosostolato, psicólogo e professor da Faculdade Santa Marcelina (FASM).

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