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26/01/2008 - 10:40

A política externa chinesa e as parcerias com o Brasil

A própria ascensão chinesa e a sua crescente presença nas mais variadas questões da grande agenda das relações internacionais fez com que a China passasse a ser detectada com mais freqüência na “tela de radar” da política externa brasileira. Numa visão mais específica, passou a haver uma crescente percepção recíproca de que os objetivos de política externa, tanto da China, quanto do Brasil, eram, em grande medida, ou coincidentes, ou compatíveis. Do ponto-de-vista chinês, o propósito de “correta inserção no sistema internacional” a leva a buscar novas parcerias e eventualmente aliados em questões de interesse prioritário para a República Popular da China, como é o caso de Taiwan, ou o tratamento da questão dos direitos humanos no âmbito das Nações Unidas.

Do ponto-de-vista do Brasil, a já assinalada presença crescente chinesa a torna, ipso facto, um interlocutor cada vez mais freqüente no que diz respeito à atuação internacional do Brasil. Além disso, o desempenho chinês no plano econômico tem afetado substantivamente, e em geral de forma positiva, o próprio desempenho da economia brasileira. Por sua dimensão e taxa de abertura, a China hoje contribui decisivamente para dar o tom da economia global: pressiona para baixo os custos dos produtos industrializados que produz em grande escala, mantém elevados os preços dos produtos que importa maciçamente (sobretudo commodities agrícolas, minerais e petróleo, cujas exportações têm sido decisivas para manter superavitário o setor externo da economia brasileira) e contribui decisivamente para manter baixas as taxas internacionais de inflação e de juros.

O outro aspecto importante, que também tem a ver com a política externa chinesa e com o Brasil, é a chamada globalização, que hoje é certamente o pano de fundo mais importante a modular as relações internacionais. A China, ao suscitar a questão de sua “correta inserção no sistema internacional” demonstrou ter um perfeito entendimento do fenômeno globalização e das oportunidades nele contidas. Um ponto importante, que tem a ver com uma das características mais importantes da globalização, é a internacionalização do processo produtivo, tão mais importante quanto maior o valor agregado do produto final.

Assim, a China, que na época de Mao buscava a auto-suficiência a qualquer custo, promoveu uma substancial abertura de sua economia, permitindo a importação maciça de bens de capital e outros insumos industriais e a implantação no país de um setor industrial moderno e competitivo, aproveitando as vantagens comparativas de sua mão-de-obra barata e extremamente abundante. A China hoje exporta muito porque importa muito (o saldo comercial chinês é, como proporção de suas exportações, inferior ao saldo comercial brasileiro). A industrialização brasileira, por seu turno, partiu historicamente de um enfoque oposto ao que presidiu a moderna industrialização chinesa. O grande esforço brasileiro de criação de um parque industrial baseou-se essencialmente na chamada substituição de importações, implantando-se indústrias voltadas para o atendimento do mercado interno, muito verticalizadas e amparadas por forte protecionismo tarifário e nãotarifário.

O processo foi bem sucedido enquanto motor inicial da industrialização brasileira, mas o seu esgotamento foi acelerado pelo surgimento do fenômeno da globalização, que colocou em evidência a questão da competitividade em mercados menos protegidos (a própria internacionalização dos processos produtivos, já aludida, retirou em grande medida a eficácia do protecionismo tradicional como instrumento de proteção da indústria nacional).

A China entendeu, portanto, talvez mais do qualquer outro país, os desafios e as oportunidades representadas pelo fenômeno da globalização. A sua presença cada vez mais atuante no cenário internacional, por sua vez, também criou, ela própria, oportunidades e desafios para os seus parceiros, dentre os quais o Brasil. A ascensão chinesa gerou uma grande onda de oportunidades e de prosperidade, mas também criou alguns “perdedores”, na forma de concorrentes de outros países, deslocados de seus mercados tradicionais, domésticos e de exportação, pela impossibilidade de fazer frente à avassaladora competitividade chinesa.

Hoje, a presença chinesa no mundo representa mais do que o surgimento de uma nova potência econômica. O processo que estamos hoje a assistir só tem paralelo na história contemporânea na ascensão dos Estados Unidos da América no final do Século XIX e início do Século XX. Diz-se que o Século XXI será o século da Ásia – provavelmente será especialmente o século da China. O Brasil, na sua circunstância de grande país emergente deverá estar em condições de articular mecanismos que lhe permitam aproveitar as oportunidades criadas pela expansão chinesa. A China não deve, portanto, ser vista como uma ameaça ao Brasil, ainda que, como já mencionado, a expansão comercial chinesa tenha criado alguns “perdedores” pelo mundo afora. O importante, no caso, é reconhecer que a única resposta possível a essas “ameaças” chinesas é a das políticas públicas de reforço da competitividade estrutural, e não cair na tentação de soluções simplistas de adotar medidas protecionistas, de resto ineficazes no mundo de hoje.

Uma agenda de oportunidades - Do ponto de vista do Brasil, a política exterior chinesa possibilita a criação de amplos espaços para o desenvolvimento de parcerias bilaterais. É possível identificar uma série de setores onde já existe uma complementaridade bem assentada entre as duas economias. Há, por exemplo, de um lado, a abundância de recursos naturais do Brasil, no setor mineral, na agropecuária ou em matéria de energia; de outro, a demanda chinesa, somada à grande disponibilidade de capital e à disposição, amplamente declarada, de aumentar a internacionalização de suas empresas. Há, portanto, um cenário propício a empreendimentos conjuntos e, o que é muito importante, a possibilidade de evoluir de um modelo em que a China se limita a comprar nossos produtos primários para um cenário onde investimentos chineses no Brasil levem a que uma maior parte da cadeia processadora desses produtos seja feita aqui, incluindo a possibilidade de melhorar a infra-estrutura de transporte, de armazenagem e de sua comercialização no mercado externo. Com isso, ficariam atendidos a demanda brasileira de agregar mais valor à sua pauta exportadora e o interesse chinês em assegurar o suprimento de produtos que consideram estratégicos.

Outro campo de parceria que se apresenta promissor é o da atuação conjunta em terceiros mercados. Brasil e China atribuem elevada prioridade ao relacionamento com a África, seja como fonte de insumos essenciais para ambas os países, seja como potencial mercado consumidor para os seus produtos. A China dispõe, evidentemente, de maiores recursos de investimento e de capacidade de mobilização das lideranças africanas; a realização em 2006 da cúpula sino-africana em Pequim foi uma inequívoca demonstração nesse sentido.

Foram 54 chefes de estado e de governo que compareceram à capital chinesa, na expectativa de serem bem aquinhoados com recursos dos multibilionários fundos para investimentos em projetos de infra-estrutura no continente africano. No que se refere à presença brasileira em África, cabe destacar as relações especialmente próximas com os países de língua portuguesa e com alguns países da costa atlântica, “vizinhos de alémmar”.

O fato de a África ter tido um papel fundamental na formação da sociedade brasileira constitui sem dúvida um aspecto importante para o estabelecimento de mecanismos de cooperação com aqueles países. É lícito concluir, portanto, que há uma grande potencialidade de ação conjunta sino-brasileira no continente africano, que aliaria a capacidade de atuação e a proximidade cultural dos brasileiros à abundância dos recursos financeiros e tecnológicos de que dispõe a China.

. Por: Luiz Augusto de Castro Neves, embaixador do Brasil em Pequim desde outubro de 2004, graduado em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em ciências econômicas pela London School./ CEBC

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