Página Inicial
PORTAL MÍDIA KIT BOLETIM TV FATOR BRASIL PageRank
Busca: OK
CANAIS

14/04/2015 - 08:16

Os urros dos Deuses

Comprende-se que os defensores do governo queiram enodoar as manifestações das ruas. Fingem não compreendê-las ou as interpretam a seu gosto: golpe, ditadura militar, atentado à Constituição (que o PT se negou a subscrever), movimento desarvorado, sem objetivos, marcha com Deus pela família, por Deus (em vão) e pela propriedade etc.

A verdadeira essência das marchas populares é que o não interessa pôr a céu aberto: o inconformismo extremo com a atual governança do país. A vida continuará sob erros e malfeitos, a suportar por mais quase quatro anos. Os manifestantes, contudo, estão cansados e anseiam por não sofrer, ainda mais, por tanto tempo. Obviamente, as faixas e cartazes são meros indicativos. Os governistas, porém, se pronunciam como se as ruas devessem ser uma academia de política, capaz de convencê-los de suas diatribes, que nos têm conduzido aos confins de um buraco negro.

A mitologia dos antigos foi um irrepetido curso de humanidades. Pena que os mitos, hoje, não sejam deuses ou heróis, mas meros camelôs, a vender mercadorias por meio de propagandas enganosas.

Os Deuses não saíam às ruas, protestavam pelos céus. Desencadeavam batalhas tonitruantes, sem especificar o por quê. Simplesmente, as coisas não corriam a seu agrado. Uma mínima dissidência estremecia o universo. Aos heróis cabia, depois, acalmar os Deuses.

Os uívos divinos eram ensurdecedores. Expressavam o descontentamento, as frustrações, as discordâncias, não apresentavam propostas; o importante era mostrar que as coisas estavam erradas, não deveriam ser como eram. Heróis e homens que cuidavam da terra que procurassem tomar consciência. Acordar.

Um dos primeiros gritos foi do Deus Céus, desafiado por Saturno. Ao ser vencido, o grito da derrota abalou toda a abóboda celeste. Seguiu-se Saturno desafiado por Júpiter, aquele com os Titãs, que corriam pelo espaço emitindo sons atemorizantes, estrondos que ecoavam de seus carros de guerra. "Enterravam suas unhas duras e compridas como gigantescas pás de bronze até as profundezas do solo, para dali arrancarem pela raíz, com pavoroso estrondo, montanhas inteiras, que arremessavam em seguida contra os deuses olímpicos." (Excelente "As 100 melhores histórias da mitologia", de A.S.Franchini e Carmen Seganfredo). Mas, Júpiter os encarou, com seus hecatônquiros, cujas cento e cinquenta bocas os sepultaram sob escombros. Um urro colossal atroou todo o Universo. Júpiter venceu, sem programa para instaurar a paz celestial.

Desde sempre o homem protesta. Amiúde é manipulado. Ao fim e ao cabo, frustra-se. Só por essa possibilidade, um povo há décadas enfurnado em suas casas, agiria mal quando um milhão de pessoas tomam a avenida Paulista. Claro, um partido que tudo prometia, que começara a história brasileira, senhor absoluto da ética, agora só lhe resta bramir como os deuses vencidos.

As passeatas só não querem continuidade do governo e exprimem de diversas formas a vontade soberana do povo. Não há como atingir-se 2016 sob tais condições. O emaranhado labiríntico da economia e das finanças públicas não será removido com o melhor dos ajustes fiscais imagináveis. A questão é inquestionavelmente política, na base da qual mora a credibilidade.

Não pode um advogado cuidar de interesses de quem nele não deposita confiança. O Estatuto da Advocacia orienta o advogado a renunciar ao mandato, sempre que sentir quebra de confiança do constituinte. A Presidente Dilma Roussef deve saber que o caminho de sua jornada ficou inviabilizado. Salvo se o poder, capaz de obnubilar as consciências, tenha reservado à Presidente o destino atroz dos deuses vencidos em combate.

. Por: Amadeu Garrido de Paula, advogado especialista em Direito Constitucional, Civil, Tributário e Coletivo do Trabalho.

Enviar Imprimir


© Copyright 2006 - 2024 Fator Brasil. Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Tribeira