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Crise agrícola: saída à vista, herança a prazo


Agroconsult analisa fluxo de renda e estoque de dívidas agrícolas para traçar os rumos da agricultura.

A nova safra de grãos deverá revelar um quadro bem mais promissor que o dos últimos anos, segundo análise da Agroconsult. A forte queda nos custos de produção e a recente recuperação dos preços internacionais da maioria dos produtos agrícolas apontam para um ano de lucros. Nas regiões Sul e Sudeste, com logística privilegiada, as margens esperadas são alentadoras. Em boa parte do Centro-Oeste e nos Cerrados do Nordeste, os produtores de grãos também devem voltar a ter lucro.

No Mato Grosso, onde a logística precária e a ferrugem asiática prejudicam a competitividade da soja, espera-se que a maioria dos produtores alcance ao menos o equilíbrio. As perspectivas de que tenha se encerrado o processo de valorização do Real, maior vilão da agricultura nos últimos anos, e de que tenha continuidade a trajetória de queda da taxa de juros ajudam a trazer a confiança de que o pior já passou.

“A grande questão a ser respondida é se a nova fase positiva será sustentável. Para chegar a uma conclusão é preciso entender o processo que levou da euforia à crise e seus desdobramentos no agronegócio. Deve-se ainda avaliar os cenários para os próximos anos, com ênfase aos desdobramentos da intervenção estatal ou não na solução da questão do endividamento”, explica André Pessôa, sócio-diretor da Agroconsult.

A Agroconsult separou nesta análise o fluxo de renda e o estoque de dívidas. O fluxo de renda da agricultura brasileira, segundo a consultoria, vai melhorar bastante em 2007 e marcar o início de um novo ciclo de crescimento. Porém, o estoque de dívidas contraídas e o caminho escolhido para seu saneamento vão determinar a extensão e a intensidade da nova fase de crescimento e se, de fato, a crise e seus efeitos estarão superados.

Quando os preços internacionais de vários produtos agrícolas importantes, em especial a soja, começaram a ceder no segundo semestre de 2004, os termos de troca da agricultura brasileira passaram a se deteriorar rapidamente, pois a pressão de alta dos custos, em processo desde 2002, deixou de ser compensada por cotações generosas nas bolsas internacionais. Clima ruim e doenças minando a produtividade, de um lado, e preços em queda com custos em alta minando os termos de troca, de outro, impuseram uma retração sobre o poder de compra dos produtores de soja para um terço do registrado em 2004.

Não foi apenas a forte valorização do câmbio entre 2003 e 2006 que determinou a crise de renda de 2005 e 2006. Mas o que fez o câmbio ser apontado como o vilão da crise foi a ocorrência por dois anos consecutivos de forte valorização entre o período de compras de insumos, entre maio e outubro, e a época de liquidação dos compromissos após a colheita, entre março e junho.

“A conseqüência da combinação de tantos fatos negativos foi uma crise sem precedentes que impôs perdas a todo o agronegócio. A renda agrícola despencou, com prejuízos em quase todas as cadeias agroindustriais, com exceção de cana-de-açúcar, café e laranja que, graças a níveis muito baixos de estoques internacionais, apresentaram preços suficientemente altos no período para evitar entrar em crise”, esclarece André Pessôa.

Números -Nos últimos dois anos, a área plantada com grãos caiu 3,9 milhões de hectares e os mercados de insumos entraram em marcha à ré. As vendas de fertilizantes, que alcançaram 22,8 milhões de toneladas em 2004, devem alcançar apenas 20,5 milhões de toneladas em 2006. O faturamento do setor de defensivos chegou a US$ 4,5 bilhões em 2004 e deve recuar para menos de US$ 3,5 bilhões em 2006.

O setor de máquinas agrícolas, que atingiu vendas de 29,2 mil tratores e 5,6 mil colheitadeiras em 2004, teve queda de 38,5% e 72,6%, respectivamente, em 2005. Em 2006, até outubro, houve crescimento de 8,4% na venda de tratores e nova queda, agora de 44,3%, na de colheitadeiras. O crescimento das vendas de tratores está concentrado em São Paulo, em função do boom no mercado sucroalcooleiro, e no Rio Grande do Sul, onde há fortes ações do governo em agricultura familiar. No Centro-Oeste, as vendas de tratores seguem caindo (-3,7%).

Vendas em declínio, queda no faturamento e margens achatadas não foram os únicos nem os maiores problemas das agroindústrias. As taxas de inadimplência atingiram níveis recordes. A incapacidade de saldar dívidas deflagrou uma crise nas regiões agrícolas do país que se estendeu aos demais setores da economia, com reflexos negativos sobre a indústria e o comércio.

Os produtores contraíram dívidas de diversas naturezas e com diversos credores. Segundo levantamento recente da Agroconsult realizado para a ANDA (Associação Nacional de Difusão de Adubos e Corretivos), as dívidas dos produtores referentes às safras 2004/05 e 2005/06 junto as empresas fornecedoras de insumos e tradings, ainda não saldadas até 30/09/2006 ou postergadas para serem pagas com as safras futuras, são de R$ 7,2 bilhões e estão concentradas nas regiões Centro-Oeste (57% do total) e Sul (23%), e nas lavouras de soja (71,1%), algodão (11,6%) e milho (9,6%).

As dívidas de custeio junto aos bancos foram prorrogadas por decisão do governo, sendo pagas pelos produtores apenas a partir de 2007, em até cinco anos. Isso deve significar a rolagem de pelo menos R$ 8,90 bilhões, a maior parte pelo Banco do Brasil. Até novembro, os produtores transferiram para o FAT-Giro Rural pelo menos R$ 2,0 bilhões de dívidas junto aos bancos.

Já as dívidas de investimentos, principalmente em máquinas e implementos agrícolas (atreladas aos convênios MAPA-BNDES) tiveram vencimentos prorrogados em 2005 e 2006, totalizando R$ 7,85 bilhões. Restam ainda dívidas dos produtores contraídas junto aos fundos constitucionais (FCO, FNE e FNO), cujas parcelas de 2005 e 2006 foram prorrogadas.

Um fato positivo para a safra 2006/07 foi a forte redução nos custos de produção, especialmente em fertilizantes e defensivos, em boa parte devido à retração da demanda. Os preços dos adubos caíram mais de 20% graças a reduções de preços de matérias-primas no mercado internacional, fretes marítimos e demurrage em queda. A restrição de crédito para vendas a prazo de defensivos, forçando descontos nas vendas à vista, a forte presença de genéricos e o avanço da soja transgênica fizeram os preços em dólar recuar mais de 30%. Os preços internacionais de grãos e oleaginosas estão em alta novamente, pressionados pelo impacto do crescimento da demanda por biocombustíveis.

Rentabilidade - A combinação entre queda de custos de produção e recuperação dos preços em curso vem melhorando as expectativas de rentabilidade para a safra 2006/07, conforme a Agroconsult. No entanto, há diferenças significativas no nível de rentabilidade a ser alcançado em diferentes regiões do país, como aponta André Pessôa. Em 2007, para a média dos produtores de soja do Rio Grande do Sul, Paraná e Goiás, a geração de lucro voltará a ser significativa, mas no Mato Grosso ela acontece timidamente. “Nesse estado, apenas os produtores com produtividades muito altas ou com um ótimo desempenho em comercialização devem conseguir gerar receitas suficientes para cobrir todo o custo operacional e ainda amortizar as pesadas dívidas que vencem no próximo ano”, afirma.

Além disso, o processo de recuperação do crescimento da agricultura se dará de forma diferenciada entre as diversas regiões do país, em função das dívidas acumuladas e postergadas em cada região nos próximos anos. Para a maioria dos estados, 2007 e 2008 devem representar anos de transição, em que as boas rentabilidades alcançadas permitirão colocar as contas em ordem e preparar o terreno para nova fase de investimentos e expansão a partir de 2009.

Essa situação aponta para uma mudança significativa no padrão de financiamento da agricultura. O sistema de vendas com prazo safra, operado pelas indústrias de fertilizantes e defensivos e seus canais de distribuição, será cada vez mais direcionado para trocas do tipo “pacote fechado”, via tradings. Segundo André Pessôa, estas têm maior poder de recuperação de créditos, já que contam com garantias mais fortes (penhor da safra) e um melhor sistema de acompanhamento da colheita e comercialização de grãos. Esse caminho limitará a quantidade de crédito colocado à disposição dos produtores às necessidades de compra antecipada das tradings.

O acirramento da competição entre cana-de-açúcar, em crescimento acelerado, e agricultura de grãos, que voltará a ser bastante lucrativa, pode trazer uma explosão de preços de terra, o que de certa forma limitará os investimentos em expansão de escala de produção no Sul e Sudeste. As indústrias de fertilizantes, defensivos e máquinas agrícolas devem sentir em suas vendas nessas regiões um impulso muito menor que o verificado entre 2000 e 2004.

Em contrapartida, pode-se esperar que cidades que vivem da renda agrícola nessas regiões sofram reflexos positivos em suas outras atividades econômicas. Se os produtores não ampliarem seus investimentos na atividade rural, em função dos altos custos da terra, os lucros tenderão a migrar para a construção civil e o comércio. Pode-se esperar um novo impulso ao padrão de vida já elevado das cidades do interior do Sul e Sudeste do país.

Já na região Centro-Oeste e nos Cerrados do Nordeste, pode-se aguardar um processo lento de superação da crise, se não houver uma intervenção estatal que promova um novo alongamento do perfil do endividamento. Para André Pessôa, o caminho natural seria que os produtores mais capitalizados, que sobreviveram à crise e apresentam um grau de endividamento ainda administrável, passassem lentamente a assumir os negócios dos produtores insolventes. “Já se percebeu essa tendência no plantio da safra 2006/07. Essa dinâmica pode se estender por dois ou três anos e determinar apenas a ocupação das áreas que já haviam sido abertas até 2004 e que ficaram em pousio ou foram reconvertidas para pastagem nos últimos dois anos de crise”, complementa.

Essa alternativa de solução de crise, via mercado, trará reflexos pouco atraentes às cidades que tradicionalmente dependem da agricultura no Centro-Oeste e nos Cerrados do Nordeste. Sem ampliação de área plantada não há movimento na construção civil, o comércio não cresce, já que basicamente vive de vendas de máquinas e implementos, insumos agrícolas e da prestação de serviços aos produtores rurais, e não serão atraídas as agroindústrias que também geram empregos e renda. A tendência é de estagnação econômica dessas cidades e, por conseqüência, dos estados onde a agricultura é o setor dinâmico da economia.

Algumas alternativas de intervenção do governo podem ser estudadas, na avaliação da Agroconsult, porém deve-se reconhecer que os problemas são regionalizados, concentrados em grãos e no Centro-Oeste, particularmente no Mato Grosso e Goiás. “Deve-se evitar que uma solução mais generosa que crie vantagens para os produtores dessas regiões não seja automaticamente estendida para as demais regiões, onde o pagamento futuro das dívidas pode e deve acontecer sem necessidade de novas ajudas do governo”, diz o consultor. A regionalização de políticas públicas não é uma novidade: a prorrogação das dívidas dos produtores dos estados do Sul atingidos pela seca em 2005 e a destinação de recursos para amparo à comercialização da soja da safra 2005/06, com fortes subsídios aos produtores do Centro-Oeste são dois exemplos.

A maneira de evitar a generalização de soluções regionais e ao mesmo tempo impedir que os inadimplentes sejam premiados, em detrimento daqueles que vêm pagando as contas em dia, é através da concessão de bônus de adimplência para esses últimos. Mas a intervenção ou não do Governo e o tipo de intervenção a ser escolhido determinará o ritmo da recuperação da área plantada e da produção agrícola e a intensidade de seus efeitos sobre a renda agrícola e nas indústrias ligadas diretamente à agricultura. “A capacidade do governo em realizar um ajuste fino, entre a intervenção de curto prazo e os avanços nas mudanças estruturais de longo prazo, é que determinará se a próxima fase de rentabilidades positivas será o início de um período de desenvolvimento sustentado da nossa agricultura’, finaliza André Pessôa.

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