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12/06/2015 - 08:17

Críticas ao projeto do novo Código Comercial

A questão dos shopping centers e o direito ao ponto dos lojistas.

O Projeto de Lei n.º 1.527 de 2011, que tem por objetivo instituir o novo Código Comercial brasileiro, apresenta diversas inovações relevantes no que diz respeito a questões empresariais atuais.

Infelizmente, as novidades trazidas às relações entre empreendedores e lojistas de shopping centers são negativas sob o ponto de vista dos inquilinos.

Ao longo de aproximadamente três anos de tramitação junto ao Congresso Nacional, os conceitos não mudaram: a intenção é restringir o acesso dos lojistas à ação renovatória de contrato de locação, dando ao empreendedor do shopping center o poder de decidir quem fica e quem sai do centro comercial.

O artigo 106 do Projeto permite ao empreendedor do centro comercial extinguir a ação “sempre que a permanência do locatário tornar-se prejudicial à adequada distribuição de oferta de produtos e serviços no complexo comercial”.

Já a versão apresentada no parecer do Deputado Décio Lima, para além de manter esta restrição (exigindo apenas que o empreendedor comprove que o despejo do inquilino é necessário em razão de “tendências” em shopping centers concorrentes), piora a situação do lojista, ao permitir que o locador limite ou proíba a utilização daquele processo judicial por meio de disposições inseridas no contrato de locação.

Mais especificamente, e segundo aquela versão do Projeto, o empreendedor do shopping center pode recusar a renovação quando a atividade empresarial do lojista prejudicar o centro comercial como um todo, desde que demonstre este fato por meio de “elementos objetivos, como comparativos de faturamentos aferidos ou a demonstração de consolidação de tendências em shopping centers ou centros comerciais concorrentes”.

Analisaremos, em primeiro lugar, a possibilidade de o empreendedor restringir ou limitar o direito à renovação compulsória do contrato de locação, para então tratar da possibilidade de haver a recusa à renovação em razão de “tendências” de mercado.

A ação renovatória de contrato de locação é um direito duramente conquistado pela sociedade brasileira, que visa preservar o patrimônio do empresário, consistente em seu ponto comercial. O legislador brasileiro, assim como a doutrina especializada, há tempos reconhece a fragilidade do inquilino diante do locador, em se tratando de relações comerciais – trata-se de uma proteção legal estabelecida desde a época da Lei de Luvas, o Decreto 24.150/1934.

É exatamente em razão destes motivos que a atual Lei do Inquilinato proíbe terminantemente qualquer disposição contratual que afaste a renovação compulsória do acordo locatício, ou que imponha obrigações em dinheiro para tanto. O empresário que ocupe um imóvel comercial, em vias públicas ou em shopping centers, terá este direito desde que atenda aos requisitos legais, sendo inadmissíveis outras restrições por parte do locador.

Neste sentido, a atual Lei do Inquilinato apresenta perfeita sintonia com a Constituição Federal, que prevê a proteção ao direito de propriedade, e com o Código Civil, que reconhece o instituto do estabelecimento comercial. Efetivamente, o estabelecimento comercial, composto por todos os bens organizados para o exercício da atividade empresarial, é em si um bem, a ser juridicamente tutelado e protegido.

É pacífico na doutrina e na jurisprudência, por outro lado, que entre os bens necessários ao exercício da atividade empresarial encontra-se o imóvel em que tais atividades são exercidas. E sendo este imóvel alugado, o ponto comercial, ou direito à locação comercial, integra o estabelecimento.

É neste sentido que entendemos que o atual projeto do novo Código Comercial representa um verdadeiro retrocesso à atividade empresarial, sob o ponto de vista dos empresários atuantes em shopping centers.

Os autores do Projeto de Lei n.º 1.527, com o devido respeito, parecem ter ignorado a importância social e econômica do ponto comercial, assim como a fragilidade do lojista (que frequentemente não pode deixar de contratar a locação, por razões de ordem econômica) em face do empreendedor de shopping centers (que impõe as condições contratuais que mais lhe interessam, por meio de contratos-padrão ou com base nas normas gerais do centro comercial).

Não é razoável ou correto permitir ao locador que limite a ação renovatória para além das restrições legais existentes, que já impõem ao inquilino que, para exercer este direito, possua um contrato escrito de ao menos cinco anos, exerça a mesma atividade econômica há no mínimo três anos, e cumpra corretamente o seu acordo de locação. O texto do Projeto ensejará a criação de limitações e restrições contratuais de toda a natureza nos acordos de locação em shopping centers, em detrimento do estabelecimento comercial duramente desenvolvido pelo inquilino ao longo de anos de trabalho, e fere o direito à propriedade, garantido na Constituição Federal.

Apenas em razão destes motivos, ressaltamos, é possível afirmar que o texto em discussão pode ser tachado de inconstitucional: de fato, beira o absurdo que o novo Código Comercial, que supostamente visa facilitar a atividade empresarial no País, desequilibre desta maneira as relações entre locador e inquilinos de shopping center, gerando um nível de insegurança jurídica que fatalmente diminuirá as contratações desta espécie de locação.

A situação acima descrita é agravada pelo dispositivo, fixado no Projeto de Lei n.º 1.527, segundo o qual o empreendedor poderá recusar a renovação compulsória do acordo locatício em razão de suposta “inadequação” da atividade comercial desenvolvida pelo lojista (“sempre que a permanência do locatário no local tornar-se prejudicial à adequada distribuição de oferta de produtos e serviços no complexo comercial”).

Oras, foi o empreendedor quem escolheu o lojista, e foi o empreendedor quem permitiu o exercício da atividade empresarial desenvolvida por seu inquilino. O texto do Projeto, nos termos propostos, literalmente permite ao locador que “mude de ideia” quanto à conveniência de manter seu locatário, supostamente tendo em vista o bem maior do shopping center – e isto, ressalte-se, sem que o inquilino tenha cometido qualquer ofensa ao contrato de locação.

Ou seja, o empreendedor pode destruir o ponto comercial do lojista com base em supostas “tendências em shopping centers ou centros comerciais concorrentes”, conforme consta no texto apresentado no parecer do Deputado Décio Lima.

Mas em que consistem, afinal, estas “tendências”, que permitem a desintegração de um estabelecimento comercial construído ao longo de anos? Estas “tendências” podem ser aplicadas diretamente de um shopping center a outro? Como saber se um centro comercial é ou não concorrente de outro? Proximidade? Nível econômico médio do público consumidor? Faturamento?

O Projeto de Lei n.º 1.527 não entra nesses detalhes e, na prática, coloca uma arma na mão do empreendedor do shopping center: ele poderá extinguir a ação renovatória e despejar seu inquilino com base em “tendências”, sob a alegação que a atividade comercial ali exercida não interessa mais ao seu centro comercial (e tal atividade, não custa recordar, interessava e muito quando da assinatura do contrato de locação, há alguns anos atrás...).

O empreendedor terá a possibilidade de alavancar seu centro comercial às custas do esforço dos lojistas e, quando não mais lhe convir, despejá-los, mesmo que sejam bons inquilinos, e mesmo que estejam já há muitos anos trabalhando pelo bem do shopping center. E isto sem que se mencione, em momento algum, a possibilidade de indenização pela extinção de um estabelecimento comercial produtivo.

Vale insistir neste ponto: entendemos ser inconstitucional o texto normativo que permita a extinção de um estabelecimento comercial produtivo, mesmo que em benefício do shopping center como um todo, sem que se estabeleça indenização prévia, justa e em dinheiro. O texto do Projeto, tal como se encontra, fere o direito constitucional à propriedade.

Efetivamente, e para além das críticas já formuladas, não é correto permitir um ato desta natureza sem a indenização já mencionada, e sem que se estabeleçam regras claras, capazes de definir em que consiste o interesse maior do centro comercial, de modo a evitar abusos por parte dos empreendedores.

Na prática, a eventual aprovação do Projeto, tal como se encontra, dará margem a abusos, na medida em que o locador poderá utilizar este expediente para exigir “luvas” de seu inquilino, ou poderá simplesmente vender o ponto comercial já consolidado a um concorrente de seu locatário. Trata-se, como visto, de um retrocesso, e da extinção de uma garantia consolidada, fundamental ao empresariado brasileiro do ramo varejista.

Novamente com o devido respeito aos autores do Projeto de Lei n.º 1.527, entendemos que o texto proposto trará enorme desequilíbrio e insegurança jurídica aos empresários que exercem suas atividades nos shopping centers, ferindo o direito constitucional à propriedade e dando margem a abusos. Não deve, portanto, ser aprovado.

. Por: Francisco dos Santos Dias Bloch, advogado formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 2001, sendo também Mestre e Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atua em São Paulo, no escritório Cerveira Advogados Associados (www.cerveiraadvogados.com.br), nas áreas de Direito Imobiliário e Direito Contencioso Cível.

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