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04/07/2015 - 08:23

Nunca morremos calados

Os números que apontam o genocídio da juventude negra não deixam dúvidas. Do total de 56 mil pessoas assassinadas em 2012, 30 mil eram jovens entre 15 e 29 anos. Desse total, 77% eram negros - a maioria mortos por armas de fogo. Números chocantes, dolorosos e que levam a uma constatação inevitável: o racismo existe, sempre existiu e tem como uma de suas consequências a violência contra os jovens negros.

Mas não é apenas contra este segmento da sociedade. O racismo faz vítimas também entre idosos, adultos, crianças, mulheres, gays, lésbicas, travestis, todos e todas que são negros/as. São vários tipos de violência, além das mortes por assassinatos à bala. Há a omissão, a negligência, a falta de acesso a direitos básicos.

O racismo mata também por causa das péssimas condições de vida em que vive grande parte da população brasileira. Mata quando o atendimento na saúde não chega nem perto de ser o adequado. Mata devido à falta de acesso à educação de qualidade. Mata porque a justiça não é para todos.

A violência relacionada ao racismo não é novidade. Sempre aconteceu. Negros e negras sofrem com isso no Brasil desde a escravidão. A diferença, agora, é que essa realidade aparece e repercute. As vozes dos que têm sido violentados hoje ecoam e não podem mais ser ignoradas.

Nunca morremos quietos. Mas, antes, nossos gritos eram ouvidos apenas por nós mesmos. As denúncias não circulavam. Hoje é diferente e a divulgação aos quatro cantos dos números do genocídio da juventude negra é uma demonstração dessa nova realidade.

Queremos isso mesmo, queremos que a sociedade sinta a nossa dor.

Isso, no entanto, não é o suficiente. Está muito longe de bastar. É preciso salvar as vidas dos meninos e meninas. Impedir a circulação das balas. Não deixar armas à disposição. É preciso desarmar a sociedade e a polícia. Acabar com a Polícia Militar. É ela que mata os meninos, as meninas. A segurança do nosso cotidiano não pode ser militarizada.

A Polícia Militar foi criada para reprimir os negros, da escravidão até aqui. Portanto, acabar com esse tipo de polícia é a primeira coisa a ser feita. Tirar a bala, as armas e a autorização para atirar também é fundamental e urgente.

Alguns segmentos da sociedade alegam a inocência das vítimas ao denunciar casos de violência policial. Isso não importa, não faz sentido. Não pode haver autorização para o tiro em pessoas que alguém alega serem criminosos. Não se pode matar um ser humano, seja ele "inocente" ou não.

Hoje temos ferramentas para narrar o genocídio em tempo real. São os telefones celulares, as redes sociais, os espaços conquistados na internet. Antes, usávamos as poucas ferramentas que tínhamos à disposição para denunciar. Nunca ficamos calados. Mas agora tem mais gente que ouve e se importa.

Nesse contexto, a desmilitarização da polícia é um debate que ganha espaço. Mas ainda estamos longe do final dessa história e temos grandes obstáculos para enfrentar. Um dos principais é a formação atual do Congresso Nacional, que não ouve a voz da sociedade.

O ressurgimento do projeto para redução da maioridade penal é um exemplo de como é forte a atuação da bancada conservadora. Além da questão política, há também a econômica, o interesse de corporações ligadas aos armamentos e ao lucrativo negócio das armas, da segurança privada, e que financiam candidaturas.

Nós, ativistas, não podemos desistir, mesmo diante de ameaças. É urgente a criação de condições para a proteção de ativistas ameaçados. Não podemos jamais nos amedrontar. É necessário seguir em frente e, em um cenário com tantas barreiras, a união dos diferentes grupos que lutam por justiça, contra o genocídio da juventude e da população negra, contra o racismo é a resposta que estamos dando. Estamos criando fóruns únicos em nome de nossas causas. Lutamos e lutaremos juntas, juntos.

Aprendemos a usar as ferramentas hoje disponíveis para que as denúncias cheguem cada vez a mais pessoas, inclusive no exterior. É preciso engajamento de todo mundo, dentro e fora da internet, as ruas, nas comunidades, no Congresso. Nós, mulheres negras, marcharemos até Brasília em 18 de novembro contra o racismo, a violência e pelo Bem Viver.

Temos muita luta pela frente.

. Por: Jurema Werneck, conselheira do Fundo Brasil de Direitos Humanos, integra a Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras e coordena a ONG Criola, no Rio de Janeiro.

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