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19/08/2015 - 06:31

MP 685/15: declaração de operações com possível evasão tributária é inconstitucional


Para comentar a Medida Provisória n°685/2015 - a qual institui nova declaração fiscal do tipo denúncia espontânea anual - devo esclarecer meu posicionamento conceitual sobre a matéria, segundo o qual, do ponto de vista lógico e racional, entendo possível haver apenas operações ilícitas (evasão tributária) ou lícitas (elisão ou planejamento tributário), sendo ilógica uma "zona cinzenta" já que, no Estado Democrático de Direito, ou algo é permitido ou é proibido, sob pena do caos instalado pela famigerada "zona cinzenta". São ilícitos civis e mormente penais a simulação e a fraude comum e ilícitos só civis o abuso do Direito (arts. 50 e 187 do Código Civil) e a fraude à lei (art. 167, IV, do Código Civil) que não se confunde com a fraude comum.

Na minha interpretação pessoal da MP 685/2015, o conjunto de operações realizadas no ano-calendário anterior que envolva atos ou negócios jurídicos comissivos ou omissivos que acarretem supressão, redução ou diferimento de tributo federal deverá ser declarado pelo contribuinte ou responsável, pessoa física ou jurídica, à Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), até 30 de setembro do ano posterior. Essa declaração deverá conter atos ou negócios jurídicos praticados não possuírem razões extratributárias relevantes (abuso do Direito); a forma adotada não for usual, utilizar-se de negócio jurídico indireto ou contiver cláusula que desnature, ainda que parcialmente, os efeitos de um contrato típico (fraude à lei); ou quando tratar de atos ou negócios jurídicos específicos previstos em ato da Receita Federal, delegação que reputo ilegal. Embora, a princípio, estas hipóteses sejam casos ilícitos meramente civis e não penais objeto da Lei 8.137/1990, a absurda presunção de crime por omissão desse declaração – que veremos logo mais adiante - certamente viola o direito constitucional à não autoincriminação (inciso LXIII do artigo 5º da CF/88). Mesmo assim, definir, na prática, se um conjunto de operações se enquadra em algumas dessas hipóteses de ilicitude civil não é tarefa fácil.

Caso a MP venha a ser convertida em lei, será necessária uma declaração para cada conjunto de operações executadas de forma interligada, nos termos da regulamentação a ser editada. Contudo, resta a dúvida sobre quando deverão ser declaradas operações que atravessam de um ano para outro, no seu início, meio ou fim.

Vale ressaltar que a declaração que relatar atos ou negócios jurídicos ainda não ocorridos será tratada como consulta à legislação tributária, nos termos dos art. 46 a art. 58 do Decreto nº 70.235/1972, atualmente regulamentada pela Instrução Normativa RFB n° 1.396/2013. Caso se possa interpretar “atos ou negócios jurídicos ainda não ocorridos” como iniciados, mas ainda não concluídos ou não consolidados, isso poderia ser a única contribuição positiva dessa declaração, que impediria autos de infração, numa espécie de acordo prévio sobre operações duvidosas em curso.

Por um lado, a alegada vantagem de apresentar essa declaração é que, caso a Receita Federal venha a não reconhecer, para fins tributários, as operações declaradas, o declarante será intimado a recolher ou a parcelar, no regime ordinário em 60 meses, conforme a Lei nº 10.522/2002, art. 10, no prazo de 30 dias, os tributos devidos, acrescidos apenas de juros de mora, o que corresponde a 20%. Contudo, isso não vale para operações sob procedimento de fiscalização quando da apresentação da declaração, na qual se configura a falta da "espontaneidade". A forma, o prazo e as condições de apresentação da declaração, inclusive hipóteses de dispensa, ainda deverão ser disciplinadas pela Receita Federal.

Observa-se ainda o risco de ineficácia da declaração, inclusive a retificadora ou a complementar, quando apresentada por quem não for contribuinte ou responsável das obrigações tributárias eventualmente resultantes das operações referentes aos atos ou negócios jurídicos declarados; omissa em relação a dados essenciais para a compreensão do ato ou negócio jurídico; contiver hipótese de falsidade material ou ideológica; e envolver interposição fraudulenta de pessoas.

Por outro lado, a maior desvantagem de omitir a entrega dessa Declaração de Operações de Possível Evasão Tributária seria a de sujeitar o contribuinte à absurda presunção de omissão dolosa, com intuito de sonegação ou fraude, sendo que neste caso, os tributos devidos serão cobrados acrescidos de juros de mora e da multa de 150%, conforme a Lei nº 9.430/96, art. 44, § 1º. Aqui a MP trilhou o caminho das piores e mais hipócritas ditaturas da história da humanidade! Ora, o simples descumprimento de uma obrigação acessória dessa complexidade jamais poderia transformar um ilícito civil em ilícito criminal. Sozinha essa presunção de crime transforma essa Declaração de Ilícitos meramente Civis em Declaração de Crimes Tributários, em franca violação às garantias constitucionais da presunção de inocência (inciso LVII do artigo 5º da CF/88) e da não autoincriminação (inciso LXIII do artigo 5º da CF/88), contaminando tal declaração de vergonhosa inconstitucionalidade.

Rogamos a Deus sinceramente que o Congresso Nacional possa afastar essa ditatorial presunção de crime, aproveitando a oportunidade para instaurar um amplo debate sobre como tornar mais seguro e previsível o lícito e legítimo planejamento empresarial tributário, instrumento essencial para o desenvolvimento sustentável de qualquer empresa nesse pais!

. Por: Douglas Yamashita, doutor em Direito Econômico-Financeiro pela USP e Master of Laws pela Universidade de Colônia, Alemanha, professor de pós-graduação e autor de publicações jurídicas. Sócio do escritório Miguel Silva & Yamashita Advogados.

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