Página Inicial
PORTAL MÍDIA KIT BOLETIM TV FATOR BRASIL PageRank
Busca: OK
CANAIS

04/09/2015 - 07:50

Produtos Médicos e Anvisa: do Apagão Tecnológico à Desoneração

O setor de produtos médicos se lembra, como se fosse ontem, da feira Hospitalar de 2010. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tentava explicar a ampla reforma no regime regulatório de produtos para saúde, diante de uma plateia de empresários, responsáveis técnicos e consultores, perplexos e desorientados.

Entre as novidades introduzidas estava a compulsoriedade de certificação Inmetro, para uma gama ampla de produtos de uso em saúde. Por exemplo, todo produto elétrico conectado a fontes de energia internas ou externas precisa de prévia certificação Inmetro quanto à segurança elétrica.

Houve também a ampliação do regime de cadastro simplificado de itens classe 1 e 2 (baixo risco), com o estabelecimento de uma lista de exceção, de produtos que não seriam submetidos ao regime simples, muito embora pertencentes às classes de baixo risco, tais como equipamentos para ultrassom, estufas e autoclaves, e ainda produtos constituídos por líquidos, géis, pastas, cremes ou pós com contato direto com o organismo, usados em odontologia, por exemplo.

A mudança mais impactante ficava por conta das inspeções internacionais. A RDC 25/09 obrigava, a partir de maio de 2010, os fabricantes estrangeiros de produtos médicos, como seringas, próteses e kits de diagnóstico, a serem certificados pela Anvisa para comercializar seus produtos no mercado brasileiro. A certificação do exportador deveria ser feita antes do pedido de registro do produto, com taxas sanitárias de R$ 15 mil para inspeção no Mercosul, e de R$ 37 mil em demais países.

O conjunto de normas provocou um fenômeno que o setor apelidou de “apagão tecnológico”. Ao dificultar a entrada das novas tecnologias, a Anvisa condenava o sistema de saúde nacional a conformar-se com aparelhos e instrumentos obsoletos, que não passaram pelo crivo das novas exigências na época de seus registros. Consequentemente, inibia a chegada de produtos inovadores ao mercado de saúde nacional, já que o alto investimento regulatório não justificava a atualização de tecnologias ao empresariado.

Fatores como a iminência de virada de versão da norma geral da ISO/NBR, que seria atualizada, a dúvida sobre a suficiência da capacidade técnica e operacional do INMETRO e seus OCP (organismos certificadores de produtos) e a ansiedade sobre o custo e o tempo que a Anvisa levaria para certificar exportadores no exterior, levou muitos fabricantes e importadores a suspenderem investimentos planejados, adiarem novos registros e reduzirem o rol de produtos mantidos em linha.

Cortem as cabeças —Mas como um frugal castelo de cartas, as exigências da reforma de 2009/2010 foram caindo por terra, até o recente advento da RDC 40/15, que dispensa de revalidação produtos classe 1 e 2, submetidos a cadastro na Agência.

Tudo começou com o Decreto 8077/13, ato do Poder Executivo Federal, que alterou algumas diretrizes sanitárias postas na década de 1970, mas que foram sendo gradualmente exigidas pela Anvisa, principalmente após 2010. Com ele, a Agência ganhou liberdade para definir as políticas regulatórias conforme o risco sanitário dos materiais e equipamentos de uso em saúde.

O discurso da Anvisa sempre foi o obrigatório respeito às leis federais, no entanto houve um tempo em que era permitido, pelo regulamento da RDC 185/01, o registro em nome de distribuidores que não fossem importadores diretos da mercadoria. Percebendo o equívoco, a Anvisa revogou a permissão cassando os registros anos depois, assumindo que seu próprio regulamento afrontava a lei federal vigente.

De cinco anos para cá, uma enxurrada de ações inundou o Poder Judiciário, com queixas sobre a fila de espera para agendamento de inspeções internacionais, que atingia absurdos 18 meses para obtenção de data, assim como a análise de dossiês de produtos pela Anvisa, que podia chegar a nove meses para produto novo e 24 meses para alteração em produto existente.

Em 2013, a RDC 25/09 caiu e com ela a se foi a exigência de inspeção internacional para produtos de baixo risco (classes 1 e 2). Também baixaram regras que permitiam o protocolo de processos de registro de produtos enquanto se aguardava a inspeção internacional, agora exigida para apenas classes 3 e 4.

Por outro lado, permanece ainda válida a exigência de AFE para estabelecimentos filiais que operem com produtos para saúde, cujo prazo para pedido se expirou em agosto de 2015, deixando certamente inúmeras unidades de empresas ainda a descoberto, visto que poucas solicitaram as AFE´s para filiais. Fato é que a interpretação mais correta da Lei 6360/76 identifica a AFE como documento próprio da empresa (emitida para matriz) e as licenças estaduais ou municipais como documento próprio de estabelecimentos (matriz e filiais).

Hoje com a RDC 40/15 mais uma importante mudança: não são mais necessários pedidos de renovação de produtos regularizados por meio de cadastro (classe 1 e 2). Também foi extinta a chamada “lista de exceção”, que ainda previa registro para alguns itens de classe 1 e 2, considerados mais críticos.

Cai também a famigerada IN 13/2009, uma norma tão complicada que tirava o sono dos especialistas. Uma porção de exigências técnicas, que podiam (ou não) ser feitas pela Anvisa no momento do registro (raramente eram), e seriam em tese conferidas pelos demais integrantes do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, composto por fiscais de municípios e estados, que atuam in loco pelo país, mas que pouco compreendem a mente regulatória federal.

Agora, os produtos de baixo risco que não são mais revalidados, mas ainda necessitam de certificação do Inmetro devem manter a conformidade em dia. No entanto, a Anvisa não mais conferirá, a cada cinco anos, tempo das extintas renovações, o cumprimento desta regra. Norma sem fiscalização é a solução?

Ademais, não há a necessária segurança jurídica na desoneração das revalidações para quem faz análise mais detida da Lei 6360/76, posto que a Anvisa pode, por lei, dispensar produtos médicos de registro, mas não pode isentá-los de cumprir as demais normas do sistema sanitário, o que inclui a necessária revalidação. A Anvisa poderia, por exemplo, ter ampliado o prazo de validade do cadastro, mas jamais dispensar a renovação em definitivo.

As transformações de regras do mercado deixam claro que a saga dos fabricantes e importadores de produtos médicos no Brasil deixou muitos mortos e feridos pelo caminho e não está perto de acabar. Mesmo com esse aprendizado, e uma série de debates e amplas discussões sobre as saídas mais satisfatórias para o mercado brasileiro, a Anvisa parece ter escolhido um atalho arenoso, ao invés da estrada firme. Agora, é o momento de esperar os efeitos desta nova onda de (des)regulamentação e ver para onde o barco irá navegar.

. Por: Claudia de Lucca Mano , advogada, sócia fundadora da banca De Lucca Mano Consultoria, consultora empresarial atuando desde 1994 na área de vigilância sanitária e assuntos regulatórios, bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e membro das Comissões de Estudos de Setores Regulados e de Direito Sanitário da OAB-SP e da American Bar Association, na seção de Direito Internacional, comitês de Consultores Jurídicos Estrangeiros e Legislação de Saúde e Ciências da Vida.

Enviar Imprimir


© Copyright 2006 - 2024 Fator Brasil. Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Tribeira