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05/02/2016 - 08:19

25% de Imposto de Renda na fonte em viagens ao exterior

O encargo tributário incide, desde 1º de janeiro deste ano, a quem pretende viajar ao exterior. No afã de encontrar fórmulas salvadoras, políticas austeras desenterram velharias do baú tributário. Advogados do governo são mandados a campo. Assim ocorreu com a exumação do art. 7º da Lei nº 9.799/1999, que prescreveu: "Os rendimentos do trabalho, com ou sem vínculo empregatício, e os da prestação de serviços, pagos (sic), creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior, sujeitam-se à incidência de imposto de renda na fonte à alíquota de 25%".

Tal norma, por muitos anos, foi anódina. No começo, tacitamente (o governo não se empenhou em sua cobrança). Depois, expressamente (isenção de 2011 a 31 de dezembro de 2015). A partir de 1º de janeiro do corrente ano, portanto, desabou a tempestade. O governo dispôs-se a cobrar imposto de renda na fonte de pessoas que viajam ao exterior, a qualquer título. As agências de viagem, responsáveis pelo recolhimento da antecipação do tal tributo, estão em polvorosa.

Nossos viajantes, já desestimulados pelo câmbio, ganharam um gravame.

Há que precisar as coisas. Primeiro por vezes a linguagem encobre e não revela a ideia. Pior quando se trata de lei. Óbvio que rendimentos não são pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos; são recebidos. É o velho dilema filológico: a linguagem oculta ou esclarece. Quem deve ser tido como contribuinte do imposto de renda? O recebedor da renda, uai, diria o mineiro. No caso, em pequena parte (comissões), as agências de viagem. O grosso (hospedagem, alimentação, locomoção e congêneres), em geral empresas estabelecidas permanentemente no exterior.

Essas deverão se ajustar com o Fisco respectivo. Logo, o Brasil não é seu preposto para cobrar parte na fonte. Os abridores de grutas de riquezas tributárias descobriram a lei mencionada. Eureka. 2 bilhões de receitas anualmente acrescidas ao erário nacional. Sem cogitar-se de lógica ou de constitucionalidade.

O imposto de renda incide sobre recebimentos (renda ou proventos de qualquer natureza), segundo o disposto no inciso III do art. 153 da Constituição Federal. Ainda assim, nem sobre todos os recebimentos; somente sobre aqueles que importam em acréscimo patrimonial, aumento de riqueza, lucro, ao recebedor. Esse o sentido de renda, base do tributo.

Econômica em palavras a Constituição, foi espiritualizada pelo Excelso Tribunal Federal, seu intérprete e garante, desde o julgamento de Plenário nos autos do Recurso Extraordinário 11.7887/SP, votação unânime, voto condutor do Ex-Ministro Carlos Velloso, que se fez um "leading case" (entendimento que atrai os demais). Ora, quem se beneficia de um acréscimo patrimonial em viagens ao exterior? Ressalvada a hipótese menos relevante e já enunciada, das agências intermediárias, as tais empresas do exterior. E a retenção na fonte incide sobre o "pacote inteiro".

Em derradeira análise, o Brasil cobra antecipação de imposto a ser pago em favor de outro país. Considerando-se que esse outro país não levará em conta nossa retenção, haverá nítida bitributação. E quem suporta, no caso, o remédio amargo? Óbvio que os viajantes brasileiros. Em mais uma descaracterização do caráter direto e pessoal do imposto de renda, esse valor será repassado ao preço das viagens, as quais ficarão ainda mais custosas, além do desfiladeiro do câmbio. Em suma, estar-se-á confiscando dinheiro do cidadão brasileiro, ao arrepio do inciso IV do art. 150 da Constituição Federal.

Por outro lado, é mais do que manifesto que os descontos de imposto de renda na fonte pressupõem capacidade contributiva. Paga-se e desconta-se. O preceito, importado do constitucionalismo alemão, foi incorporado ao art.145, § 1º, de nossa Carta vigente. No caso de desconto na fonte, paga-se, retém-se e recolhe-se aos cofres públicos, pura e simplesmente. A incapacidade contributiva já está levando muitas pessoas a cancelar suas viagens programadas.

Por fim, pode dizer a Receita Federal que, não obstante essas razões, temos lei ("lex habemus", diziam os romanos). Trata-se da lei referida, promulgada em 1999.

Sucede que, antes disso, o Brasil subscreveu vários tratados internacionais, que liberaram a hipótese de qualquer antecipação tributária no país de origem do deslocamento, precisamente para evitar-se a derrapagem da bitributação. Foram tratados bilaterais subscritos pelo Brasil e tornados letras vivas em nosso território por decretos legislativos. Celebrados com países de larga tradição no direito constitucional-tributário, como Alemanha, Argentina, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, Espanha, França, Itália, Japão, Portugal E República Tcheca e Eslováquia. Tais tratados impedem a cobrança desejada pelo Governo Brasileiro. Dirá a Receita que a lei nacional não fica invalidada pelo tratado, mas, como dito, por força dos decretos-legislativos, esses tratados foram incorporadas ao nosso direito interno e tratam especialmente da hipótese envolvente desses países; formaram-se como leis especiais, que não perdem sua eficácia ante lei geral posterior. Nesse diapasão já decidiu a 3a.Turma do Tribunal Regional Federal de São Paulo, unanimemente, por voto conduzido pelo Desembargador Federal Carlos Muta.

Em conclusão, o melhor seria o governo da Presidente Dilma e a Receita Federal voltarem atrás para pôr de lado essa inadequada ferramenta de obter dinheiro a qualquer custo. Sabemos que política de austeridade é a mais complexa a ser empreendida e a politicamente mais custosa. Mas, também, como diz o povo, "quem pariu Mateus que o embale". Aos brasileiros solapados em suas parcas disponibilidades financeiras, se não solucionado o assunto por outros meios, só restará o tortuoso caminho da astrologia judiciária.

. Por: Amadeu Garrido de Paula, um renomado jurista brasileiro com uma visão bastante crítica sobre política, assunto internacionais, temas da atualidade em geral. Além disso, tem um veio poético, é o autor do livro “Universo Invisível”, uma publicação que reúne poesias e contos sobre arte, cultura, política, filosofia, entre outros assuntos, todos os poemas são ilustrados. O livro está a venda no site da livraria Cultura [http://www.livrariacultura.com.br/p/universo-invisivel-46024299], e nas livrarias Nobel Santana e Nobel Santo André.

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