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29/04/2016 - 07:59

Novas eleições: clamor ou solução?

Em meio à instabilidade política, gerada pelo processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, surgem vozes defendendo a convocação de novas eleições, proposta com forte eco nas multidões que periodicamente saem da hibernação e tomam as ruas do país.

Sem submergir no mérito do processo de impeachment, que hoje está sob a batuta do Senado, é certo que a proposta de convocação de novas eleições não encontra amparo na Constituição Federal.

Embora ostente roupagem democrática de alternativa de solução, a convocação de novas eleições não foi opção adotada pelo constituinte de 1988. Nos artigos 77, 79, 80, 81 e 82 da Constituição são tratadas questões mandamentais e expõem a rigidez sobre flexibilizações na estrutura governamental, vejamos:

“Art. 77. A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República realizar-se-á, simultaneamente, no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato presidencial vigente.

§ 1º A eleição do Presidente da República importará a do Vice-Presidente com ele registrado.[...]”

“Art. 79. Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder- lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente.”

“Art. 80. Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal.”

“Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.”

“Art. 82. O mandato do Presidente da República é de quatro anos e terá início em primeiro de janeiro do ano seguinte ao da sua eleição.”

Andar fora dos trilhos da Carta Magna é sempre a opção mais desacertada, mesmo em tempos de dificuldades e de crise que em verdade são momentos históricos de consolidação das instituições, quando seguida a regra constitucional, como bem aprendeu o Brasil na experiência de 1992.

Além de ser uma proposta questionada, e muito questionável, a proposição de Emenda Constitucional para viabilizar novas eleições sequer tem uniformidade entre os que a defendem.

Trata-se de opção fruto do descrédito da classe política, mas que atingiria a segurança jurídica e traria a fragilização das instituições, as mais prejudicadas na hipótese de ruptura mandamental e realização de novo pleito.

Importante destacar que o modelo eleitoral-bienal adotado constitucionalmente no Brasil não é uma mera temporalidade ou critério de economicidade, mas visa a intercalação política da composição dos Poderes Legislativo e Executivo, alternando os representantes escolhidos para compor os cargos eletivos na União e Estados com os eleitos nos Municípios. Quebrar esta regra mitigaria a essência democrática do modelo construído em 1988.

Por mais alarmante que seja a situação política, a sazonalidade das normas é a pior escolha, por ser geradora de desconstrução institucional, principalmente quando se trata da Constituição Federal, instrumento republicano de essência inflexível. Aqui ainda vale a lição de Rui Barbosa: “Com a lei, pela lei e dentro da lei; porque fora da lei não há salvação”.

Nosso sistema não comporta, hoje, o recall político existente em alguns estados dos Estados Unidos ou o modelo abberufungsrecht ou referendo revocatório, adotado na Suíça, embora a questão já tenha sido objeto de proposições no Senado.

A adoção de alterações por constantes Emendas conforme o humor político estampado nos jornais diários faria ruir a base do Estado brasileiro, atingiria a coluna-mor da República.

O desapego constitucional brasileiro, que leva ao debate de rotineiras emendas ao texto originário, tem raiz na sua origem de país em que primeiro nasceu o Estado e só depois a nação, em que as conquistas ocorreram por muitos atos e poucos fatos. Cabe a geração atual dar novos rumos de credibilidade, segurança jurídica e fortalecimento institucional ao país, afastando hipóteses de condução nos moldes vividos na Venezuela.

É certa a definição clássica de Abraham Lincoln, para quem “A democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo.” Entretanto, este conceito não se exaure em si mesmo, ele se complementa e se concretiza com a Constituição e está passa ser a voz maior e onipotente da própria democracia. A Constituição é a razão de ser de um Estado Democrático.

Enfim, a democracia não pode ser o preço a pagar pelo exercício da própria democracia. Há que se prevalecer a estrutura institucional da qual é coluna a Constituição Federal, livre das sazonalidades e das intercorrências momentâneas quase sempre conduzidas por fios políticos de composição meramente eleitoreira.

. Por: Marcones Santos, advogado de Direito Eleitoral e sócio do escritório Lopes, Leite & Santos Advogados Associados.

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