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05/05/2016 - 08:26

Brasileiros em guerra?

O homem cordial, de Sério Buarque de Holanda, é o homem leniente com os malfeitos políticos, não o homem amistoso e cordato. Um valor negativo. Todavia, ainda mais negativo é o homem guerreiro que ofende, ameaça e cospe por dissidência política.

É perfeitamente explicável a ressaca que se sucede aos grandes embates, até mesmo às revoluções de amplo espectro social, como a revolução francesa e a revolução russa, depois que a realidade onírica da noite dá lugar às imposições e desafios do dia.

A maioria do povo brasileiro considerou-se acomodada em democracia sólida com a reconquista da democracia. Um imenso território povoado por um povo pluralista e respeitoso. Instituições sólidas e nenhuma ameaça às conquistas libertárias.

Não era bem assim, malsinadamente. Um obsoleto presidencialismo de coalisão inoculou na sociedade o vírus do conflito. Sem poder governar só por seus dogmas ideológicos, o PT se socorreu de inimagináveis acertos, até mesmo com o arqui-inimigo Fernando Collor de Mello e com o sonolento coronel do Maranhão, incomodado por marimbondos de fogo.

Ocorre que esses aliados sempre acalentaram uma visão temporária de liame de governo. Já o PT, enredado entre utopias ideológicas e interesses práticos de conservação da vitória, movimentou-se em conformidade com um projeto de poder infinito. O prosaico cotidiano da sobrevivência unido ao idealismo marxista, em que este incomodava sem parar as consciências paradoxais do primeiro.

Deu no que tinha de dar. Os procedimentos da velha e nunca aperfeiçoada política brasileira prevaleceram nos governos petistas. Para ainda salvar algum idealismo, criou-se o culto da personalidade mágica de Lula, o operário que foi ao paraíso com seus companheiros. Quando os arreglos e os conchavos de sempre, adicionados de um plano de corrupção jamais visto na história deste país, resplandecia, recorria-se à verve e ao tolerado carisma do metalúrgico, que tratava de lavar as sujeiras com a água benta do idealismo.

As bandalheiras do populismo de esquerda, contudo, vieram à tona e exibiram pútridos esqueletos, a cada dia mais deteriorados e nauseabundos. A consequência subjetiva daqueles que sonharam com a transformação do país não poderia ser outra: profunda depressão, que se converte em erupção vulcânica nos momento em que suas causas inconscientes são trazidas à tona, em interlocuções discordantes.

Do outro lado, postaram-se a aqueles que jamais se guiaram pelos cantos de sereia das mudanças sociais, ou que se reciclaram depois da queda do socialismo real e da adoção do pluralismo democrático-social, cujas sementes começaram a ser lançadas por Enrico Berlinguer e o Partido Comunista Italiano. Para estes, a democracia deixou de ser um meio enganoso para trair seus princípios e entronizar a ditadura do proletariado, meio necessário para um dia atingir-se a terra prometida, e assumiu o caráter de valor final e universal. Trata-se de outra banda, que os saudosistas do marxismo unívoco denominam de "campo oposto", a antítese elitista de sua tese proletária, que um dia será vencida e dará lugar à sonhada síntese da glória final.

Ao lado destes, postou-se, nos últimos momentos, a grande maioria do povo brasileiro, longe de perceber os meandros filosóficos dessas teses acadêmicas, porém, mais uma vez, desiludida profundamente com um grupo político que lhe prometeu voar por céus paradisíacos e, sem muito demora, deu-lhe meras pedaladas. Só conhecendo pedaladas de suas bicicletas, esses brasileiros conhecem o sentido político da gíria quando se lhes afirma que as pedaladas é o comer mal, o endividamento, inclusive da minha casa, minha vida, o desemprego, o despejo e toda sorte de sofrimentos cruéis que abalam a humanidade.

No seio da classe média razoavelmente aculturada é que os entreveros torpes têm tomado espaço sob o tom da injúria real, a cusparada na cara, as divergências em vozes altas e agressivas, em cuja seara repulsiva se integram até mesmo incuriais personalidades, artistas, escritores, poetas etc. Em geral, integram o primeiro grupo, mas, também, se entredevoram, como se vê de Chico, Caetano e Lobão.

O que nos dá esperança é que o ethos de um povo, construído ao longo de alguns séculos, que, embora não deva ser cordial a ponto de ser leniente, não perde abruptamente suas outras características de amistosidade, alegria, inter-relacionamento humano, paradoxalmente entranhado num terreno do maior índice de violência cotidiana do mundo. Porém, certamente, determinada por questões sociais, que, um dia, haverão de ser superadas por um governo plural, capaz e sem compromissos vis, democrático, animado só por projeto de governo, honesto, consciente de suas responsabilidades e atuando sob instituições que devem ser radicalmente modificadas, com a criação dos mandatos, em geral, por prazo determinado, voto distrital misto, recall e o parlamentarismo.

. Por: Amadeu Garrido de Paula, um renomado jurista brasileiro com uma visão bastante apurada, crítica sobre política e temas da atualidade em geral. No artigo abaixo o autor faz uma reflexão sobre o atual momento vivido pelo País e o comportamento da população. Até onde pode ir esse embate?.

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