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13/05/2016 - 07:49

A irreprochabilidade do impeachment

Não houve tema mais surrado no direito que o impeachment da Presidente Dilma. Daí nosso foco em pontos precisos, postos que os demais já caíram até mesmo no domínio público. A Advocacia Geral da União, depois de frustrado o plano "maranhão", diz que voltará às portas do STF. Direito indiscutível, como também se exige de um governo a capacidade ética de suportar a derrota, sem incendiar o país, como se tem visto.

Se a defesa da Presidente — "ad argumentandum tantum" —, como é do gosto de seu advogado, interpôs recurso da decisão do Plenário da Câmara que resolveu pela admissibilidade processual, em tempo hábil, em caso de omissão do julgador deveria ter batido às portas do Judiciário para forçá-lo a julgar em tempo hábil. Não o fez. Velha tática. Não se contribui com a Justiça, deixa-se correr a nulidade, para depois alegá-la. Uso da torpeza em Juízo, principalmente de um órgão aparelhado, como a AGU, e da multiplicidade de meios que tinha à sua disposição para provocar a decisão, antes da remessa dos autos ao Senado Federal.

No Senado Federal, em muitas questões de ordem, a base do governo suscitou as pretensas preliminares de nulidade. Todas rejeitadas. É elementar que, se o processo já se encontra numa segunda instância, não se pode manifestar recurso senão a ela, jamais a grau já ultrapassado. Calouros de direito processual aprendem que o processo é uma marcha à frente, jamais à ré. Não fosse assim, o processo corresponderia ao retorno, ao caótico, á entropia dos fenômenos. Teria começo, meio, mas não teria fim. O princípio é contemporâneo das primeiras manifestações da ciência do direito processual.

Entretanto, assistimos ao absurdo de uma petição endereçada ao Presidente da Comissão Especial do Senado, enviada à Câmara, à qual foi remetida por ofício, daí originando a declaração de nulidade teratológica que só poderia durar algumas horas, desonrando, se tal não esteja prejudicado, seu autor e agentes do governo e de sua base política, que se utilizaram de um veterinário para perpetrar uma enormidade jurídica. Há pouco tempo, todos nos rebelamos contra as declarações de um representante do governo italiano, em processo extradicional conhecido, ao dizer que o Brasil era mais generoso em belas mulheres dançarinas do que em conhecimentos de direito. Rebelamo-nos com razão, porém fatos como o narrado caracterizam nossa vergonha no plano internacional.

Em 11 de agosto de 1827, foram criadas as duas primeiras unidades de ensino superior no Brasil: as Faculdades de Direito de São Paulo, a qual o subscritor destas linhas teve a honra de cursar, e a de Olinda, em Pernambuco. Nossos conhecimentos jurídicos passaram a nada dever aos cursos superiores europeus, que dominavam, à época, esse ramo do conhecimento humano. Foram aqui plantadas as raízes, provenientes da antiga Roma, do direito romano-germânico. Ocorre que, no século passado, interesses patrimonialistas, principalmente sob a ditadura militar, remeteram o direito às calendas, inclusive mediante a proliferação de cursos jurídicos. Sem dúvida, houve uma decadência de nosso ensino jurídico, mas a roubalheira do dinheiro público, a corrupção desenfreada, foram os principais motivos que nos afastaram do direito - posto que se trata do mínimo ético.

O atual governo, como todos sabem, foi campeão da corrupção. Bilhões de reais desviados. Propinas generalizadas. Para manter-se um clima dessa ordem, era necessário não fortalecer as instituições e, obviamente, a aplicação do bom direito.

Dito isto, vejamos pontos que, em nosso modo de ver, não foram exauridos. Nosso regime político é presidencialista imperial de compromissos escusos.

Presidencialista imperial porquanto o eleito é Chefe de Estado e Chefe de Governo. Não há moderação recíproca de controles. Uma única pessoa é o monarca governante. Pode tudo, ou pensa poder tudo, até sofrer surpresa. De compromissos escusos porquanto não pode governar sem arreglos solertes feitos com uma multiplicidade de partidos, entre os quais se divide o butim. Vimos alegações cínicas a sustentar que, se o regime é esse, regime forte, opressor, não pode haver impeachment que desafie esses "valores". Ao contrário, o impeachment deve ser igualmente restrito, a fim de não se afastar com facilidade alguém com tantos poderes. Autêntica necedade. Consequentemente, a oposição de milhares de formalidades burocráticas de blindagem do(a) todo(a) poderoso(a), contrariamente à vontade popular, que se manifestou pujantemente nas ruas, é antidemocrática. Não há Estado Democrático de Direito. Há ditadura.

No ponto, a infelicidade do constituinte originário, ao falar em "crime" de responsabilidade conforta o mau governante. "Não pratiquei crime algum." Portanto, é golpe. Nossos ouvidos estão macerados. Um equívoco. Há infração de responsabilidade, até porque a consequência é o afastamento do cargo, não a condução ao cárcere. Houve irresponsabilidade que afundou o país. Motivo suficiente ao impeachment, mas, quando convém, as regras, em sua literalidade, insuficientes à expressão da ciência jurídica, são objeto de apego histérico, em altos brados. Analisar somente o último ano de governo, em que houve reeleição e continuidade, é desfalcar um fato de sua amplitude para torná-lo incompreensível. Assim como nenhum homem é uma ilha, nenhum fato deixa de ter uma causa, que, costumeiramente, se passa num "continuum"; para ser compreendida, a história não pode ser desprezada, como querem os encurralados nos becos das formas. Um ano é mero marco cronológico inventado pela mentalidade burocrática dos homens. A passagem do tempo é que é reveladora.

O STF prestigiou os líderes partidários na escolha da Comissão Especial. Seus membros só poderiam ser indicados pelos líderes. Discordamos, mas as decisões judiciais têm de ser cumpridas. O fundamento constitucional adotado pela maioria é o de que nossa democracia contemporânea é democracia fundada nos partidos políticos. Ainda que nas hipóteses de votações, não de deliberações parlamentares, o partido prevalece sobre as inclinações individuais de deputados e senadores. Restaram vencidos, com excelentes argumentos, os Eminentes Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Dias Tóffoli. Ora, se na formação das comissões, por meio dos líderes, os partidos "fecham questão" quanto ao nome dos componentes, por que não poderiam os líderes orientar o voto das bancadas, de modo, ainda, não compulsório, como quer a AGU, em sua argumentação nos estertores?

A grotesca e incomprovada arguição de o Presidente da Câmara dos Deputados ter agido por vindicta. Primeiro, era agente público investido de plena capacidade para a prática do ato. Segundo, o ato foi um mero despacho inicial de ordem processual, não ato de admissibilidade do impeachment. Cabia recurso à Mesa e ao Plenário. Não foi interposto. Ao contrário, o partido governista contribuiu à formação da Comissão. Somente na posterior defesa (a velha tática, de deixar consumar-se uma alegada nulidade), o assunto foi encartado na defesa do Advogado Geral da União. Terceiro, nenhuma prova, que, aliás, deveria descer à intimidade subjetiva inescrutável do praticante do ato. Quarto, a mais importante alegação para o povo brasileiro, constante da denúncia, é dizer, o arrasamento da economia e da sociedade brasileira, não foi aceita. Trata-se de elementar confusão entre pessoa natural e o titular de órgão público.

Por fim, os Deputados, em maioria superior a dois terços, não fundamentaram seus votos, exclusivamente, no dia da votação. Vararam-se madrugadas em incansável processo dialógico, de defesa e acusação. No momento da votação, muitos, em sua manifestação de vontade, acompanharam-na de telegráficos acréscimos, muitos deles jocosos. Essas manifestações laterais e não determinantes foram consideradas pelos governistas como as motivações determinantes e produtoras de nulidades. Olvidou-se, simplesmente, tudo o que se passou nos dias anteriores. Má fé lamentável.

Agora, querem até mesmo impedir o uso do voto eletrônico, um a um, aberto, segundo o determinou o STF, no Congresso Nacional. Lembramo-nos de priscas eras do direito romano. Se você quisesse vender um imóvel, por exemplo, deveria pronunciar sua vontade em alto e bom som. Uma voz rouca, inaudível, uma má articulação, impedia a concretização do negócio. Esse barbarismo foi superado. Em Roma. Em Brasília, os tresloucados lulopetistas nos fazem lembrar tempos anteriores à lei das doze tábuas.

. Por: Amadeu Garrido, advogado e poeta. autor do livro Universo Invisível, membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas.

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