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25/05/2016 - 07:38

Dívidas dos Estados à União: as coisas começaram mal

Vera Cruz e Terra de Santa Cruz, sem embargo da conotação bíblica, esteticamente não seriam tão belos.

Generosa, formosa, também percebi uma natureza exuberante. Tropical, há calor, que muitos adoram, outros nem tanto. Cada personalidade, um círculo menor (microcosmo), num círculo maior (macrocosmo, exterior, objetivo). Infelizmente, não há o calor humano. Somos, necessário é reconhecer, extremamente patrimonialistas, importantes somos nós e, quando muito, nossas famílias. Não se exprime, com isso, que não sejamos povo alegre, aprazível, amistoso com nacionais e estrangeiros. Tais qualidades, contudo, não ocultam o essencial. Talvez a crônica dificuldade financeira determine esse apego ao pessoal, o que implica, inclusive, em desprezo ao espaço público.

República, como se sabe, é a res publica. A coisa pública. Não é uma coisa qualquer. É algo comum, a ser compartilhado entre todos os compatriotas. Entretanto, não é o que vemos ocorrer. Compartilhamento é substituído por apropriação, quanto mais concentração de renda melhor.

No ponto, não vejo como se cogitar do esdrúxulo esquema dos juros sobre juros. A doutrina cristã considerava danosos, frutos do mal, os juros. Dinheiro, sem trabalho, não pode gerar dinheiro. Pior, a geração do dinheiro produzir netos. E o Excelso Supremo Tribunal Federal já se pronunciou, pela maioria do Plenário, pela legitimidade desses frutos dos frutos, depois de algumas esquálidas liminares, que serviram somente a vãs esperanças.

Para melhor entendimento, devo dez, à taxa de 1% ao mês (simbólico, por óbvio). Ao final do mês, apesar de quitar uma parcela, o saldo da dívida é dez mais 1%. Sobre dinheiro criativo, de geração espontânea, no mês seguinte outro 1% se acrescenta. E sucessivamente. A dívida é cachoeira inesgotável, gera rios imensos e oceanos. A genialidade da Corte fundou-se em jurisprudência retrospectiva, que, bem aplicada, poderia fundar-se nas pandectas medievais, ou nas ordenações manoelinas, afonsinas e filipinas.

Nenhum homem teria o direito de tratar, desse modo, outro homem, em todo o orbe, ainda que estrangulasse suas soberanias com as iniquidades do jus gentium, direito romano da escravatura dos vencidos. No Brasil, brasileiros que possuem sobras de dinheiro dispensam esse tratamento aos próprios conterrâneos.

Muito mais insolúvel, a iniquidade entre nós ocorre nos três níveis da Federação. O mais forte é o que nos deixou o maior rombo. Nos EUA, os Estados são economicamente fortes. A União é mera coordenadora e distribuidora. Não à toa, o mecanismo federativo é o princípio de sua constituição secular; estudado, com profundo respeito pelas opiniões divergentes, por cerca de 100 anos (O Federalista). O mais importante, acreditaram corretamente os americanos, não são os direitos humanos. É a organização do Estado. Sem ela, não há dinheiro, não há como promover os direitos humanos, sobretudo o das prestações positivas. O problema é que aqui é tudo demagogicamente onírico, a partir da Constituição cidadã.

Foi sobre a dívida dos Estados que o STF firmou essa terrível jurisprudência. Habilmente, fugiu da crítica imediata, suspendendo o julgamento para que as partes negociem por dois meses. Falida, a União não transigirá.

Poderá dar moratória aos Estados, o que está longe de resolver a questão.

O que deveria vir à consciência é que somos um povo único e não em guerra canibal. Nosso Estado é que é dividido em departamentos, pomposamente denominados de entidades políticas. Mas é uno, seus problemas são únicos, comuns. Teria a União o direito de massacrar os Estados, que deixam de prestar o que devem aos nacionais que nele residem? A mesma pergunta vale para os municípios. Sofredores não querem saber se quem os oprime são os Estados; balouçando-se, a União é palafita pantanosa . A isonomia unânime é princípio constitucional. Por outro lado, União com algum dinheiro (se é que o terá), oscilando sobre Estados quebrados, são folhas murchas com a chegada do outono.

Se há dívidas dos Estados à União, é porque as coisas começaram mal. Não há sentido nessa dívida. Precisamos de instituições postas no mesmo nível. Na hipótese de Estados culposa ou dolosamente quebrados, temos o instituto da intervenção federal, que o STF jamais teve coragem de aplicar. E outros modos políticos de agir.

Não é à toa que perdemos credibilidade internacional e estamos vergonhosamente reprovados por toda as agências internacionais de verificação de riscos de investimentos. Isto aqui sofre a anunciada tragédia da conversão de democracia em anarquia. Emergir do caos é tarefa a ser cantada por Homero. Mas, ainda cremos. Não nos resta alternativa.

. Por: Amadeu Garrido de Paula, advogado e poeta. autor do livro Universo Invisível, membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas.

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