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01/03/2008 - 12:30

Para que professores não precisem ser legendados (ou a Síndrome de Camões)

Camões em os Lusíadas foi traduzido para todas as línguas, sem exceção, inclusive para a própria Língua Portuguesa; compôs sob a égide do Latim, com a sintaxe da Língua Latina, com um léxico extremamente erudito e, evidentemente, sem as notas de rodapé explicativas, seja da sintaxe, da estilística ou das citações mitológicas, como nas edições mais modernas. Portanto, dado o estágio do contexto sociocultural português no século XVI, ninguém na sua época o deve ter entendido e sequer, lido: os níveis de linguagem, os repertórios de autor e leitor eram, continuam a ser e sempre serão muito diferentes.

Tenho certeza de que nós professores, especialmente os universitários, muitas vezes, vemo-nos tomados pela Síndrome de Camões, ou seja: sentimos necessidade de tradutores, temos a nítida sensação de que nossos alunos não nos conseguem entender.

Nas Faculdades Integradas Rio Branco tenho a possibilidade de trabalhar com deficientes auditivos que me “escutam” por meio do intérprete de Libras (Língua de Sinais Brasileira) e penso: como seria bom ser interpretada/ traduzida/ legendada para que todos pudessem, não apenas escutar, mas ouvir e daí entender, relacionar, comparar, analisar, julgar, criticar, conceituar, deduzir, generalizar, discutir, explicar ... enfim, fazer parte desse processo dialógico que é o verdadeiro aprendizado.

Nós passamos pelas transformações tecnológicas, eles estão totalmente engajados nelas. São homólogos ao computador, alimentados pela informação, não vêem necessidade de entender os mecanismos mais profundos das linguagens, sua articulação sintática; conseguem da informação tirar algum sentido e o nível semântico reduz-se às primeiras camadas de qualquer tipo de texto. Dominam a instantaneidade, a simultaneidade de mensagens e esbarram na linearidade da palavra, do código verbal oral ou escrito, na fala humana a que Hjelmslev denominou “o título de nobreza da humanidade”.

Nobres e plebeus temos que nos entender. O verdadeiro professor, aquele que professa, que põe fé em sua função e em seus alunos, tem que recuperar o velho construtivismo socrático de fustigar e conduzir o aluno pela construção de seu próprio conhecimento. Certo é que Sócrates, além de professar, tinha um método e a habilidade de fazer as pessoas se expressarem, mesmo quando as idéias não estavam ainda bem claras e formuladas. A clareza, a claridade, a luz vinham do diálogo.

Como, então, dialogar com nossos alunos sem necessidade de sermos legendados? Acredito que iniciando a “conversa” com as ferramentas que eles dominam e que lhes desperta interesse. Por que não os podemos conduzir do hipertexto à magia de textos escritos que sedimentam e garantem a integralidade da comunicação? Por que não os podemos fazer mergulhar nas camadas de uma escrita bem articulado e no prazer de dominar o tempo da leitura e, assim, se poder conceder o espaço necessário para assimilar a informação no simples ato de ler e reler? É um procedimento encantatório, sem dúvida nenhuma, um jogo de sedução, que uma vez vencido não se consegue abandonar.

Tenho experimentado de tudo, ensinado metodologia partindo de textos como Citizen X (filme de Jeffrey DeMunn - Cidadão X), Matrix ou Beleza Americana, análise sintática tendo como referente quadros de Picasso ou o Bolero de Ravel e dialogando, sempre procurando dialogar não só com os alunos como também com colegas das mais diversas áreas. Resultado: troca de experiência, atividades conjuntas, material abundante e rico e, o mais desejado, a atenção do aluno

É mais demorado? Sem dúvida. É mais trabalhoso? Evidente. Mas todos sabemos que vale a pena.

Professores: conheçamos nossos alunos, descubramos seus interesses, transmitamo-lhes segurança, liberdade e capacidade de expressão. Tenhamos a certeza de dialogar.

E...continuemos a professar!

. Por: Virgínia Maria Antunes de Jesus, mestre em Literatura Portuguesa e professora das Faculdades Integradas Rio Branco.

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