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01/03/2008 - 12:33

Principal Colunistas Cuba sem Fidel: como será? Cuba sem Fidel: como será?

“Condenem-me. Não importa.A História me absolverá.” Fidel Castro

1. Introduzindo e situando o assunto.: Passei boa parte da minha vida, incluindo a fase fundamental da formação da consciência, sob a égide da Guerra Fria, a acirrada disputa entre as duas grandes super potências, Estados Unidos e União Soviética, em que cada uma delas procurava demonstrar as vantagens do seu sistema econômico preferido. Essa disputa gerava, como não poderia deixar de ser, conseqüências em diversos planos, sendo um dos principais o ideológico.

Passei boa parte da minha vida, incluindo a fase fundamental da formação da consciência, sob a égide da Guerra Fria, a acirrada disputa entre as duas grandes super potências, Estados Unidos e União Soviética, em que cada uma delas procurava demonstrar as vantagens do seu sistema econômico preferido. Essa disputa gerava, como não poderia deixar de ser, conseqüências em diversos planos, sendo um dos principais o ideológico.

Sendo assim, convivi com uma intensa guerra das idéias, com formadores de opinião de ambos os lados tentando fazer a cabeça das pessoas sobre a superioridade do sistema capitalista, defendido pelos Estados Unidos, ou do socialista, preconizado pela União Soviética. Nessa batalha ideológica, era preciso tomar muito cuidado para não se deixar levar pelas “verdades absolutas” divulgadas por adeptos de um e outro sistema, verdades essas que muitas vezes não guardavam a menor sintonia com a realidade.

Durante todo esse período, os temas mais polêmicos eram abordados a partir de óticas diametralmente opostas, deixando confusos aqueles que tomavam conhecimento desses temas apenas através do que se escrevia sobre eles. Entre os temas mais polêmicos, a Cuba de Fidel Castro foi um dos que mais se destacou. O que se escrevia sobre Cuba era ou plenamente a favor ou plenamente contra, sendo quase impossível encontrar o meio termo, ou seja, um texto equilibrado que apontasse, com razoável neutralidade, os aspectos positivos e os negativos da vida cubana.

Depois de ler muita coisa – a favor e contra – sobre Cuba, fiquei com uma vontade enorme de visitar o país, a fim de tirar a prova dos nove e chegar a uma conclusão pessoal e independente.

Apesar de ser adepto de uma visão liberal e, em princípio, contrária ao regime adotado por Fidel Castro, acompanhei atentamente os argumentos de seus defensores, assim como os elogios feitos a determinados aspectos, tais como a qualidade da educação e da saúde, ou os excelentes resultados obtidos por atletas cubanos em várias modalidades esportivas.

Razões diversas foram adiando meu desejo de conhecer Cuba, até que a oportunidade surgiu em 1999, quando, depois de participar de um seminário sobre aprendizagem acelerada em Houston, com um grupo de professores da FAAP, fui a um seminário realizado anualmente em Cuba sobre globalização e desenvolvimento.

Ao retornar dessa viagem, escrevi uma série de artigos para o Jornal do Economista, o primeiro dos quais, fazendo um paralelo entre Houston e Cuba, transcrevo a seguir.

2. Houston X Cuba – Deserto e Oásis.: Realizada num centro de convenções nos arredores de Houston, Texas, a Conferência Anual sobre Ensino e Aprendizagem Acelerada, promovida pela International Alliance for Learning, de 12 a 17 de janeiro, contou com aproximadamente 500 participantes – professores e profissionais de treinamento empresarial – que tiveram a chance de tomar conhecimento das mais modernas técnicas de ensino e aprendizagem, apresentadas por alguns dos mais renomados especialistas na utilização das referidas técnicas. Na ocasião, eu integrava um grupo de professores da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP).

Houston - A rodovia que conduzia ao centro de convenções, situado a cerca de 30 milhas de Houston, passava ao lado da cidade, oferecendo uma visão panorâmica de rara beleza, com destaque para os edifícios de linhas arquitetônicas futuristas.

O próprio local onde a Conferência foi realizada também chamava a atenção, pela excelência de suas instalações e por sua concepção em termos de empreendimento imobiliário. Chamado The Woodlands, faz parte de uma extensa área que compreende um condomínio residencial, um country clube, um hotel resort, um campo de golfe entrecortado por diversos lagos e espelhos d’água, um auditório para shows ao ar livre, um centro comercial com diversas lojas, lanchonetes, restaurantes, serviços diversos e um enorme supermercado, além de um shopping center e, evidentemente, do centro de convenções. Este, dotado de inúmeras salas e salões modulares, tem parte de suas instalações utilizada permanentemente pela Shell em seus programas de treinamento, ficando o restante à disposição das instituições interessadas. Valem menção especial: a extraordinária logística do local, a qualidade e rapidez dos serviços e ainda a abundância e diversidade dos produtos permanentemente dispostos nos corredores e salas de espera, tais como café, chá, chocolate, donuts, sorvete, água mineral, refrigerante, frutas, balas e salgadinhos. Uma verdadeira tentação, o tempo todo à disposição dos participantes dos diversos eventos que se realizam simultaneamente no local.

Tudo isso reflete um traço significativo do american way of life. Uma cultura que, claramente, crê na força do mercado. O incomparável nível de bem-estar de seu povo é revelado por indicadores que estão presentes em qualquer parte do território norte-americano, constituindo-se, nos dias atuais, numa espécie de oásis marcado por elevados padrões de consumo, a provocar inveja em meio ao verdadeiro deserto em que se está transformando parcela considerável do restante da economia mundial. Nem os problemas políticos envolvendo o presidente Bill Clinton têm sido suficientes para estancar o vigor e o dinamismo evidenciados nos últimos anos pela economia dos Estados Unidos.

Cuba - Em seguida, outro evento de que tive a oportunidade de participar, desta vez como representante do Conselho Regional de Economia, foi o Encontro Internacional de Economistas: A Globalização e os Problemas do Desenvolvimento, realizado em Havana, Cuba, de 18 a 22 de janeiro.

De acordo com o jornal Granma, órgão oficial do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba, de 19 de janeiro de 1999, “o interesse internacional pelo encontro pode ser comprovado pela presença de cerca de 600 delegados estrangeiros, de 50 países, entre eles economistas, sociólogos e políticos, além da participação de mais de 400 convidados e observadores, incluindo cubanos, todos compartilhando a preocupação pelo estado atual das coisas no planeta e os ensinamentos que se possam tirar desse encontro”.

Realizado no belíssimo Palácio das Convenções de Havana, o evento contou – durante os cinco dias de duração – com a presença do "comandante" Fidel Castro e de outras figuras do primeiro escalão do governo cubano. Entre os presentes, destaque para os representantes de organismos internacionais tais como Banco Mundial, Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Organização Mundial do Comércio (OMC) e Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL). O Fundo Monetário Internacional (FMI), embora convidado, não enviou representante. Além desses, ocupavam a mesa diretora dos trabalhos lideranças políticas e membros de organizações não governamentais de vários países, entre os quais o ex-presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, a Sra. Danielle Mitterrand e o candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva.

Apesar de os organizadores do Encontro afirmarem reiteradas vezes que haviam convidado economistas de múltiplas tendências, incluindo todos os últimos ganhadores do Prêmio Nobel de Economia, o que se pôde constatar foi a presença de uma esmagadora maioria de expositores críticos da globalização, à qual se referem como uma manifestação do pensamento neoliberal, dos interesses hegemônicos do capitalismo financeiro internacional e de seu maior representante, os Estados Unidos. Diante disso, e considerando-se que a cada dia apresentaram-se 11 palestrantes – fora as intervenções especiais – foi inevitável uma certa sobreposição de idéias e a constante repetição de críticas e argumentos numa mesma direção.

Além da exaustiva repetição de certas críticas à globalização e seus supostos efeitos nefastos, não gostaria de deixar de registrar a falta de propostas alternativas para os problemas do mundo contemporâneo. Fiquei, não raras vezes, com a sensação de que o que se propunha – se é que se propunha alguma coisa – era uma volta ao passado... Como se o passado se constituísse num mundo desprovido de qualquer dificuldade.

O Encontro teve para mim uma importância adicional de grande significado: a chance de conhecer pessoalmente um país sobre o qual grande parte do que se lê acaba quase invariavelmente contaminado pelas opiniões pessoais – favoráveis ou contrárias – de quem escreve. Nesse sentido, estar pessoalmente em Cuba representou uma oportunidade única para observar com os próprios olhos os prós e contras de uma experiência cada vez mais isolada no mundo contemporâneo. E, nesse aspecto, a experiência foi mais do que compensadora, em que pese o escasso tempo disponível para passear e conhecer a realidade do país e do seu povo. Mesmo assim, deu para observar bastante, e foi possível começar a entender o que está ocorrendo em Cuba, nessa fase em que coexistem: uma relativa abertura da economia, uma maior tolerância, por exemplo, nas relações [do governo] com a Igreja Católica, e a manutenção de um regime político autoritário. Trata-se, obviamente, de um equilíbrio instável, dando a impressão de que sua manutenção está diretamente ligada ao inegável carisma de Fidel Castro.

A cidade de Havana revela também imensos contrastes, uma vez que bairros de mansões riquíssimas, descritas como relíquias do passado e em diferentes estados de conservação, mistura-se com bairros totalmente depauperados, em que a degradação das residências não fica nada a dever aos cortiços e às favelas que se vêem nas grandes metrópoles brasileiras. Em que a decantada qualidade dos sistemas de saúde e de educação mistura-se a um deficientíssimo sistema de transporte público. Em que a luminosidade dos hotéis recém-construídos contrasta com uma iluminação pública muito fraca, dando idéia de uma cidade permanentemente escura. E onde carros modernos, de procedência asiática e européia, passam, cada vez mais, a dividir as ruas com as bicicletas, as motonetas e os velhos e surrados carrões americanos do passado – sem citar os incontáveis Ladas, cuja atração torna-se menor a cada dia.

Com já afirmei no início deste artigo, foi uma viagem repleta de contrastes, que me permitiu enorme acréscimo em termos de aprendizado pessoal. Voltando ao Brasil, refletindo no avião sobre tantas experiências e revendo interiormente as imagens mais marcantes, ficou a impressão de que viajei no tempo: do futuro, representado por Houston com seus cenários surpreendentes e sua arquitetura arrojada, para o passado, representado pela nostálgica (mas nem por isso menos surpreendente) Havana.

3. Concluindo e fechando a reflexão - Por que reproduzir um texto de quase dez anos atrás, com diversos trechos evidentemente desvinculados da atual realidade? Por que não pude deixar de pensar muitas vezes naquela visita a Cuba e em qual será o destino do país com a “renúncia” de Fidel de Castro, anunciada por ele mesmo na última segunda-feira, dia 18 de fevereiro? A esse respeito, e a título de conclusão, três considerações que gostaria de deixar para a reflexão dos amigos internautas:

A primeira diz respeito à renúncia em si. Coloquei o termo entre aspas por concordar com o ponto de vista de Fernando Lopes, parceiro destas Iscas Intelectuais: Ora, Fidel não renunciou a nada. E por um motivo muito simples: “Renunciar” significa abrir mão de algo que lhe foi outorgado, por eleição ou por merecimento, e que outro será escolhido para preencher sua vaga, sem a intervenção do renunciante. O cubano, ditador jamais eleito, indicou seu maninho Raul pra sentar na cadeira antes que ela esfrie. Isso não é renúncia nem aqui nem em Varadero.

A segunda refere-se aos resultados desses quase cinqüenta anos com Fidel no poder. Será que há realmente algo a comemorar? No esporte, com o fim do subsídio soviético, as marcas obtidas em várias modalidades já não são as mesmas. As instalações locais estão caindo aos pedaços, o que obriga os atletas de ponta a se transferirem para o exterior, onde pelo menos podem treinar e competir em quadras e pistas adequadas. A par disso, os sucessivos casos de fuga e de pedidos de asilo por parte de atletas cubanos de diversas modalidades devem indicar alguma coisa, não é mesmo? Até mesmo na educação, cuja excelência é decantada em prosa e verso por muita gente, fico me perguntando: Que raio de educação de excelência é essa se o país não consegue produzir sequer um liquidificador de razoável qualidade? Será que a educação oferecida em Cuba é a mais indicada para o mundo atual, caracterizado por elevados níveis de produtividade e competitividade, queiram ou não os renitentes adoradores do socialismo?

A terceira e última tem a ver com o futuro político de Cuba. Lembro-me que nesse vôo de volta a que me referi, além do que já mencionei, tinha uma preocupação que retorna agora com a saída de cena do “comandante”. Fidel e Cuba me fizeram lembrar de um outro país que tive oportunidade de conhecer ainda moleque, aos 17 anos (aliás lá completados), em 1972. Foi a Iugoslávia, na época presidida pelo general Tito, ele também um líder de inegável carisma. Por mais que tenha se preocupado com isso e tentado arquitetar um plano de sucessão, Tito não conseguiu garantir a unidade do país depois de sua morte. Rivalidades étnicas e religiosas envolvendo sérvios, croatas, eslovenos, montenegrinos prevaleceram e conduziram ao fim sangrento que todos nós conhecemos. É óbvio que em Cuba não existem tantos grupos étnicos e religiosos como na Iugoslávia. Mas é óbvio, também, que a estabilidade mantida até hoje num país com tanta pobreza, prostituição e corrupção, dramaticamente descrita por Pedro Juan Gutiérrez no livro Trilogia Suja de Havana, só foi possível em razão da liderança carismática de Fidel Castro. Conseguirá(ão) seu(s) sucessor(es) manter a situação sob controle ou Cuba poderá trilhar um caminho parecido com o da Iugoslávia? Só o tempo dirá.

. Por: Luiz Machado, Economista, formado pela Universidade Mackenzie em 1977. É vice-diretor da Faculdade de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado - FAAP, na qual é professor Titular das disciplinas de História do Pensamento Econômico e História Econômica Geral. | Cofecon

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