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04/03/2008 - 14:22

O nó górdio previdenciário


Sempre que surge um problema, há a tendência natural de evitar raciocínios abstratos e tentar encontrar uma solução a partir de analogias com situações conhecidas. Imagina-se um modelo mais simples que retrate a realidade. Uma vez equacionado o problema no ambiente mais simples, volta-se à situação mais complexa que o modelo procurou retratar e, ao fazer o caminho inverso, procura-se aplicar a solução encontrada. Os cuidados que são necessários são óbvios. O modelo deve ser suficientemente simples para que possibilite encontrar uma solução, sem que haja, contudo, um excesso de simplificações que levariam a uma 'perda de aderência'. Vale dizer, é preciso que o modelo reproduza com razoável fidedignidade o fenômeno que se quer estudar. Caso contrário estaríamos encontrando uma solução aplicável ao modelo, não à realidade. O caso da Previdência não foge à regra. A sociedade se depara com um solene 'abacaxi' de gravidade crescente.

Sem a pretensão de apresentar um modelo quantitativo, é possível representar a realidade complexa de maneira pouco sofisticada. Basta imaginar que tudo se passa como se o sistema fosse um reservatório alimentado pela torneira das atuais contribuições, do qual os recursos necessários aos pagamentos dos benefícios saem através de outras torneiras.

Trata-se, no momento, de garantir um jato forte na saída, com a caixa d´ água, quase vazia, ou, para não exagerar, alimentada a conta-gotas. Há várias explicações para justificar o porquê de o reservatório estar vazio. Por melhores que sejam, as interpretações não irão repor o conteúdo faltante.

Na verdade, desta forma não se tem ainda um modelo e sim, apenas uma (triste) metáfora.

Existe um problema de fluxos. Tudo se passa como se as contribuições entrassem num reservatório, em más condições por causa de várias Brasília, pontes Rio-Niterói, Jurígenas e outros 'vazamentos' . Os atuais aposentados contam com o fluxo dos empregados da ativa. Estes, por sua vez, estarão torcendo, para que, uma vez na situação de aposentados possam contar com os aportes da jovem guarda. Justifica-se um olhar de visível preocupação dirigido à deformação da pirâmide etária. Em poucas palavras, com o crescimento insuficiente do emprego e o aumento da expectativa média de vida, chega-se à situação de ter praticamente um empregado na ativa para cada aposentado.

Para evitar o colapso, torna-se necessária a presença de uma torneira governamental, irrigando o sistema. A insuficiência de recursos que o Governo compensa, nada mais é que o déficit Previdenciário. Pouco importa se, por meio de discursos, se demonstre ser um problema da Previdência ou do Tesouro.

Diante disso, há uma série de discursos.

O dos servidores públicos pode ser resumido da seguinte forma: Atraídos pelo anúncio: 'Empresa Brasil, em fase de crescimento, procura preencher cargos; oferece salários em geral modestos, estabilidade no emprego e aposentadoria igual ao último salário', milhares de jovens escolheram o setor público. O anúncio omitiu o detalhe de o empregador não contribuir para a bolada que produziria os recursos destinados a pagar aposentadorias.

Não se deve esquecer que na iniciativa privada, o empregado recolhe 11% até um teto máximo e o empregador contribui com 20%. A rigor o valor do teto é irrelevante, percentuais iguais sobre um teto mais alto, garantiriam esse último.

Qual é a possibilidade de se cumprir o prometido se, diferentemente da iniciativa privada, o Estado não contribui? Qual é a mágica atuarial capaz de cobrir o buraco, se não há inflação 'suficiente' para acobertar as falhas do sistema? Imaginar que o Estado poderia imitar a iniciativa privada, passando a recolher um percentual de 20% sobre sua folha de pagamento terá o efeito equivalente a um aumento desta da ordem de 20%. A rigor pouco importa se o dinheiro sai do bolso esquerdo ou do bolso direito da viúva. Mesmo que as contribuições de hoje garantissem as aposentadorias de hoje (e isso não ocorre, pois por que razão estaríamos falando na Reforma se não houvesse déficits crescentes?) caminha-se para o desastre, mantidas as regras atuais. Podemos fazer projeções, o papel tudo aceita, como aquela do senhor Khair que fala em equilíbrio por volta de 2050, desde que determinadas variáveis tenham a necessária docilidade de seguir o modelo.

Em artigo no jornal Valor (20/1/2001), o professor Paul Singer afirma que 'deveríamos descontar do 'rombo' (sic) os 20% sobre a folha de pagamentos dos ativos que a União deveria provisionar para cobrir o custo das aposentadorias'. Salvo engano, seria despir um santo para vestir outro, ou seja, mudar o endereço do buraco, da conta Previdência, para a conta salários.

No serviço público, o servidor contribui com 11% sobre o salário, qualquer que seja seu valor. A aposentadoria será dada, no mínimo, pelo último salário, isso quando não houver uma promoção no apagar das luzes da carreira. Se os salários fossem crescentes, em moeda estável, de geração para geração, os velhinhos de hoje poderiam respirar com mais tranqüilidade. Matematicamente, seria tranqüilizador saber que na falta do aumento dos salários reais os contingentes de contribuintes irão crescer continuamente. Ambos os eventos levariam a um aumento das contribuições. Se é desejável torcer pelo aumento dos contribuintes na iniciativa privada, pois significa mais emprego, no serviço público é de se temer que isso signifique apenas mais cabides. Nisso o atual governo envidou esforços notáveis, apesar de o presidente do IPEA falar em estado atrofiado.

Os militares, seguindo uma regra diferente, recolhem 7.5% e ao passarem para a reserva além de receber 4 salários, recebem, geralmente, uma aposentadoria igual ao ordenado correspondente a uma promoção, do qual continuam descontando 7,5%, o que equivale dizer, grosso modo, que se aposentam com 92,5% do salário da patente imediatamente superior.

Não será necessário entrar no mérito das situações excepcionais daqueles que ingressam no serviço público em funções melhor remuneradas já em final de carreira, ou das aposentadorias múltiplas, muito menos daqueles que se aposentaram sem jamais terem recolhido, para entender os motivos e o gigantismo do nó.

O que o Sr X funcionário graduado da 'nomenklatura' pinga, não serve para criar um fundo para a aposentadoria dele , X. Serve para pagar a aposentadoria, exagerada ou não, pouco importa neste momento, de Y.

Se houver no Brasil apenas esses dois indivíduos X e Y, o sistema estará quebrado.(como o é , de fato).Temos que torcer para que entre um Z que irá ajudar a pagar Y que já está lá fora da piscina. Ocorre que tudo funciona, bem ou mal, quando o mundo estiver cheio de novos contribuintes e os Y não decidirem viver demais. A aposentadoria por tempo de serviço, que gerou, legalmente, jovens e longevos aposentados, complica a equação. Com o novo perfil da pirâmide etária e o aumento da informalidade, o negócio é ser Y.(Pena que só se é Y depois de velho)

Pelo simples fato de os aportes serem diferentes, fica evidenciada a sinuca de bico na qual se encontra o Estado.

É impossível deixar de lembrar do problema ginasiano do tanque alimentado por uma torneira e esvaziado por duas, com a pergunta do mestre :Em quanto tempo um anão que não saiba nadar poderá passear sem se afogar?

Se por um lado se alcança um equilíbrio teórico, se é que se alcança, com uma contribuição de 11%+20%, como se pode esperar alcançar o mesmo equilíbrio com 11% ou com apenas 7,5%? Sinuca de bico, repito.

Uma coisa é certa. Jogar a culpa só na elite do funcionalismo, responsável pela maior parte do buraco, não faz sentido. Ninguém pode ser culpado por ter escolhido determinada carreira e exigir, cumpridas as obrigações, que o Estado respeite seu compromisso. Mostrar a placa 'Proibido nadar' não resolve o problema de quem se afoga, qualquer que seja o salário. Portanto, entender que os 'sem teto'...Previdenciário não são propriamente vilões nessa história é importante.

Contudo, para quem não completou o seu ciclo útil, a regra pode ser questionada. À 'expectativa de direito' terá de ser contraposta uma realidade, um 'sinto muito', acompanhado de uma saída: complementar as contribuições, para conseguir, por meio de uma poupança adicional, o que o Estado prometeu sem ter os meios necessários para honrar o compromisso. O reservatório desconhece oratória. O direito se adquire ao ingressar no funcionalismo, mas os benefícios só se materializarão dentro de condições que hoje não existem.

Operacionalizar a solução é o desafio que deverá mobilizar todos os setores da sociedade, tendo como lembrete as palavras de Gandhi:' De punhos fechados, não há aperto de mão'. Não há uma solução mágica, a menos que ocorra uma revolução, como salientou o presidente do STF. Soluções gradualistas são possíveis e necessárias. O que não faz sentido é imaginar a famosa piscina cheia antes de no mínimo dez anos. Keynes afirmou que 'a longo prazo estaremos todos mortos' ; talvez ao comentar a atual situação, ele teria acrescentado. 'A curto prazo, estamos todos fritos'. E, não venham dizer que estamos todos no mesmo barco, pois a maioria está se debatendo fora dele. A reforma da Previdência é necessária. Empurrar com a barriga não resolve.

. Por: Alexandru Solomon, autor de ´Almanaque Anacrônico`, ´Versos Anacrônicos`, ´Apetite Famélico`, ´Mãos Outonais`, ´Sessão da Tarde`, ´Desespero Provisório` e o recente romance´Não basta sonhar` (Ed. Totalidade). Confira nas livrarias Cultura (www.livrariacultura.com.br), Saraiva (www.livrariasaraiva.com.br) e Laselva (www.laselva.com.br).

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