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04/08/2016 - 08:04

Rafael Cervone — Muito além de roupas e recordes


Rafael Cervone, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit)

Desde 1912, quando as marcas do atletismo começaram a ser mensuradas, o recorde mundial do salto em altura avançou 45 centímetros e o da corrida de cem metros rasos diminuiu um minuto e dois décimos. Em todo torneio e principalmente nas olimpíadas, como a do Rio de Janeiro, é sempre grande a expectativa quanto à quebra dos recordes dessas duas provas clássicas, que se refletem em todas as modalidades esportivas, nas quais o desempenho dos praticantes também evolui sistematicamente.

Cada marca derrubado testemunha o infinito esforço de superação do ser humano, o aperfeiçoamento dos métodos de treinamento e a tecnologia dos materiais utilizados pelos atletas. Neste último item destacam-se os tecidos dos uniformes, desde os usados pelo pessoal do atletismo e da natação, que reduzem a resistência do ar e da água, até os que vestem jogadores de basquete, futebol, vôlei e outras modalidades, que não retêm o suor, são mais leves e garantem plena ventilação da pele durante todo o jogo. Aumentam a microcirculação sanguínea, retardam a fadiga muscular, aceleram sua recuperação e monitoram eletronicamente a performance dos atletas.

Tais avanços não beneficiam apenas os esportistas de alto rendimento, pois são aplicados na produção regular do vestuário destinado ao consumo, contemplando atletas amadores e milhões de pessoas em todo o mundo. Não pensem, contudo, que os uniformes que estarão sustentando recordes e dando um show de design na Olimpíada do Rio de Janeiro chegaram ao limite da evolução tecnológica da indústria têxtil e de confecção. Vem aí a manufatura avançada, na qual o setor está plenamente engajado.

A inserção brasileira nessa nova onda tecnológica, suas possibilidades e desafios estão expressos no trabalho “A quarta Revolução Industrial do Setor Têxtil e de Confecção: A visão de Futuro para 2030”, convertido em livro assinado pelo doutor em Engenharia de Produção Flávio da Silveira Bueno. Os estudos foram coordenados pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), pelo Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil do Senai (Senai CETIQT) e pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).

Globalmente, o setor deverá migrar, de modo cada vez mais rápido, do modelo de competitividade baseado na baixa remuneração do trabalho, predominante nos países asiáticos, em especial na China, para um sistema industrial marcado pela automação modular, robotização, redes digitais de comunicação, novos materiais, a chamada internet das coisas, design inovador, produção mais ágil e customizada. Consumidor e indústria passarão a interagir mais, num processo de coevolução.

Para o Brasil, a manufatura avançada significará ótima oportunidade de concorrer com a produção dos asiáticos. Porém, ao mesmo tempo, implicará o desafio de disputar mercados, inclusive o interno, com países de alto desenvolvimento econômico e tecnológico, como os Estados Unidos e os da União Europeia, que deverão, paulatinamente, voltar a internalizar sua produção, depois de a terem transferido para outras regiões.

No contexto das oportunidades, há amplo espaço para as pequenas confecções. Uma minifábrica automatizada e integrada abrangerá o processamento dos pedidos, design, modelagem, corte ótico, manipulação robótica, costura, acabamento e expedição. Isso permitirá a produção personalizada, com lucratividade duas ou três vezes maior do que a verificada nos processos convencionais.

Dentre os desafios, inclui-se, ainda, a preparação de uma nova geração de recursos humanos. Afinal, um sistema robotizado e virtualizado requer trabalhadores mais qualificados, talentosos e aptos a lidarem com tecnologias altamente produtivas. Tal demanda remete a duas questões básicas: a primeira refere-se à melhoria da qualidade do ensino público e do acesso às universidades e escolas técnicas, pois a formação profissional do Sistema S, embora muito eficaz, não é suficiente para suprir de modo amplo um país com 206 milhões de habitantes; a segunda relaciona-se à arcaica legislação brasileira, que não atende à permanente evolução das relações trabalhistas, cada vez menos atreladas a normas genéricas e cada vez mais baseadas em acordos customizados entre o capital humano e as empresas. Ou seja, a reforma trabalhista, reivindicada há tanto tempo pela sociedade, não pode mais ser postergada.

Numa analogia com os Jogos Olímpicos, a evolução da indústria têxtil e de confecção brasileira, assim como de todos os setores de atividade, tem sido comparável a uma corrida de obstáculos, que são muitos: impostos e juros elevadíssimos, insegurança jurídica e imprevisibilidade das políticas públicas, crescente desequilíbrio fiscal do Estado, desestabilizando a economia, encargos trabalhistas muito onerosos e excesso de burocracia, dentre outras conhecidas barreiras.

A despeito dessas dificuldades históricas, o setor tem estabelecido marcas significativas de evolução. Agora, parte para o estabelecimento de novos recordes no contexto da manufatura avançada. Que as mudanças políticas em curso no Brasil contribuam para remover os empecilhos enfrentados pela indústria, pois na corrida do desenvolvimento, diferentemente do ideal olímpico, não basta competir; é preciso vencer.

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