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10/11/2016 - 08:38

Roma para sempre e o combate à intolerância religiosa


Uma das funções primordiais da Literatura é interpretar os males de uma época. Ora, um romancista pode e deve ser, além de ficcionista, um tradutor dos grandes problemas de seu tempo. E, mesmo, de outros!

Escrever é arte compromissada com um pensamento evolutivo – o ato de criar figuras de ficção, mas tendo por base conceitual personas tão humanas como as carnais, refletindo assim os conflitos do homem em todas as sociedades.

No meu caso particular, já publiquei dois romances passados no século XIX e tenho escritos outros bem distantes desta nossa era 2000. Contudo, num romance contemporâneo – como é Roma para sempre –, a ficção me abriu portas para um retrato de realidade com a tessitura mais viva do momento atual – os problemas entre nações relacionados a cultura religiosa, sociedade e relações internacionais calcadas entre o poder e o conflito.

Assim foi que neste romance senti necessidade de tratar, em pano de fundo, a intolerância religiosa e o terrorismo – bases do silogismo dessa ultramoderna guerra mundial. E tal necessidade se deu desde o início (ainda no momento da construção da story line, nas bases sinópticas do enredo), quando pensei numa mulher atual do Ocidente a chocar-se com uma cultura que mantém tradições aparentemente improváveis para nós, ocidentais.

Mas – acredite! – o romance não é, nem de longe, algo árido. Até as areias do Liwa têm cores (risos), quando testemunham uma história de amor quente como o deserto... E a trama possui a leveza do que é atual também em termos de glamour, já que conta a história de uma estilista de fama internacional, em sua vida movimentada. Há passagens descontraídas e vibrantes – desde os badalados modismos da sofisticada capital italiana até o Milan Fashion Week(!). Mas tudo isso em um contexto que espelha os problemas desse mesmo mundo. A protagonista é uma mulher consciente das necessidades de seu tempo:

Por isso, gosto de avançar no tempo, conquistar posições, combater o pensamento retrógrado e a intolerância religiosa (p.36).

Apesar da beleza do amor do casal protagonista, o livro não deixa de propor reflexão... Onde estará a divisa, afinal, da resistência de cada um de nós na hora de receber ou adotar as leis de outro povo? Seremos capazes de aceitar as simbologias e os costumes de um outro padrão cultural de culto ou convivência? E, afinal, o que é ruim ou inaceitável só existe nos reinos estrangeiros?

Culturas diferentes são reinos adversos, e não há no país vizinho – ao que parece – uma erva daninha que também não se prolifere no solo de nossa própria nação (p. 131).

Sim, isso pode parecer difícil de entender, mas a intolerância a outros povos renega o que de mais universal pode haver: a natureza humana. E isso, meu leitor, não está traçado individualmente nas linhas do globo. É a ideia da união ideológica que pode salvar a Babel contemporânea das relações armadas ou intolerantes.

Os espetáculos dos Coliseus contemporâneos serão menos hediondos? (p. 15).

A trama – mesmo contando uma história de amor – leva a pensar na arbitrariedade de nossos julgamentos, na intolerância religiosa do mundo atual e na falta de empatia do ser humano de todas as culturas e de qualquer parte do planeta.

Bom, no fim das contas (e sem dar spoiler), é possível adiantar que no romance, como no mundo, a ideia que move tudo é a máxima do amor universal. Apenas isso! Sentença tão antiga como as Escrituras. Divisa expressa por Jesus Cristo no Evangelho, na liturgia católica, nos cânones espiritualistas, pelo monges do Tibet...

Na linha natural desse pensamento, o Papa Francisco também falou sobre a questão da intolerância religiosa, recentemente, referindo-se a esse mesmo (antigo) amor coletivo que deve nortear os povos. Não por acaso, a intolerância religiosa foi também o tema da redação do ENEM deste ano. Diante dos apelos de ordem universal, parece mesmo que todos – no Brasil e no resto do mundo – agora se voltam para uma ideia unificadora de gerações e nações variadas – ainda que em meio a culturas e credos diferentes.

No decorrer da trama de Roma para sempre há sinais desse clima de terrorismo a assolar os noticiários, seja em aeroportos internacionais, seja nos conglomerados urbanos. E o leitor – mesmo nessa atmosfera – não tem qualquer dificuldade em viajar pelos belos cenários que a narrativa propõe.

De todo modo, pregando justamente a tolerância, a obra não escolhe culpados indistintamente, afinal a ficção nem tem essa responsabilidade. Além disso, nem todo muçulmano segue o Islã, nem todo ataque terrorista pode ser atribuído a determinada facção. É claro que o livro, sendo uma obra atual, alude ao extremismo, quer por ramificações a (outras) ações de terror na Europa – grupos vários e indeterminados –, quer pelas notícias de ataques terroristas assumidos pelo Estado Islâmico.

Contudo, não cabe à Literatura, menos ainda ao gênero romance, classificar o mundo em gregos e troianos. Aqui, o que vale a pena é conhecer o romance da italiana Paola Romanatto com o Sheik Malik Shaad Akmakjian. Porque no livro, afinal, o que se sobressai é a história de um amor – proibido justamente pela diferença cultural.

E a verdade maior é que o grande problema da paz universal atinge cada um de nós quando entra em nossa casa (p. 146). Bom, é essa a lição decisiva a ser aprendida – no Enem ou na cartilha das nações! Quanto ao desenlace e ao clímax da história, só a leitura poderá dizer...

Pelo fim da intolerância religiosa: . E tu, Lorenzo, não vem com preconceito ao estrangeiro!

. Você está sendo intolerante, Paola! Tem que dar o peso certo a cada medida. O universo é vasto (...) Há diferenças entre Terra e Mercúrio embora ambos girem em torno do Sol.

. Por: Sayonara Salvioli, romancista, dramaturga, biógrafa, contista e cronista com obra estudada na Miami University (Oxford – OH, USA). Como romancista, em 2015 lançou em Portugal obra passada no século XIX, e em 2016 Perfumes de Paris — da Primavera Editorial—–, livro centrado na França da Belle Époque. A escritora é membro de academias de Letras no Brasil e na França.

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